sábado, 26 de junho de 2021

crônica da semana - Professora

 Professora

Mais uma surpresa boa. Semana em que minha filha recebeu o canudo de professora, da UFPA. Agora, cada pedacinho de mim se inteira com as crias ganhando rumos próprios. Chamei Argelzinho para pôr o charme dele na crônica de hoje e em quatro mãos vamos nos render em afetos à nossa professora:

“Lembro bem o dia em que eu estava na UFPA e saiu o listão de 2016. Saí correndo para a reitoria. Chegando lá dei com o prédio lotado. Foi difícil chegar à frente do quadro pra ver o curso de Licenciatura em Geografia. Mas minha amiga Dominique, vulgo docinho, no alto de seus metro-e-meio, disse “pere lá, deixe comigo!”. Se meteu por entre as pernas dos outros e viu lá escritinho: Amaranta Maria, aprovadíssima. Comemoramos a valer, corremos pro portão 3, pegamos o primeiro bonde direto pra Pedreira na ira de jogar ovo e colorau na minha irmãzinha, a mais nova universitária dos arrabaldes, a mais nova acadêmica do Canal da Pirajá.

Passado o frisson inicial, fomos parceiros nesses 5 anos. Curtimos algumas filas de RU juntos e umas noitadas no vadião. Falhei na missão sacra da carona de carro pouquíssimas vezes. A fiz esperar sentada e estressada, que eu terminasse o treino de basquete, umas outras oportunidades, gerando emburros insanáveis nela e no papai, por causa da falha na dita missão sacra. Tentei até saber um pouco mais da vida universitária dela, mas não tinha jeito. Discrição total. Ela não contava nada. Eu só sabia por alto, um estágio ali, uma bolsa de extensão acolá, um atrito com um professor de vez em quando, mas não passava disso, é o estilo dela.

Por isso, achei meio estranho um dia desses, quando ela me chamou pra conversar, depois de ter tomado umas e outras cervejinhas, dizendo que o TCC ia sair, que já tinha pegado a correção do orientador e estava só esperando a definição de data para a defesa (mas não era pra contar pros nossos pais). Bom, fiquei muito feliz, dei-lhe um abracinho afetuoso e disse que era pra manter a calma, que depois desses 20 minutos de falação, não tem mais nada a fazer, só pegar o diploma e ser eventualmente desempregada.

Minha mana será oficialmente Professora formada, quando essa crônica sair. Além disso, esse texto é uma homenagem aos 23 anos que ela completa agorinha neste justo sábado. Salve dia 26 de junho! Amaranta foi a pessoa que ficou mais chocada com a notícia que vou ser papai, e ainda receber a intimação para ser a única tia oficial e madrinha da criança. Depois de 5 minutos de palidez, ela levantou, segurou a minha mão, a mão da Brenda, e disse que ela pode ter essa capa de durona, os olhos graúdos de loba má, mas estava profundamente feliz pelo anúncio da chegada de mais uma criança na família.

Depois disso, o meu zap não para, todo dia ela manda mensagem sugerindo nomes, temas de aniversário de criança, apelidos fofinhos, temas de chá de revelação (mesmo sendo meio brega), e compartilhando todo o amor de tia/madrinha que ama desde já esse bebê.

Feliz aniversário, minha professora, minha irmã querida, minha parceira, minha amiga, nossa brabinha de coração mole, a pêta cajá do papai, a pêta caju da mamãe, a pessoa mais leal que esse mundo já viu. A nossa família é muito orgulhosa e feliz por todas as tuas conquistas, pode contar com a gente para todos os próximos desafios. Eu, falando por mim mesmo, posso dizer que hoje eu sou o irmão mais feliz do mundo, assim como fui no dia que nasceste e no dia que passaste no vestibular. Te amamos, Amaranta!”

sexta-feira, 18 de junho de 2021

crônica da semana - vovozinho

 Vovozinho

Vida girando, cenários e humores em movimento. Mundo partido, corações esmigalhados. Para tudo! Um instante. Volta um pouquinho:

Havia completado um ano de emprego em Barcarena. Morava numa república e neste dia folgava, sentado no batente e espairecendo vendo o tempo passar. Quando ela chegou.

Uma missão repentina tinha levado minha companheira ao meu encontro em Barcarena. Precisava de uns documentos que estavam em Belém, para regularizar meu contrato com a empresa.

Da feita que ela bateu o pé na calçada, logo reparei. Os olhos afundados, olheiras bem marcadas, uma certa palidez. Comentamos aquela panemice e avaliamos as expressões como uma resposta do corpo à viagem de popopô e da falta de costume em enfrentar o banzeiro da baía do Guajará, comum, no meio da tarde.

Passadas as impressões, e notada a recuperação, conferimos a papelada que ela trouxe, nos abrigamos, relaxamos um pouco, saímos à noite para o repasto e para conhecer um pouquinho do que a Vila dos Cabanos tinha, já que era a primeira visita de minha companheira ao lugar em que eu passava a semana trabalhando. No dia seguinte cedo, embarcou de volta para Belém, com a combina de que procuraria um médico para avaliar aqueles passamentos repentinos.

Pouco tempo depois, o telefone do alojamento tocou. Alguém gritou por mim, que, com certeza folgava lendo alguma coisa no quarto. Fui atender na salinha reservada. Do outro lado da linha, a revelação: “estou grávida”. Era isso, aquelas mundiações, os enjôos, as palidezes aleatórias. Era Algelzinho se anunciando.

Desliguei o telefone contendo a euforia. Comentei com meu parceiro de quarto, me imaginei como pai. Chorei em silêncio, de emoção. Depois, voltei ao mundo real. Nessa época ainda não tinha a planilha do Excel, rabisquei então nosso futuro com um filho, na caderneta que me acompanhava para as anotações diárias. Fiz contas, incluindo compra de berço e o custeio da educação até a saída da universidade, ponderei a distância que nos impunha a separação durante a semana e a primeira ação foi arrumar uma casa do projeto e mudar todo mundo para a Vila. Ali começaria a nossa família (dois anos depois, olhos fundos, olheiras, panemice de novo e Amaranta chegaria para completar a família e animar nossa vida com o espírito feminino).

Volta aos giros do mundo:

Na quinta-feira próxima passada, Argelzinho e Brenda vieram nos visitar. Mantendo todos os cuidados de distanciamento, os recebemos em casa, ainda eu, cultivando um descontentamento porque o casal veio no meu aniversário em maio, e não trouxe nem uma camisa do bicola de presente, que eu tanto queria. Um bolinho de visitante partilhado, e a seguir, folguei no sofá para uma prosa despretensiosa enquanto eles mantiveram a distância, ali na mesa, encostada à janela. Foi aí que dei com uma caixinha de presente sobre o balcão da cozinha. Hã hã... imaginei. Custou, mas veio.

Levantei, peguei a caixa do balcão, fiz uma cena agradecendo o mimo, desatei o lacinho e abri. Dentro, um par de sapatinhos de bebê.

O mundo gira e os bebês não se anunciam mais a peso de olheiras e panemices. Apresentam-se da forma mais fofinha que a gente possa imaginar. Chorei em silêncio de emoção por descobrir naquele momento que vou ser vovozinho. Fui lá em cima e voltei.

Refeito, corri para o computador, abri o Excel e fiz as contas do berço, dos passeios no bosque, das voltas no carusser do arraial e dos estudos do netinho ou da netinha até a universidade.

 

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

crônica da semana - água na geladeira

 Água na geladeira é bom

A imagem da semana, embora seja constante nos últimos anos, causou espanto. Várias cidades do Amazonas alagadas. As casas só com o telhado fora d’água. Diante do cenário eu sempre faço a mesma pergunta: como esse povo bebe água, meu pai? Sim, porque mesmo que no meio de tanta água, aquela não é água de se beber assim, a hora que der vontade ou bata a sede.

Agora diz daí, com esse calorão que já se assanha nas tardes em Belém, de a gente chegar em casa, dar aquele banho de álcool no corpo, descontaminar os pertences, sentar um pedacinho no alpendre pra apreciar os últimos raios de sol, e enquanto repara o dia ir-se indo, com satisfação, beber um copo de água bem geladinha, heim... Que tal?

Ter água na geladeira é bom. De vez em quando ir lá, vencer a sede e ainda ter o prazer da água friinha tem um valor sem tamanho em nossa qualidade de vida.

A semana passou nos lembrando do Meio Ambiente. Nestes tempos apavorantes em que vemos o ministro da pasta posar para fotos tendo atrás dele uma pilha de árvores mortas, uma reflexão sobre a água que consumimos diariamente deve estar na pauta. Toda vez que abrimos a geladeira e pegamos uma garrafa d’água friinha, busquemos na mente o valor desta ação tão comum. E tão dependente dos cuidados que dedicamos ao Meio Ambiente.

A recomendação dos especialistas é que a gente beba pelo menos dois litros de água por dia. Para que a pessoa se mantenha viva e saudável, basta que a água seja potável. Livre de contaminantes biológicos e apresente um padrão físico-químico. Quando, além destes requisitos a água é enriquecida de elementos outros, pode ser considerada como mineral. Esta, normalmente traz na composição, elementos químicos retirados de rochas comuns em regiões mais profundas e quentes da crosta, como o Magnésio e o Cálcio. Podemos então beber água potável e água  magnesiana ou cálcica, quando da vontade ou na ira da sede; geladinha ou ao natural mesmo. Só não podemos beber é qualquer água.

O que torna e o que pesa é que a espécie que mais encontramos por aí e por cá, é a dita qualquer água.

Belém tem água em tudo quanto é canto. É cidade varada por igarapés. Mais além, temos grandes rios e a baía do Guajará, que é um caudal portentoso. Só que é ruma de água imprópria para o consumo imediato. Águas de superfície, poços rasos, não raro, são desprovidas de qualidade. Do rio, até podemos retirar água para consumo, mas é arte que exige tratamento, adição de químicos, processos físicos de purificação. É um serviço necessário, no entanto, caro.

As águas subterrâneas protegidas são mais indicadas. Poços profundos, que têm selagem e filtragem natural são aqüíferos de alta qualidade. Ocorre que poços não geram boas fotos, não maquilam imensas áreas de tratamento que podem ser registradas por drone, não requerem produtos extras de purificação. No frigir dos ovos, não rendem licitações robustas ou ibope político.

Quando a gente vai na geladeira e apanha uma água friinha pra beber, podemos nos considerar privilegiados, primeiro porque temos um quadro de disponibilidade deste bem e segundo, porque podemos pagar por ele.

Certa vez, passei uma temporada numas dessas ilhas que rodeiam Belém. Ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados. Quando bateu a sede, fui na geladeira. A água apresentava alterações. Água do caudal. Do baixio de açaizeiros. Do raso dos poços. Friinha, mas amarelinha e com um gosto alagado e triste.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

crônica da semana- bode embarcado

 Bode embarcado na canoa

“Fora...”

Este comando nos livrava de uns instantes de paralisação total, sem piscar, sem mexer um mindinho sequer, sem poder reagir a uma coceirinha na ponta do nariz. A brincadeira se chama “Estalta” que, percebe-se, é uma corruptela da palavra “estátua”, substantivo que designa peça de arte das mais acuradas.

Quando estava em Rondônia, por um tempo partilhamos nosso alojamento de solteiros da mina, com um companheiro que tinha família em Porto Velho. Nos períodos de férias das crianças, dávamos um jeitinho de abrigar a petizada, para que o companheiro não se sentisse tão só. E era uma festa. A garotada era animada. Nos pegavam pra pagode, daqui pra’li nos pregavam a prenda e lá íamos nós ao desespero que a brincadeira nos impunha. Da feita que ordenavam “estalta, tio!”, não tínhamos escapatória. O jeito era ficar tesinho da silva senão nos era aplicado o castigo de bolos graciosos desferidos por aquelas mãozinhas de anjo. Nossa Valência era quando nos beneficiavam com o “fora”, que era a contraordem. Era a liberdade dos movimentos recuperada e a missão cumprida de dar alegria à vida daquela criançada.

Em março do ano passado, a pandemia me lançou um “estalta, tio!”. Dessa vez sem a articulação inocente das crianças. O tempo parou. Fora as dores diárias que não deram trégua, tudo pareceu congelar fosco diante dos meus olhos arregalados de medo. Sem rir, sem falar, sem vacina, sem remédio para a desesperança. Um estado de torpor, de ausência e de perda de controle da realidade. Não era uma peraltice da petizada. Era o flagelo imposto pelo vírus e também por um desastre político no comando do país.

Agora em junho, fui alvejado por um “fora”. Meus movimentos foram anistiados. Ainda sob uma anestesia nos músculos, nos pensamentos, nas reações, me vi atravessando a Doca de Souza Franco, às seis da manhã. Um momento intrigante, e digo até, emocionante. Naquele instante, me dei conta que fazia um ano e uns caroços que eu não botava o pé na rua de vera, de vida, de rumo certo, de caminho traçado, de horário contado, de Ver-o-Peso e baía do Guajará logo ali. Uma volta e pouquinho em torno do sol que não sentia a brisa matinal vinda do oeste, assim, de palmo em cima. Saí para o mundo ainda cheio de medos, e muitos vazios no coração. Presenciei o sol nascer não com aquela contemplação romântica, mas com a ansiedade que os compromissos do dia exigem. Nem reparei se isso era bom ou ruim. Batia o pé na rua depois de um ano e pouco. Ainda adaptando os pulsares do coração, o ritmo da respiração, o manquitolar do joelho bichado e algum déficit em minhas ferramentas de orientação e certezas. O mundo lá fora, crente no poder da primeira dose da vacina correndo nas minhas veias, nem aí pra mim, não me esperou tornar. A insensatez, o ranço dissimulado, uma cisma estúpida dos agentes do capital comigo não guardou um mínimo de sensibilidade ou paciência para eu aguardasse a segunda dose com o máximo de proteção, como se deu no ano e pouquinho que se passou. Mais dois meses de espera corromperiam os brios do sistema.

O tempo é diferente da brincadeira de criança. Arrisco dizer que se realiza em mundos paralelos. Da feita que se encontram no infinito de pouco mais de um ano, parece que o tempo nem existiu. Ou se existiu, foi no intervalo de uma piscadela, de uma coceirinha na ponta do nariz, ou de um movimento involuntário do mindinho. Quando varei na Doca, o sol já despontava animado, a cobrar vigília, rotina; temperando meu dia com estresse, e me alertando que não haveria espaço nenhum para dúvida. Não me era permitido um chiado de protesto. Eu que não me avexasse. Estalta, tio!

Fora...

Descongelei e voltei ao trabalho presencial, aos movimentos vulgares, mas digo de vera, retornei mais desconfiado que bode embarcado na canoa.