sábado, 29 de junho de 2013

Crônica da semana - comissão

Devolva a comissão


Não sei por que conto essa história se hoje comissão nem para ser presa há... 
Naquele início de noite, os estudantes apimentados (não, não como hoje, apimentados) entoavam palavras de ordem, ansiosos por terem seus companheiros de volta: “Devolva a comissão. Devolva a comissão. Devolva a comissão”. 
A memória já não está muito aquela, mas pelo que consigo reconstruir, foi assim: 
A partir do AI-5, editado em dezembro de 1968, o que ficou de muito evidente foi a desarticulação de movimentos sociais no Brasil. Ouviu-se durante muito tempo, pelas ruas do país, o inquietante barulho do silêncio. 
No final da década de 70 e início dos anos 80, uma brisa alentadora soprou pelos nossos céus azuis. A Abertura lenta e gradual se engendrava e uma ‘suspiro de alívio’, embora ofegante, entrecortado, se anunciava. Alguns sindicatos, entidades religiosas se reergueram (cheguei a participar da JOC ressuscitada), políticos, agitadores culturais, cientistas voltavam do exílio com o fogo aceso, prontos para se redescobrirem no Brasil. O movimento estudantil, foi no vácuo. 
Aí eu tenho que fazer umas continhas: entrei na Escola Técnica em 1979. Naquele ano, ainda era meio apatetado, dir-se-ia na época, alienado. Trançamos muita prosa ali na calçada daquela sorveteria que ficava no canto da Duque com a Estrela, até que a década de 80 nos pegasse, a mim e a minha turma de protocomunistas do curso de Mineração e a gente se aviasse na passagem da teoria da luta para a mobilização nas ruas.
Quando dei por mim, já estava me reunindo lá na Ceasa (uma relva abandonada nos domínios intramuros da Escola Técnica, ali pros lados da 25, agregada ao campo de futebol). Éramos uma seção do Gremps (Grupo de Reconstrução do Movimento Secundarista do Pará, acho que era isso que a sigla queria dizer). Mais tarde, a partir deste grupo, renasceria a Umes. Mesmo naquela atmosfera condescendente da ETFPA, tínhamos um certo receio e tomávamos alguns cuidados na nossa reunião. Razão para isso havia.  As bombas ainda explodiam pelas bancas de revistas, atentados da Direita ainda extirpavam mãos e sonhos. De fato, éramos clandestinos. 
As reuniões, os debates, as assembleias nas salas do Curso Hélio Dourado, aos sábados, resultaram no soerguimento do Movimento Estudantil (a UNE também, tava que tava a fim) e alinhavaram nossa bandeira de luta: a meia-passagem. 
A primeira grande manifestação (aí é que a memória falha, mas vá lá que seja, foi em 1981, e até que eu me desanuvie as ideias, vale esta data. Outubro de 1981) ocorreu em dois momentos. No primeiro, o pau cantou. A sede do governo era no palácio Lauro Sodré. O governador, um coronel do Exército; o chefe da cavalaria, um oficial de vastos bigodes. Muita cassetetada no lombo. Reagrupados, após o confronto em frente ao palácio, cinco mil estudantes marcharam para frente da casa do Governador (o atual Palácio da Residência), e no asfalto da antiga Independência, mais arenga com a polícia (rolou um barraco e um ônibus da linha Jurunas Conceição foi apedrejado). Muita gente presa, mas a luta continuou. 
Dias depois, novamente os estudantes forçavam a barra em frente ao palácio sob os gritos de “receba a comissão, receba a comissão...”. A comissão entrou levando as reivindicações dos estudantes para o governador e por lá se demorou. E demorou, e demorou. Prenderam a comissão. Agitação, cavalos irritados e palavras de ordem: “devolva a comissão, devolva a comissão...”. Quando a comissão foi posta em liberdade, uma longa luta (que se estenderia até 1991), pela meia-passagem, se iniciava. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário