O caminho é caminhar
Naquele
início dos anos 80, eu era meio apatetado, alienado, desconectado da
profundidade dos dias. A culpa nem era minha. A vida era assim mesmo, tocada a
silêncios.
Não
abstraía, não intuía, não questionava e nem elucubrava. Tinha as restrições no
pensar e no falar comuns aos rebentos do regime de exceção.
Até
que um dia entrei no movimento jovem da Escola Salesiana do Trabalho. A Escola
mudou minha vida.
Foi
um choque. O mundo, ou pelo menos aquele mundo de jovens cristãos mostrou-se
para mim em outras e novas faces. Ingressei num ambiente que me proporcionou
formular e conhecer conceitos; me aproximar de valores até então distantes;
criar e renovar rumos na minha caminhada.
E
o nome do movimento era exatamente ‘Caminhada’. Fazia parte do trabalho
pastoral da Escola, com atenção especial aos jovens.
Aí
tá, né.
O
‘movimento’ fazia reuniões semanais, onde eram discutidos temas variados sempre
sob a ótica cristã. Mas no final do mês, o grupo fazia uma reunião especial
conhecida como ‘Parada’. Pensava-se que a ‘Parada’, ao contrário do calendário
rotineiro, era o momento de maior participação. Buscava-se atingir o máximo de
‘caminheiros’. Apostava-se na divulgação, na valorização dos assuntos pautados,
na recreação. Normalmente, havia um convidado, um palestrante especialista, de
fora, para desenvolver um tema mais quente.
E
foi nessa ‘Parada’, que percebi que no meu mundo da Pedreira, Sacramenta, no
meu subúrbio, existiam jovens bem diferentes. Se eu fosse simplificar a minha
impressão naquele momento, diria que achava aqueles jovens ‘inteligentes’. E
afirmo que a partir dali, vislumbrei a possibilidade de ser também
‘inteligente’ igual a eles. Bateu uma ambiçãozinha do bem.
A referência
para que eu me entusiasmasse, o exemplo de inteligência, liderança, vivência,
me foi dado pela Tânia. Ela, naquele dia, prata da casa, dispensou um convidado
externo e assumiu o tema (quente) da ‘Parada’. Fiquei besta de ver a Tânia falar
com tanta propriedade, com tanta segurança, dominando a técnica da comunicação,
chamando a atenção, cativando os assistentes. Pensei cá comigo: “por que não
sou assim, como a Tânia? Temos ali, ali a mesma idade, moramos na periferia,
ela é pequenina que nem eu, deve estar no segundo grau também...”
Mirei
em Tânia. E daquele dia em diante, persegui ter aquela articulação, aquela
desenvoltura, aquela convicção...
O
movimento ‘Caminhada’ era afinado na iniciativa da igreja católica à época, de
formar lideranças. A metodologia era aquela empregada largamente nos ‘TLCs’ (Treinamento
de lideranças Cristãs).
Com
o tempo, fui conhecendo outros líderes, no movimento, tão valorosos quanto a
Tânia. Eu mesmo, depois de um tempo, vivenciei meu TLC. Não sei se com tanta
competência.
Sei
que a minha vida de menino meio apatetado virou e disparou naquela ‘Parada’. E
Tânia caminheira, hoje grande educadora, talvez não saiba disso, mas foi a
primeira responsável pela minha caminhada até aqui e por alguma elucubração que
ainda teimo em fazer sobre a profundidade dos dias.