sábado, 30 de julho de 2011

crônica da semana-clube do garoto

Clube do Garoto
Mas quando que mamãe deixava. Eu até que ficava na vadiagem, em julho. Ia pescar na escadinha do Ver-O-Peso, frequentava a matinê (que era à tarde) do cinema Paraíso, podia ligar a TV de tardinha para ver o Alecrim, ou ir até lá mesmo, ao vivo, no Clube do Garoto disputar ‘um quilo de bombom’, no cabo-de-guerra com a molecada do Remo...mas sair de Belém, nananina. Mamãe não deixava. Uma emendada dessas, na corda da última semana de férias, de jeito e maneira. Mamãe cortava logo. E eu, nem arreliava com isso. Não fazia por onde, também. Embora tivesse um espírito absolutamente rueiro, nunca fui mundano (e, até hoje, os escaninhos de Santa Maria de Belém do Grão Pará são o meu mundo). Por outro lado, sempre fui do trampo. Desde que me entendi por gente, corri atrás do dindim. Não tinha muito tempo mesmo para charlar por Moscou, como (diziam que) faziam muitos dos meus camaradinhas da escola. Mesmo na frouxidão das férias, alugava uma bicicleta para esmerilar lá na baixada do Areal, levava uma geladeira cheia de laranjinha (e uma ‘gilé Platinoplus’ pra cortar o plastiquinho), faturava uns Cabrales e depois descia para um mergulho proibido no igarapé do Zé, porque santinho, também não era.
A história que eu tinha pra contar das minhas férias não trazia emoções além do marco da primeira légua. E não era só eu que tinha essas restrições. Meus colegas também. Mas eles se fechavam em casa (consumiam-se com as trairagens do índio Mingo, no seriado Daniel Boone e nas pelejas do João Coragem pra conseguir um diamante deste tamanhão, na novela da Janete Clair) e não davam as caras na rua (não eram rueiros). A grande paga era na volta às aulas quando tínhamos que nos virar para escrever uma redação sobre os nossos momentos felizes em balneários bucólicos. Aí, era mais quem inventava. Eu, então, vigi, mentia muito. Contava sobre os piqueniques em Marudá, viagens para Mosqueiro no navio Presidente Vargas; banhos de igarapé na casa da tia Irá, nos meandros do Acará; Descrevia direitinho quando fui passar o dia lá no Tenoné, na casa de um tio que nunca existiu e a quantidade de gatos e bananeiras que vi no quintal da tia Ana, num passeio que fizemos, eu, mamãe e as meninas, num domingo à tarde, ‘pras bandas lá da Mucajá’ (o único episódio verdadeiro encravado na minha redação).
Tirando uma prosinha raquítica aqui, outra ali, de vera, o grosso da minha redação era tudo lorota: as minhas férias, quando garoto, foram inevitavelmente (e prazerosamente), pelas ruas de Belém.
(Estava num pé e n’outro pra falar sobre essas invencionices de menino-péssimo, na hora de escrever uma redação com o tema ‘minhas férias’, e me ocorreu falar do Clube do Garoto. Era um programa infantil apresentado pelos palhaços Alecrim e Carequinha - a dupla que acompanhei mais de perto, porque houve outra formação. E vem à memória, o meu primeiro emprego de carteira assinada como empacotador no supermercado Pão de Açúcar. Um certo Erasto Banhos fazia compras lá. E os boys, como eram chamados os moleques que arrumavam as compras nos paneiros à época, engalfinhavam-se para atender aquele Senhor Banhos. Eu ficava meio aquele para saber o motivo de tanta disputa. É que ele era o palhaço Alecrim, segredavam alguns. Arrodeávamos o homem, nos fazendo de incrédulos. Pedindo para que ele desse uma prova de que era mesmo o palhaço de nossas tardes. Até que ele impostava a voz algo anasalada e discorria no bordão “Secretãããria, traga um quilo de bombom aqui para os nossos amiguinhos”. Era. Era ele, e nós, moleques...Ah, nós moleques, que só queríamos um pé, folgávamo-nos a valer).

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A areia da praia que não vemos

O meu precioso diamante

Categórico, absoluto. Imponente, provocante. Luzindo decidido, a oferecer-se para mim.

o mais brilhante e mais bonito do que qualquer outro já imaginado.

Pedras no meu caminho

terça-feira, 26 de julho de 2011

Banzo

Vou ouvir Amy e dar um soninho
depois das férias, dos filhos junto,                                  
da redinha sempre disponível,
das vozes graves, dos amores perto,
das ocupações domésticas, da entrega e da partilha, das visitas ao céu noturno...
bate uma gastura...rola um banzo, uma rebordosa, uma malemolência,
Tudo ecoa...na solidão.
vôte!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Acordes visuais de Fernando Perdigão

Cores, sabores...

... dores. Leonores e daguimares...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

crônica da semana - Dormir com couro quente


Mas parece uma coisa! Uma perseguição! É só estiar um pouquinho e pronto, o povo ateia fogo no mundo. E olha que o estio este ano está um tanto estiolado. Em pleno julho o tempo ainda amanhece nublado, a roupa passa o dia no varal e nem seca direito, e a chuva, quando se anuncia, chega mesmo.
A coisa é certa: fez um solzinho, o fumacio vem junto e traz aquela fedentina de arder o nariz. Por onde a gente se vira tem um foguinho perturbando.
(Fico pensando...Será que isso é genético? Tá na origem da nossa existência? É cultural, queimar?).
O fogo, antes de ser essa coisa abominável, é o grande herói da humanidade. O grande provedor de vidas. Só estamos aqui por causa dele. Quando o homem conseguiu atritar dois pauzinhos e produzir uma triscazinha de chama, estava garantindo a segurança, a alimentação, o abrigo, a luz noturna e a proteção para um sono reparador (antes da descoberta do fogo, sob a ameaça constante de predadores, o homem primitivo não dormia que prestasse. Tinha que estar sempre atento aos perigos da noite. O fogo veio para afastar o agressor e permitir o sonho).
Da mesma forma que ‘ergue’, o fogo ‘destrói coisas belas’. Massas incandescentes que se movimentam no interior da Terra, geram calor, definem o deslocamento dos continentes, estabilizam/desestabilizam o planeta.
A chama azulada do fogão representa conforto e comodidade, o sopro abrasador do mambembe é diversão (e tensão). O rubor de fornos potentes é energia transformadora. Fogo-fátuo é crença e medo. O fogo da paixão (é o bom que) dói e nem se sente (‘arde sem se ver’). Luzes pipocando lá no céu são traduções químicas para a saudade, no último dia de arraial. O fogo colorido é a bênção da Virgem.
Mas quando é banalizado no ato irresponsável de dar fim às folhas secas no terreiro, rapidola institui-se a subversão. O pecado.
Certa vez, em Rondônia, tive um trabalhão pra construir um acampamento para a minha equipe de pesquisa. Eram vários barracos de palha em estilo até inovador: com pindobas de cores diferentes a indicar fachadas e teto (as verdes, mais maduras, usamos para as paredes até meia-altura. As amarelinhas, mais novas, as fizemos de telhado, com capote simétrico e bem amarrado. Ficou um mimo, o dégradé do meu acampamento). A cozinha, erguemos em construção separada, nos limites do descampado, já na fronteira com a mata.
Acontece que o acampamento era vizinho à vila residencial da mineração que eu trabalhava. E moleque, já viu, quando não tem o que fazer, procura arte.
Foi mais ou menos por essa época. Estiagem, altas temperaturas. Os pequenos da vila deram de brincar ali pelos arredores do acampamento (que estava, literalmente, novinho em ‘folhas’). Numa daquelas traquinagens que não se explica, produziram uma chama na mata rasteira. Aí, já era. A mata alta também ardeu. E o fogo veio em direção a nossa cozinha. Coisa assustadora, o fogo na mata. As chamas vão lá em cima. Árvores explodem. A cortina de fumaça é gigantesca. Conseguimos salvar nossos barracos. Traçamos um aceiro e pusemos fogo ao contrário. Mas foi por um triz que nosso acampamento não foi tragado. Os moleques foram dormir com o couro quente, depois de uma conversa com os pais e eu aprendi que temos que respeitar o poder das chamas.
A peraltice dos meninos, até relevo. Crianças não percebem a maldade das ações. Adulto, sim. Aquele que junta as folhas secas e queima no quintal de casa ou aquele que derruba imensas áreas de florestas e ateia fogo, estão no mesmo patamar de culpa. Maltratam o planeta e lacrimejam meus olhos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A arte de fernando perdigão

"Éramos muito jovens, solitários e ausentes naquele início de junho geladinho lá pelos ermos ocidentais do Brasil. Carentes de um mimo, um agrado, um afago, ‘uma qualquer coisa cândida’ a nos rodear, um brinquedinho desejado para encher de alegria o coração do aniversariante. Mesmo assim, acreditávamos no amor e num futuro feliz."
E lá em Rondônia, entre nós, o mais novo era o Fernando. Hoje,  o bom mineiro esnoba maturidade no traço






quarta-feira, 20 de julho de 2011

crônica remix - dia do amigo


Um risquinho no pé
No início deste ano eu vinha patetando aqui na entrada de casa e nem vi que tinha uma pedra no meio do meu caminho: dei-lhe uma bicuda! Pior, estava de ‘percata’ (para aliviar os pés da pressão de oito horas de trabalho, de botas com biqueira de aço, viro o dia com um calçado aberto) e acabei relando o dedo numa quina afiada da pedra. Entrei em casa me vendo de dor com um golpinho no lado de fora do dedão e apavorado com a quantidade de sangue que jorrava daquele risquinho deixado na minha pele.
Vinícius disse : “eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!”.
Corri para o telefone e logo me apareceram trazendo gaze e água oxigenada, Marcinha e o professor Hélio Santos. Meu compadre José Miguel Alves e a futura mamãe Paula Fernanda pressentiram alguma coisa e, como que combinados, ligaram de Belém, prescrevendo uma receita da antiga: “arnica, passa arnica”.  Minha comadre Cléo entrou no msn, lá do Maranhão, e me sugeriu este novo mertiolate que não colore a pele e nem precisa da vovó pra soprar aquela ardenciazinha pra longe.
Apesar dos cuidados, o golpe não me deu trégua e ficou pulsando como se fosse uma fenda expondo meu coração. Me despertava à noite, aquele latejado agoniado e as minhas manhãs aconteciam sempre antes dos primeiros raios de sol.
Fiquei sem poder calçar as minhas botas e sem poder trabalhar por períodos salteados. E o trabalho, a gente sabe, é uma ação de equipe. Se um componente da turma falha, os outros têm que se virar para cobri-lo. Por essa ocasião, João Edivaldo e Sebastião Araújo não se furtaram a um esforço em dobro para garantir o sucesso do grupo. Elizeu Lobato, Evanildo Nascimento, Sirley Júlio e Cícero Carvalho cuidaram para que a minha falta fosse pouco sentida e Waldeci Lazameth zelava pelo link comigo, na minha peleja fora da fábrica, e quando isso não lhe era possível, delegava à atenciosa filha Patrícia, a missão.
Atinaram para o meu desconforto o Fábio Henrique e a mãe dele, D. Yone que me trouxeram rosas vermelhas e um caribé para alegrar os meus dias e me dar sustância, respectivamente.
E quando os dias eram de fastios e enfados, minha mulher Edna vinha me pegar aqui em Barcarena e me levava a passeios no shopping, para espairecer um pouquinho e desejar as vitrines.
Quando eu vi, já era abril, e resolvi tirar férias, tirar o mato e as pedras da porta da rua e o José Raimundo Vaz me apareceu, na horinha, para aquela força.
Aquilo não podia durar mais, logo comigo que já tinha vencido uma leshimaniose nos ermos densos do rio Xingu. Pô, eu já havia comido toucinho com mais cabelo! Fiz um poema sem rimas e foi então que admiti, ora-ora que, um golpinho daquele, não podia estar querelando o meu soberano caminhar. E contei para esta decisão, com o apoio luxuoso da Dra. Eliza Sena numa sessão de papo cabeça convenientemente subsidiada por um congelador abarrotado de cervejas.
E o risquinho foi desaparecendo de mim, sob a espreita de ilustrados como o Dr. Antonio Carlos, Dra. Ana Cristina, Dr. Francisco Filho, Dr. Pedro Vallinoto (um tipo de anjo que lê a gente) e sob os cuidados de espíritos generosos, como a amiga Amiralda Prado, o Sr. Daryush Khoshneviss, a doce Áthina e as imbricadas barcarenenses Katy & Juci.
Amanhã, no dia do amigo, tenho certeza, que por causa destas pessoas, posso andar descalço pelas praias do Caripy sem sentir absolutamente nada aqui no ladinho do pé. E me maravilhando, graças ao bom Deus, com a extraordinária capacidade que as pessoas têm de surpreender.





sexta-feira, 15 de julho de 2011

crônica da semana - Passeio ecológico

Coisa de dez anos atrás, na época em que eu era dirigente do Sindicato dos Químicos de Barcarena, tive um insight e fiz um projeto de Passeio ecológico no trecho de mata que ligava a Vila dos Cabanos à praia do Caripi (eu era um sindicalista meio doidão, um tanto irado, mas  tinha lá, o meu lado sensível, perscrutador de ‘corações e mentes’).
Este caminho que levava à praia do Caripi tinha mesmo este mix de ‘coração e mente’, de matéria e sentimento. Era conhecido por nós como o ‘furo’ (numa alusão ao segmento de água, muito comum aqui no estuário, que liga dois igarapés). Iniciava nos limites da Vila dos Cabanos, se estendia por 400 metros, aproximadamente, e desembocava na estrada, já bem pertinho da praia. Rola a emoção, quando a gente fala do ‘furo’ porque aquela trilha regeu as aventuras de algumas gerações aqui da Vila. Era o nosso orgulho, vencer os obstáculos naturais dispostos pelo caminho. A garotada se divertia conduzindo as bikes por entre ladeiras escorregadias, raízes expostas, vales suaves, regos e igarapés, e, saindo vitoriosa do outro lado pronta prum mergulho.
O barato era juntar uma turma e ir de bike para o Caripi, ‘pelo furo’, num sábado de manhã. Eu fiz este caminho umas quantas vezes. Da minha casa até a praia, dava no máximo uns 15 minutos pedalando (é bem verdade que na volta eu demorava mais um pouquinho. Depois de umas gegés e um solão no cocuruto, ficava meio azuruote. Mas sempre chegava bem e feliz).
Estas emoções, as gerações que por ali passaram, a animação da garotada; as estripulias de nosotros operários, nos dias de folga; o contato com a mata fria; o pequeno laguinho lamacento que sempre me derrubava da bike; o barranco de pedrinhas vermelhas, logo na saída do furo; a árvore que caiu e que a gente fez um desvio (mais um desafio)...Estes são vieses sentimentais que marcam a nossa memória e a nossa história ‘pelo furo’. Todos, porém, moldados dentro de uma esfera bem elaborada ecologicamente, ambientalmente ordenada, funcionalmente equilibrada, com cada coisa em seu devido lugar.
O objetivo do Passeio ecológico foi ratificar este caráter sentimental, e demonstrar o apreço que nós, moradores da Vila dos Cabanos tínhamos com aquele pequeno trecho de mata. Levamos para o passeio, personagens tradicionais da Vila, usuários do caminho, crianças... Levamos poesia, música, bom humor, um lanchinho, esperança e muita vontade de preservar aquele lugar (levamos saco de lixo e nos dividimos catando os detritos que a gente achava ao longo da caminhada).
Havia uma realidade ‘funcional’ no estirão do ‘furo’. Convidamos professores, educadores, fizemos interações interdisciplinares. Soubemos do caráter histórico da região pelas palavras do professor Hélio Santos; nos encantamos com a plástica e as cores vivas da natureza, através da arte de Cristina Tobias; conhecemos aspectos do solo, a partir das explicações do professor Afonso Rodrigues; herdamos da Engenheira florestal Zilma Patrícia a missão de pronunciarmos nomes como Dioclea virgata, Miconia ciliata burth, Byrsonima aerugo sagot (Mucunã, Maria-pretinha e Muruci-da-mata, respectivamente, algumas das espécies identificadas e catalogadas pela engenheira, naquele passeio).
O Passeio ecológico resultou numa cartilha ilustrada pelo artista cabano Humberto Rodrigues. Achei esta cartilha nas minhas coisas, por esses dias. As espécies, o traçado, o vale suave, as aventuras de sábado, só existem, hoje, na cartilha. Tudo o mais se foi. Professora Sônia Etrusco, que também estava no Passeio, previu o cenário atual em versos dolorosamente verdadeiros: “É um, são dois, são mil/desmatando a floresta/Cadê? Sumiu”.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

crônica remix


Eu disconcordo eu
Esses dias me peguei pensando na missão que temos de salvar o planeta. O aquecimento global tá na porta, a floresta agoniza, os rios estão asfixiados, o céu desaba sobre nós, denso e acinzentado.
A parada é difícil.
Mas não sou daqueles que põe a culpa nos outros. Não vejo na conjuntura a causa de todos os males. Entendo que formamos uma imensa rede de usuários dos bens que o planeta oferece e cada um é responsável pelo seu pedacinho. Reconheço que tudo o que a gente faz no nosso quadradinho vai refletir numa outra escala, vai emergir de forma contundente em outra dimensão. O exemplo disso é o saco de lixo jogado no canal que corta a nossa rua ou a lata de cerveja largada da janela peliculada de um Eco Sport. Estes resíduos, quando enfieirados na história do dia, dão uma dor de cabeça danada. Proporcionam mal estar, desconfortos, alagamentos, constrangimentos.
O nosso pedacinho é importante. Não podemos esquecer que um tantinho aqui vira um tantão acolá. Numa viagem que fiz com a minha turma de Geologia para Bragança, aprendi isso.
No caminho para Ajuruteua, o professor fez uma parada e perguntou à turma o que havia de estranho na paisagem. Já estávamos acompanhando aquela variação durante a viagem. Dava pra perceber que havia uma vegetação contínua, viva, exuberante, do lado direito da estrada. No entanto, do lado esquerdo, o solo era ressequido, empobrecido de vegetação, escuro e silencioso. Aquele cenário indicava que o aterro utilizado havia cortado a irrigação para o flanco esquerdo da estrada e com o passar dos anos, aquela área foi, aos poucos, morrendo.
Depois daquele dia, entendi o quanto o nosso quadradinho é importante. Depois daquele dia, não abro uma valeta no quintal de casa sem pesar as devidas consequências. Somos uma imensa rede! Eu heim, vai que minha valetinha mais tarde, se ajuste direitinho como um fundamento irrefutável para uma das teorias do aquecimento global. Tô na roça!
(Devo dizer que não mais voltei a Ajuruteua, portanto não sei se algum tratamento deu resultado para corrigir aquele problema. Sei que à época, algumas medidas estavam sendo tomadas. Tomara que o trabalho tenha dado certo).
Salvar o planeta é um desafio. Precisamos nos unir. Todos. Principalmente os cardeais da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Necessitamos operacionalizar a nossa comunicação, caso contrário, desabaremos como uma Babel sem charme e sem estilo. Tudo bem que pela reforma ortográfica que tá chegando, já nos livramos da responsabilidade com o trema, mas e dos sedutores falsetes e arremedos da língua falada, quem nos livra?
No sábado, na volta da transladação, um casal se aliviava da fome traçando uns abençoados skilhos no apertado corredor do Pedreira-Condor. De repente o rapaz atravessou o braço à minha frente e defenestrou o saquinho plástico.  Meu filho Argel, indignado, comentou comigo aquele ato selvagem ressaltando que aquilo, além de falta de educação, era desperdício porque o saco estava pela metade. Olhei para o tamanho do camarada e preferi um protesto silencioso. A pequena que estava com ele se manifestou: “credo, fulano, eu disconcordo eu, disso. Jogar lixo na rua!”. Falou gritando porque o celular dele tava no último volume com um tecnobrega dos mais indigestos. E ele, categoricamente, retrucou: “deixa de nóia. Amanhã os pessoal da prefeitura venho e varru”.
Eu entendi o que o rapaz falou. Isto quer dizer que os linguistas estão certos, mas me inquieta a constatação de que, sem o trema em ‘linguistas’, salvar o planeta, definitivamente, vai ser uma parada duríssima.

sábado, 9 de julho de 2011

Crônica da semana

Minha pedra é ametista
Domingo desses, na viagem aqui de Barcarena para Belém, desci no Ver-o-Peso, tracei um completo de coxinha de frango com suco de cupu, numa das barracas de lanche e fui dar um rolé pela feira (cedinho assim do dia é muito bacana aquele lugar. Rola o orgulho da diversidade ribeirinha ali em cores, sabores, odores. Na prosa e no jeito). E eis que, como por encanto, fui bater no corredor das erveiras. Naquela hora, lembrei que no meu aniversário pedi a amigos próximos, de presente, uma coleção daqueles vidrinhos com essências coloridas que são vendidos ali (como souvenires ou para precisão mesmo). Ninguém se abalou pra me aviar o gosto (o shopping, o shopping...nos afasta das tradições e nos reprime os desejos). E fiquei só na vontade. Em ali estando, não contei conversa. Eu mesmo me presenteei. Escolhi uma fieira sortida, pedi (ao erveiro!) um desconto e mandei embrulhar aquela ruma de simpáticos vidrinhos cujas essências mostravam-se em pigmentos variados, em volatizações agradáveis, e cada uma, com o seu cada qual: Talismã do emprego, Abre caminho, Atrativo da fortuna, Dama da noite, Dinheiro em penca, Faz querer quem não me quer, Afasta olho gordo, Chama homem, Talismã da felicidade, Chama mulher, Pega e não me larga, Talismã da sorte, Chora nos meus pés, Amansa corno, Carrapatinho, Chega-te a mim, Atrativo chama dinheiro...
Arrematei um feixe completo, não porque eu estivesse com urgentes necessidades, na pira, né. Era o meu presente. Tava a fim. E o certo é que gosto das histórias que as essências contam, me aprazem os dizeres, as cores fortes com que os extratos se apresentam. Competem, também, para a minha atenção aos produtos, as mensagens e intenções, sempre boas. Até o Amansa corno é uma essência de paz. Prega a resignação e o deixa pra lá (pra que estresse, já?).
Importa também saber que estou feliz. Pendurei a correntinha num cantinho da sala (meio que reproduzindo a disposição nas barracas lá do veropa) e fico apreciando aquele espetáculo matizado pendendo no vazio da parede. De vez em vez vou lá dar uma chacoalhadinha para energizar (e também pra provocar um contato animado entre os frascos, porque me é assaz agradável aquele barulhinho acanhado de vidrinhos atritando uns com os outros. Coisa minha, sabe, barato que não se explica).
Aí, passou, passou... e vi na TV que vai ter um remake da novela O Astro. A música-tema da novela (‘Bijuterias’, do João Bosco) logo me chamou a atenção e me lembrou das minhas manias.
A minha pedra também é a ametista. É uma pedra requintada, tem valor no comércio de gemas, enfeita colares, anéis e jóias finas. Não é, porém, feição que me agrada, a pedra lapidada. Prefiro a forma bruta. Aquela que traz os segredos e a simetria da criação. Tenho alguns exemplares aqui em casa. Cristais de lilases modestos (os mais agressivos, os mais intensos são ferrenhamente disputados pelo mercado), mas de brilho suficiente para me seduzir. A pedra exerce um fascínio milenar sobre os homens. Há uma crença de que ela ajuda a promover a paz e a acalmar o espírito. O brilho lilás da pedra é tido como anteparo para males e pensamento negativos (quanto mais afasta as maldades, mais fraquinho vai ficando o lilás).
Tenho meus tiques, mas dizque, não sou supersticioso. Procuro sustentar que minha inclinação para estas linhagens de talismã se dá pelo fator estético, pelos atrativos sensoriais (envolve cores, formas, simetrias, sons cheirosinhos...). Mesmo porque, não obstante, o lilás da ametista impressione, a minha cor preferida é o amarelo do citrino.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Impressionante


Tantos anos, convites e nada de calhar d’eu ir passar uns dias em Algodoal.
Este ano, desamarrei o quebranto. Venci a idéia pré-concebida (e falsa) de que era um lugar longe; rolei por cima da preguicinha que me leva somente até ali no Caripi (e muito de repentemente); desfiz o pavor que reinava dentro de mim só de pensar na travessia; juntei a família e aprumei no rumo de Maiandeua.
Algodoal é, incontestavelmente, o que dizem. Tudo o que eu ouvira falar sobre a ilha é verdade.
Logo na primeira investida pelas areias da praia da Princesa decidi delegar todos e quaisquer prazeres mais custosos para os meninos. Não por nada, mas a lógica me impunha a consciência de que, assim, aproveitariam do caráter lúdico da aventura, e com o vigor da adolescência, seria muito mais fácil para eles, escalar o sotavento das dunas ou atravessar a ponta da praia por sobre as pedras ou mesmo explorar o caminho que leva ao lago de água doce. Eu me conformaria em tirar as fotos e ficar de molho (depois da hercúlea missão de cruzar o percurso de areia fofa) nas águas achocolatadas do lago da Princesa. Sem nenhum ressentimento ou frustração. Os filhos não são um pedaço da gente? Pois é, se eles estão felizes, estou também. Se exultaram com tantas emoções na caminhada até o lago da Princesa, também transbordei de alegria (com a vantagem de não ter sofrido um piripaque ou ter chegado na baba, soltando os bofes, um risco admissível, se eu me entusiasmasse e me abalasse às extravagâncias sob aquele impiedoso sol do meio-dia. Eu, heim, a aventura para mim é vigiada de perto pela prudência, por isso, claro, peguei um atalho e enquanto os meninos fururucavam subindo e descendo as dunas, eu, ó, só na manha: cheguei inteiraço).
Algodoal não se eleva somente pelas belezas naturais. A riqueza de seu povo é também de inestimável valor.
(Não conhecia o Chico Braga. Mas os mitos não se subjugam, não se dobram às formalidades. São, simplesmente. E foi assim que reconheci naquele homem sentado na calçada de um bar, improvisando refrões, a magia de Chico Braga. Uma pessoa especial. Fiquei um tempo a observá-lo. Encantado... Me senti tão pequeno, naquela hora...).
Na véspera de vir embora, a noite nos brindou com um feixe de meteoros cruzando o céu, a lua crescente prateou o horizonte e uma voz ao longe aninhou-se confortavelmente aos acordes de Wish You Were Here. Na praia, cada um curtindo o seu barato.
Algodoal é palco de grandes inspiraçãos, insights, explorações nas profundezas do ser. No caminho para o lago, paramos para apreciar uma espécie de celebração. Algumas pessoas já se juntavam em torno de um rapaz.
- sabe o que mais me impressiona aqui em Algodoal? – dizia ele com olhar contemplativo. Uma ansiedade tomou conta da gente. Um belo poema deveria brotar daquele êxtase. Uma canção. Uma profecia... Ele abraçava-se aos pés de ajiru, rolava a barlavento, nas dunas, erguia os braços, messiânico, para o infinito. O rosto concentrado, uma fervorosa fé abrigada naquele semblante.
- sabe o que mais me impressiona aqui em Algodoal? É que aqui, é tudo muito...muito... – As pessoas entreolhavam-se ansiosas. Poderia ser ele um biólogo? Será que um daqueles arbustos que margeiam o caminho do lago não tem o princípio ativo para a cura do câncer? Esperanças revelavam-se nos olhares...
- É que aqui é tudo muito, muito, muito... Impressionante – Pronunciou “impressionante” com tanta energia que perdigotos múltiplos saltaram dos seus lábios umedecidos. E nada mais foi dito. A seguir, verifiquei o rumo na bússola e segui meu caminho para o lago, só na manha.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Eu queria ser ator


A arte de Larissa Costa, num clique de Adalberto Jr.
Queria ser Sons de peito aberto. Gestos em punhos decididos. Segredos pelo canto da boca. Expressões verdadeiras a altura dos olhos/Eu queria sentir o gosto frio do falso beijo.
Não ser triste e chorar/Revelar-me na fotoquímica das telas e sorrir sem ser alegre/Eu queria ser feliz. Ser ator/Eu queria desnudar-me sobre o tablado diante da Intimidade da platéia/Eu queria ser emocionante. Risível. Medonho. Asqueroso/Eu queria ser ardiloso na penumbra de uma trama maligna e inocente, na singeleza de um doce romance/Eu queria viver a vida de todos os homens-mulheres em mim/ E não ser ninguém/Não ser nenhum personagem./Ser feliz. Ser ator/Eu queria morrer dramaticamente Para a multidão/E viver Serenamente em mim/Eu queria, na vida real, ser ator.
Sim, eu queria”.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Crônica da semana

Salve, ó terra, de rios gigantes!
Eis que vou dissertar sobre a polêmica da hora que versa pela divisão do Pará. Não é a minha praia, tentar convencer ninguém. Minha prosa é outra. Mas, como diz o crítico literário Antônio Cândido, a crônica deve ser “inspirada na experiência coletiva”. Dá-se então, que se eu não encarar esta discussão, tô fora do tempo. Do cronos. Sou um escrevinhador anacrônico.
Na minha opinião, historicamente e culturalmente somos o povo da planície. O Pará tem a alma irrigada pelos alagados do rio Amazonas e isso dá uma liga geográfica fortíssima às gentes do vale. Gera afinidades. É só olhar na ilharga. Sempre temos por perto um primo de Juruti, um amigo de Óbidos, um poeta-cantor de Santarém, um amor de Alenquer, um bem-querer ligeirinho de Breves, um professor de Afuá, um artista de Chaves, um doutor de Cametá. Não é mesmo, parente? Os tambores do carimbó e o remelexo da morena faceira marcam a sonoridade e a sensualidade da calha do grande rio. Temos cá na planície, um jeito, falamos a mesma língua, como então, já, pequeno, cria termo.
Taí, se fosse pra dividir de vera, por mim, faria uma mira bem no meião do rio e completava meu Estado adicionando uma beirada daqui, outra dali, do Amazonas. Traçava um limite em cada margem, subindo só um tantinho o cerqueiro, só até as primeiras quedas d’água. Teríamos um Estado pequeninho, mas salvaguardaríamos a nossa intimidade cabocla e seríamos uma nesguinha de terra molhada pra lá de simpática. A parte de cima, (ao pegado de Tumucumaque) e a de baixo (os cobiçados campos mineiros) poderiam ficar para os ávidos requisitantes e enfáticos interessados (embora eu duvide muito que alguém se exaspere em interesse pelos ermos do Tumucumaque). Outras versões para a divisão do Estado, que não seja esta minha impetuosa e passional, a mim, me são profundamente dolorosas. Ai de mim se me apartarem do ‘romance, da mais linda canção, de uma história de amor nascida do coração’ que tenho com a Pérola do Tapajós. Mas, axi, estezinho, me erre.
A proposta que vinga, entretanto, pretende fatiar o Pará em três e fica bem distante da minha umedecida proposição. As correntes pró-divisão evocam a questão espacial. Apontam as dimensões do Estado, como um entrave ao desenvolvimento. Quanto a este argumento, tenho dois dedos de prosa: em princípio, acho que ele bate de frente com o espírito ufanista do povo brasileiro. É cultural. Nos apraz ser grandes em tudo (“salve ó terra, de rios gigantes”). E só pra lembrar: o Brasil é um teba d’um país. Penso que sobre este aspecto da envergadura, a questão não é espacial. É Moral. Pulverizar o Estado é fugir das ‘grandes’ responsabilidades. E sabemos hoje, pelas pregações do Professor Vicente Falconi que, gerenciar, quer dizer resolver problemas, e não fugir deles. Se o território impõe desafios, isso é motivo para usar a criatividade. Uma razão para operar responsavelmente os recursos e instituir a sustentabilidade moral da coisa pública. É hora d’o gestor firmar-se como competente e inovador. Sem medo das savanas solitárias e nem das altas altitudes da serra do Tumucumaque.
O senso comum aponta outros motivos para a divisão. De prima a gente pensa em outras estruturas políticas, administrativas; outros palácios de governo, legiões de vereadores, irmandades de deputados, aspones, assessores...Outras ‘Alepas’. Fico com o senso comum e coloco logo a pulga atrás da orelha.
Ademais, tenho a impressão de que reduzir território não significa automaticamente produzir desenvolvimento. Temos exemplos aqui no Brasil, de Estados gititos que estão na pira, ora já.