segunda-feira, 28 de novembro de 2011

10.000

Por falar em biqueira,  
o blog tá na biqueira de completar 10.000 visitas
é certo que vão dizer (e já ouvi isso) que tem gente que entra mais de uma vez, que o próprio autor vive acessando e coisa-e-loisa-maripoisa
Tá certo, tá certo
Não esqueçamos, porém, que o blog é dedicado à Literatura e outras artes
e a gente sabe como é o Brasil pra essas coisas.
Valeu então pela companhia de todos os que abelhudam por cá
Como escritor só tem malemale sua obra
o décimo milésimo visitante vai ganhar um livro de presente
Para isso, basta acusar-se como visitante 10.000 e dizer como posso entregar a prenda. Beijão a todos e fiquem na paz.

sábado, 26 de novembro de 2011

Crônica da semana- o louco do

O louco do Xingu
Eu fiquei impressionado com a arrumação do atleta doidão que desceu uma cachoeira de 30 metros num caiaque. Pai d’égua! É o meu sonho fazer uma peraltice dessas (em contrapartida, quem deve ter torcido o nariz para a presepada do canoísta foi o meu amigo David Correia, um crítico contumaz dessas aventuras radicais. Até imagino o comentário que ele fez: “são uns desocupados”).
A verdade é que as cachoeiras, pela beleza que exibem, exercem um fascínio sobre uma pá de gente. Nas artes e na vida. Num dos rituais realizados pelos índios Gaurani, no filme “A Missão”, o diretor Roland Joffé  elabora uma alegoria fatalista rodando uma cena com um corpo despencando de uma caudalosa cachoeira. Usa também esta poderosa queda d’água como uma barreira geográfica na defesa das missões jesuítas. Deste mesmo argumento limitador, a literatura histórica também se nutre. Ao descrever os processos que resultaram na construção da ‘Ferrovia do Diabo’, o pesquisador Manoel Rodrigues Ferreira introduz a narrativa apresentando as cachoeiras dos rios Madeira e Mamoré. E vai além: faz um mapa registrando os acidentes da bacia amazônica, tanto de uma margem, quanto de outra.
É aí que entra o Xingu.
A razão do historiador traçar os contornos da bacia é que os rios, a partir de um certo ponto começam a subir o terreno, encachoeirar e a dificultar a navegabilidade. E este era o grande motivo para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, evitar a fúria das corredeiras.
O Xingu, não foge à regra. Nas proximidades da foz, é largo, canal único, navegável, corre sobre leito rebaixado e sofre a influência, mesmo que acanhada, da maré (na travessia de Belo Monte a gente percebe esta dinâmica do sobe-desce diário das águas). Agora, mais adiante, subindo um pouquinho e já adentrando à volta grande, o bicho pega. Neste ponto o Xingu sai de cotas próximas de 10m para elevações acima de 100, ou seja, dá um salto. É o início das cachoeiras, e barco, já era. Até Altamira, este trecho é denominado de Volta Grande (e é mesmo. O Xingu tem uma direção constante até Altamira, mas quando chega na cidade, o rio dá uma guinada drástica num arco de aproximadamente 180 graus que se desfaz lá em Belo Monte). O curioso neste trecho é que, mesmo realizando em grande escala, uma curva, o leito do rio, numa escala menor, se desenha em segmentos primorosamente retos e intensamente recortados em ângulos próximos de 90 graus. Em derivações certinhas, dotadas de grande energia, sobre o leito de rocha cristalina (este cenário para uns meninos que eu conheço, é mamão com mel. É o beabá da Geologia Estrutural).
Eu estive numa dessas cachoeiras, mas a patetice e as intempéries fotoquímicas me impedem de provar com fotos minha aventura. As lembranças estão só no cocuruto. Foi na localidade de Juruá, acima de Belo Monte. O Xingu ali é uma provação. Verte em 70m de canal toda água que corre acima numa largura de mais de um quilômetro. Por aí a gente tira a pancada. Essa é uma cachoeira braba. De dar medo. Acima dela, vêm as interligações retas. Na maior delas, outra cachoeira. Ali, as exposições de inscrições rupestres. Mas ora, se não fui lá. Desci na praia, fui me ajeitando e vi os hieróglifos misteriosos, as mensagens que nossos ancestrais deixaram. Não resisti. Fui me equilibrando embaixo da cortina de água alvoroçada, e me postei herói, sobre um lajeiro. Meu companheiro de aventura clicou com a minha Olimpus Tripp, um dos momentos mais eternos da minha vida. Não foi assim, coisa de louco do caiaque, né...A foto já era, mas acreditem em mim. Era um deslumbrante mundo de água, pedra e segredos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Crônica remix- Ribba

Um açude nos olhos
Agora no início de agosto, ganhei uma pasta com um monte de músicas legais. Tem Mônica Salmaso cantando Chico, tem Sérgio Sampaio botando pra ferver com ‘o bloco’ e ao mesmo tempo implorando para ser pregado na cruz, tem o Itamar Assunção e Naná Vasconcelos repercutindo a bossa concretista paulistana. Tô alegrinho com o meu novo arquivo de músicas, algo como um rico presente pelo dia dos pais. Já gravei as canções no meu MP3 e por onde ando, vou ouvindo as minhas joinhas. Tão belas e tão esquecidas as canções...
No arquivo encontrei uma sedutora fieira de canções paraenses também. Uma das mais belas começa assim com este inquietante verso “trago nos olhos o açude de Orós”. Esta volumosa verdade, esta confissão desbragada, despudorada, úmida e impetuosa é uma criação de Ribba, para mim, uma das personalidades mais autênticas da produção cultural paraense.

Como bom maranhense, Ribba é Ribamar. Menino (ironicamente) ilimitado pelas estivas incertas da Sacramenta, Ribba desafiou o conformismo e revelou-se bem cedo para as artes (como me relatou certa vez a professora Lindalva, querida e eterna diretora da Escola Salesiana do Trabalho). Era uma mente diferenciada. Enquanto lutava para alcançar as órbitas inalcançáveis que a bola fazia na brincadeira européia do spiribol, Ribba se juntava a Antônio Francisco pelos caminhos que se entrecruzavam no escuro do ‘beco do Gentil’ e compensava a dura realidade suburbana com uma múltipla, invejável produção artística que ia do teatro às artes plásticas. Esta combinação de talentos resultaria, no início dos anos 80 no fulgor do Grupo Hera da Terra e no espraiamento de uma consciência ética, poética, revolucionária, utópica e sonhadora pelos arrabaldes alagados. E com tal força e magnitude que me arrebatou da minha cômoda posição de centro avante do Internacional da Mauriti, me fez cruzar a (até hoje indefinida) fronteira da Pedreira com a Sacramenta e me levou a memoráveis celebrações etílico-musicais lá na Primeiro de Setembro, eu ainda um bebê iniciando o primeiro e inesquecível semestre na Escola Técnica sob a égide provedora de Cláudio Barradas.  
Reencontrei Ribba nestes versos. Saí à procura de novidades e dei com uma obra recente do artista plástico (aquele de quem a diretora Lindalva falava), de um traçado restaurador. Dei com a estética embrionária, primordial querendo, querendo... Experimentando o grafismo...Com sementes...Como se fosse um recém chegado... 
Pelas mãos de Ribba, o nascer poético amazônico se produz discreto, disciplinado, ordenado no ir e vir do traçado primitivo. 

Conformado com a pouca luz.
Poesia visual, memórias rupestres, origens...
Estes são os condimentos que Ribamar Araújo mistura às suas tintas. Em sua obra, são os inefáveis pigmentos, aqueles invisíveis, intrínsecos da alma, que revelam a vida, ou “a ânsia da vida por si mesma”.
Até a grande explosão.
Até a grande erupção que se impõe jorrando florestas, sementes multiéticas saturadas de “ânsias”.
Ribamar Araújo redescobre esta explosão de vida profanando o silêncio primitivo, maculando o traçado ortogonal, esnobando o espaço obtuso e revelando uma textura densa, caótica, explodida, escondida na fertilidade das angiospermas.
Porém, luminosa, contraditória.
As sementes de Ribamar Araújo buscam sempre a luz (não são cheias de ânsia?). Flutuam sobre um manto ancestral expresso no grafismo fosco do artista, mas revolucionam, convulsionam o espaço com seu brilho.
Querem, enfim, poeticamente, nascer.
Como naqueles tempos né, Ribba, pelos alagados da Sacramenta (ou como agora, pelo alagado dos olhos).    

terça-feira, 22 de novembro de 2011

coisas que Briela faz

Raio râyne baby

parece uma pintura, nessa tela e
fotografia
só parece porque pelas bençãos dos céus
ela é real
e tanto, que
ela veio asim:
negra índia cabloca
nortista amazônida
mulher
guerreira - com flores no cabelo
menina
doce - com urucum na maçã do rosto

mas parece uma miragem
uma tela
uma paisagem
uma pintura
é real
e inspira além desses versos
o gosto pela luta
dos dias melhores
a graça da farra do sorriso grato
à vida
por ser real sua beleza
por se forte, sua natureza
ela tem flores no cabelo, urucum na maçã do rosto
e olhar pr'além do horizonte

é tão real, que ñ podiam deixar de brincar com ela
como brincaram os Céus, qdo nos fez a todos aqui - brasileiros
E ja na certidão acharam bonito tirar onda com ela
e não bastasse ser mulher índia cabocla da pele preta
É Rayneia, o nome dela.
É lindona ela, lindo é o nome dela.


(Briela Salgado)

domingo, 20 de novembro de 2011

crônica da semana - o nome da

O nome da rosa
Agora, na modernidade, meu escritor preferido é o Luís Fernando Veríssimo. É certo que outros monstros da literatura me assombram, mas, o Veríssimo é, como posso dizer..mais ao pegado, feito vizinho de porta, xícara de açúcar, punhado de farinha, telhado platibanda. Com ele aprendo coisas complexas de modo muito simples. A natureza das coisas, dos termos, que por outras vias necessitariam de uns dois diplomas para compreendê-los, com o Veríssimo, é no trisca, assim de repente.
Tem uma crônica dele que não esqueço jamais. Reflete o grau de serventia que o filho do Érico Veríssimo pode assumir na vida da gente. Ele tira uma onda com o verbo ‘defenestrar’. No texto, o escritor gaúcho revela o significado do verbo. Explica que o verbo quer dizer jogar algo ou alguém pela janela e expõe algumas circunscrições para o ato. Não é desfazer-se de qualquer coisa, simplesmente. O arremesso tem que ser, necessariamente, pela janela. Uma bolinha de papel, sim; um sonho, sim; um cara chato, sim. Mas tem que ser pela janela (e eu pondero apenas que, excetuando-se o sonho, embora consoantes com a gramática, todos os outros lances são práticas ambientais condenáveis; penso que o verbo defenestrar, agora pelos nosso dias, para o bem do planeta, deve representar uma ação exclusivamente abstrata).
Nos últimos anos, o termo vem designando baixas nos variados estratos do poder. A grande imprensa assumiu esta conotação e adora noticiar que ‘fulano de tal foi defenestrado do cargo’ (fico imaginando um ‘empalitado’, com desesperados olhos de Frajola, despencando das janelas inglórias da política). 
Só pra gente perceber o cenário, o campo minado em que o Veríssimo se meteu, essa coisa da palavra, das designações, do significado, do significante e do realce, vem da Grécia. São vielas intrincadas, ramificadas da língua, que formam as partes do discurso ou, para o terror da garotada, integram as tais das classes de palavras.
Riobaldo, o sábio personagem de Guimarães Rosa espreita esta ordem de colocação e percebe: “muita coisa importante falta nome”.
Mesmo com a inventividade dos gregos, com o humor criativo do Veríssimo, com a versatilidade funcional engendrada pela grande imprensa, há ainda coisas que não fazem parte do discurso. Dentro do grande baú que guarda o nosso vocabulário, ainda há coisas sem identidade (atos, substâncias, fenômenos). A internet taí mesmo, carecendo de dizeres significativos.
Mas antes do mundo virtual, alguns aperreios já me consumiam. Por exemplo: ainda me bato com a ausência de uma palavra que signifique “pegar algo ou alguma coisa do chão”. Andei aí, de tocaia, assuntando. Vi que a gente recorre ao verbo ‘juntar’ (ou ajuntar). É só cair o pão (com a manteiga pra baixo, caso este incidente hipotético ocorra num cenário de classe econômica menos favorecida), que a mãe dá o carão e ordena “anda menino, ajunta, limpa no short e come. Pensa que é assim, é , do derruba!”
E assim por em adiante. Quando a gente quer pegar alguma coisa do chão, acode-se aos empréstimos dos significantes verbais ‘juntar’ ou ‘ajuntar’. Só que, nos dicionários que consultei, estes verbos são dados como expressões de união, de reunião, agrupamento. Não fazem nenhuma menção, não dizem nada sobre a urgência de recuperar o pão que cai com a manteiga para baixo (até que achei, na internet, algum coisa no sentido que a gente conhece, este mesmo de pegar do chão, mas é visto como um regionalismo português, coisa de padaria d’além mar).
Tempos modernos... ora, ora...Ora, pois pois... é hora de dar nomes às rosas.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

crônica remix-alma não

Alma não tem cor (ou Axé, vovozinho do Triássico)

Neste ano tenho me batido com algumas provações. Meus ‘amigos se foram com pálidos sonhos e restos de amor’, a economia mundial submergiu às profundezas abissais das incertezas, meu computador bugueou umas quantas e dramáticas vezes, cortaram a minha água, minha pressão subiu, minhas esperanças declinaram...Vai-te! Tenho encarado umas pegadas que têm me dado uma canseira! Coisa pra Jonas, sabe aquele da baleia? Minha paciência, que por vezes me abandona (mas, graças ao bom pai sempre volta) tem sido o meu bastião de integridade. E haja paciência.
No meio deste turbilhão, me veio não sei de onde, a tranqüilidade para dar uma parada, para dar uma avaliada na vida. Fazer uma reflexão mais ou menos como fez aquele personagem do Vargas Llosa em Conversa na Catedral. Quis localizar no tempo, uma causa para estes reveses inesperados, superáveis, diga-se, mas complicadinhos de se varar, reconheço.
Aí vem logo aquela coisa, né, da personalidade. ‘Colhemos aquilo que semeamos’. Apresentam-se vaticínios e conformismo. Mas sou racional. Faço estas introspecções sempre com um olho no peixe e outro no gato. Prego uma realidade rés-ao-chão, sem muito floreado.
E eis que me vi como um sujeito normal. Moldado por incontáveis defeitos, umas raras qualidades, atento à boa vontade, crente nos princípios que consideram sempre a urgência e a onipresença dos conceitos de justiça e lealdade.
Valeu a varredura na alma porque descobri que, das coisas que de mim se aproveitam, o assentimento às diversidades se apresenta como um dos meus maiores créditos. Não tenho preconceito de io ou de chio. Principalmente de cor. Não tenho nada contra os brancos.
Mesmo porque além desta fachada que exibimos como um pacote composto de umas células algo versáteis, muita água e um sorriso cálcico, acho que nós, os seres humanos, nos adiantamos um pouquinho. Vamos à alma. E ‘alma não tem cor’.
Por outro lado, sei que muitos pensam que este pacote orgânico pode alterar as relações e admitem a superioridade de um indivíduo sobre o outro por causa da cor da pele. Lembro que somos ramos da mesma cepa.
Formamos uma comunidade de mamíferos que se caracteriza pela desenvoltura bipedal, pela presença do tele-encéfalo desenvolvido e pela sagacidade motora do polegar opositor. Mas somos, no frigir dos ovos, mamíferos. Ricos, pobres. Pretos, brancos. Mulheres, homens...Somos todos descendentes da ‘ânsia da vida por si mesma’ (eita frasezinha que me persegue, esta do Gibran, tão atual, tão profunda...Evolucionista...). Este sapiens que conhecemos, que inventou tudo o que tem de bom neste mundo, temperado pela alma (e pelo polegar opositor, observo), refinado pelo sopro da sabedoria, não é nada mais que uma variação temporal de um bichinho que lá na mais remota história da Terra, venceu o poderio desmedido dos dinossauros e se firmou como uma espécie extraordinariamente capaz de sobreviver e de gerar primos engalanados e metidões como nosotros. Somos um produto elaborado de um ratinho chamado Morganucodon, um nome pomposo, como requer a taxonomia, mas que aqui entre nós pode ser chamado simplesmente de ‘o ratinho do Triássico’, numa educada alusão a sua longevidade.
De lá, do alvorecer da vida, herdamos esta indispensável capacidade de lutar por cada dia, apesar das agressões naturais, dos répteis modernos, das provações (dessas que a gente experimenta num ano bissexto), do preconceito e da brutalidade de Domingos Jorge Velho. E ganhamos também, mais tarde, a confortante certeza elaborada pelo tele-encéfalo de que a alma não tem cor.
Axé.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

crônica remix -neide


Cadê a Neide Aparecida?
A Neide Aparecida era do tempo da Rural e do Aero-Willis. Do tempo do óleo Jaçanã e do pão e meio. A Neide Aparecida é da época de antigamente quando chamávamos band-aid de planticure e zíper de fecho-ecler. A moça era de um tempo em que o bairro do Sousa era longe pacas e que a gente falava “égua, tá ralado”, e ainda falava “é longe pacas”.
A Neide Aparecida, confesso, não me traz de volta nananina de sentimentos ingênuos ou infantis e olhe lá, olhe lá, muito pelo contrário, ainda hoje reino com a lembrança provocante da pequena de mini-saia atentando o Clementino pelos corredores do edifício Balança Mas não Cai na telinha em preto e branco daqueles anos distantes.
Enquanto a Neide serpenteava tentadora de espanador na mão pela alegria do Balança...a minha patota varava os quintais pródigos de cajueiros e do rasteiro camapu nas manhãs da Marquês com a Lomas, aquietava-se um pedacinho depois do almoço e mais com um pouco,  se danava a espalmar a mão sob o lodo esverdeado a cata do balulusca ou da colombiana no jogo de peteca da tarde. E à noitinha, se ajeitava pelas janelas de vizinhos para acompanhar as tesouras voadoras fantásticas do Ted Boy Marino, no telequete Montila.
A sedução de Neide se espraiava por um tempo em que os saqueiros ainda não haviam sido tragados pela reestruturação produtiva e os sacos de cimento usados garantiam o desenvolvimento sustentável. Um tempo em que a laranjinha era a da Gelar e o lacre era cortado com a ‘gilé’. Um tempo em que a gente pagava em dia  as prestações do carnê da R. Mendonça. Do tempo em que grassavam entre as mãos da molecada fortunas em carteiras de cigarro conquistadas no palmo resultante do choque de moedas contra a parede. E éramos todos ricos com o orgulho de, ao mesmo tempo, enriquecermos a base de foscas e populares notas de Gaivota ou de brilhantes e  laminadas notas do aristocrático Hilton ou Albany (aquele com filtro de carvão ativado).
Era assim: enquanto no talho do Manduca, na feira da Pedreira o quilo e meio de Pá só com o osso da peça era embrulhado nas folhas de guarumã, a Neide Aparecida despertava, precocemente, a libido imberbe dos meninos de família.
A personagem que a Neide Aparecida interpretava no “Balança...”, atazanava a vida do faxineiro Clementino. Era uma secretária boazuda, em trajes mínimos, que se insinuava para o pobre Clementino, que de bobo e desatento, não percebia o real interesse da moça. Esta lerdeza do faxineiro se reproduzia no bordão “xiiiiiii, como é boa esta secretária, ah se ela me desse bola”. Cai o pano e o Clementido passa batido como sempre: não traça ninguém.
E como era boa aquela secretária dos tempos pueris da Chulipa e do Kichute!
O Tutuca, que interpretava o incauto faxineiro, eu ainda o vejo zorrando, pelas esquetes do Zorra Total..., mas e a Neide, inspiração para as primeiras e maravilhosas sensações que se anunciavam a peso de muitos ‘arrupios’ e chiliquitos para mim e para os outros da patota. Mas e a Neide Aparecida. Cadê a Neide Aparecida?

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Conto da Danny

Garoto do café

Estava voltando do trabalho em uma sexta-feira comum. O entardecer estava frio e resolvi parar em uma cafeteria que ficava no caminho de casa. O engraçado é que eu passo por ali todos os dias e nunca tinha reparado nesse lugar tão bonitinho e aconchegante. A música do ambiente era Belle & Sebastian o que me cativou mais ainda e fiquei feliz porque o cara do balcão, que acabara de acenar para mim, gostava desse tipo de música. Estava atolada de trabalhos extras dentro da minha bolsa Louis Vitton vintage comprada em um brechó de Londres. Tirei da bolsa o livro que estava lendo “Mensagem” do Fernando Pessoa, o moleskine, uma caneta e comecei a ler, parando apenas para fazer pequenas anotações. O balconista resolveu trabalhar e veio me perguntar o que eu desejava. “Um cappuccino com canela, por favor”, respondi, mas ele ficou estático ao lado da minha mesa como se estivesse hipnotizado. “Um cappuccino com canela, por favor” repeti. E como se saísse do transe, o rapaz se afastou e voltou para o balcão. Depois disso, todas as vezes que tirava os olhos do livro, olhava para o balcão a fim de descobrir o motivo da demora do meu pedido, cruzávamos os olhares, eu e o garoto. Fiquei incomodada. Não gosto que pessoas desconhecidas fiquem me olhando muito atentamente.
Um cara alto de cabelos grisalhos entrou na cafeteria. Acompanhada de um cigarro amigo, sentou-se à mesa ao lado da minha. O cheiro de tabaco exalava por todo o lugar. Ele me cumprimentou e eu sorri de modo murcho, voltando minha atenção para a leitura. Estava cheia de trabalho e sem a mínima paciência para homens (depois do último babaca). Comecei a achar que o balconista tinha ido colher o café na Nicarágua. Das duas, uma: ou o garoto estava querendo me prender sentada ali ou a cafeteira tinha quebrado. Fiquei com a primeira opção depois que olhei, novamente, para o balcão e percebi que a cafeteira do lugar reluzia de tão nova que era. Comecei a reparar nas mesas à minha volta e percebi que vários clientes que chegaram depois de mim já estavam tomando seus cafés, inclusive, o homem de cabelo grisalho.
O garoto do balcão veio em minha direção com meu pedido, finalmente. Percebi que aquele era o último pedido, uma vez que a cafeteria já ia fechar. Deixou o café juntamente com um lencinho de papel, totalmente desnecessário, em cima da mesa. Fiquei fitando-o até o momento que alcançou de novo o balcão. Tomei o primeiro gole e, como sempre, deixei um gotinha escapar e sujei a blusa (talvez aquele lencinho de papel não fosse tão desnecessário). Peguei o lenço, limpei o canto da boca e, o que pude, da blusa. Assustei-me quando percebi que havia algo escrito à caneta no papel úmido de café: “você parece meio tensa. Quer dar uma volta?”. Ri baixinho. O garoto do balcão se aproximou.
- Deseja mais alguma coisa? – perguntou. Olhei dele para o bilhete e do bilhete para ele. O garoto ficou sem graça.
- Tudo bem, já entendi o seu não. – e se virou.
Ei garoto! – gritei sorrindo e ele voltou-se surpreso – um café por favor, mas quero um do Fran’s, o daqui demora muito para chegar. Ele sorriu e me respondeu: “espere cinco minutos, é o tempo que fecho esse lugar”. Dez minutos depois, eu saía ao entardecer friorento conversando e rindo com o cara do balcão. Sei que ele é só mais um cara, que pode ser mais um babaca que mais cedo ou mais tarde, vai me fazer chorar. Mas por enquanto, ele se restringe a um café e, talvez, seja nesse café que eu afogue as mágoas do café anterior.
 
(Daniele Lima) 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Crônica da semana - além do

Além do horizonte
É. Sou assim, meio tantã mesmo. Tenho as minhas esquisitices.    

Semana passada, fiz uma pequena palestra para os alunos do Projeto Revisão Solidária, aqui de Barcarena. Falei sobre o fenômeno das marés. O objetivo era mostrar para os meninos que um evento astronômico com este status não se reduz à solidão sideral. Muito pelo contrário, a maré vazante ou enchente, mais do que a gente pensa, regula a batidinha diária de muita gente aqui, ao rés do chão.  
Lá pelas tantas, quando relacionava as fases da lua com a amplitude das marés, um dos alunos me interrompeu e manifestou a impressão de que eu era demasiadamente entusiasmado com o assunto. Eu confirmei este encanto e ele de pronto sugeriu que, então, eu poderia ser considerado um lunático, porque viajava pelo mundo da lua. Verdade. E lá vai mais uma aí para a conta das minhas estultices: De uns tempos pra cá, desde que assisti ao filme “1492- A Conquista do Paraíso”, cismei com uma cena. O filme conta a história de Cristóvão Colombo, suas aventuras e desventuras na América. O Diretor Ridley Scott (consagradíssimo pelo clássico oitentista Blade Runner) põe, logo no início do filme, o genovês Colombo sentado à beira do oceano fitando o horizonte. Na sequência, um barco é enquadrado navegando em direção ao sol, até desaparecer no abismo de água. Daí, a gente tira a dedução do Colombo sobre o formato da Terra e o filme segue.  
O que me impressionou mesmo, na cena, foi aquele realce, aquela riqueza plástica com que o diretor retratou o horizonte. Aquela paisagem ensejou um espetáculo silencioso que me arrebatou. Que me mundiou. E até hoje me inquieto com aquele fim de mundo chamado horizonte. De lá pra cá, tenho me empenhado em descobrir onde, na prática, é o horizonte. Onde é o lugar em que o mar encontra com o céu. Olha só, com o que doido se bate. E tô aí, há um tempão tentando, a revés de ás, de través de bês, me aperreando, me arreliando, desouvindo chacotas, despachando pilhérias e encarnações. E eu me abicorando por causa disso. Me desaviando ensimesmado, macambúzio, e dessemelhado. Misantropo das artes, das desobrigas e das gentes.  
E, sabe, esta solidão e este apagão social até que me valeram: neste vai não veio, descobri que há um jeito da gente calcular a distância do horizonte. E não era esta a minha aflição? Pronto, meus problemas acabaram. Está tudo lá na internet. Tudo direitinho, tudo ajeitadinho, pra gente se desopilar e ser feliz de novo. É até bacana de calcular. Basta formar um trianglinho retângulo básico, aplicar o teorema de Pitágoras e estar de par com uns conhecimentos prévios indispensáveis; alguns fáceis, como saber a própria altura; outros mais aquele de difíceis, como saber o raio da Terra ou ser capaz de resolver umas continhas de mais, de vezes e uma inofensiva raiz quadrada. Coisa pouca.  
Se não quiser ter esta dor de cabeça, ou não se sentir à vontade para este encontro com a matemática. Nada a temer. Há sites que já trazem uma tabela para distâncias ao nível do mar (mais ou menos uma praia como aquela em que o Colombo do Ridley Scott teve um lampejo). Ali, da escadinha do Ver-O-Peso, dá pra achar o horizonte. Ele escapa da cortina de árvores e desenha a linha d’água entre a ilha das onças e aquelas pontas de terra perto de Cotijuba. Eu sei. Agora eu sei, exatamente, onde é aquele lugar. Onde, para mim, é o meu mundo novo. A ‘minha América, minha terra à vista’.
(A distância do horizonte é função da altura do observador. Quando mais alto ele estiver, mais longe. Como sou gitito, o meu horizonte é perto. Muito perto).

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A foto

Biqueira

click de Tatyane Silva

sábado, 5 de novembro de 2011

Crônica da semana - homenagem

Homenagem
Aconteceu coisa de 3 anos atrás. Ali pelo mês de março. O pico do inverno amazônico. A chuva começou por volta das 9 horas da noite. E não parou mais. Varou a madrugada. Inquieto com aquele aguaceiro, bem cedinho me aprumei (tinha que tinha de ir pra aula), aproveitei um raro estio e me abalei pela manhã molhada. Fiz meu caminho em dois tempos. Peguei o (ex) sacrabala na frente de casa até a feira de Santa Luzia e de lá, o UFPA. Foi o custo do ônibus se adiantar um pouquinho na Alcindo Cacela, além do museu, e a rua virou mar. Dali até a praça Princesa Isabel, no recôndito da Condor, era um alagado só. E a água continuou fazendo marola e dando no joelho até ali pelo entorno da universidade. E tome chuva! Desci com a calça enrolada, fui me ajeitando pelas passarelas saltando meios-fios e poças robustas. Consegui chegar na minha sala com 20 minutos de atraso. Com toda derrota, ainda fui o primeiro aluno a chegar. Mas o professor já estava lá, olha, que tempo. Naquele dia, pelo caos instalado na cidade, qualquer casozinho ligado à chuva justificaria uma ausência naquela aula. A coisa tava braba. Mas o Ronaldo não se quedou ao direito de faltar ou chegar atrasado. Como todos os dias, estava ali, rente como pão quente para cumprir o seu dever de servidor público.
Este mês, só pra gente comparar, a coisa descarrilou totalmente. Mas que marmota é essa de dois feriados cairem justinho no meio da semana! Postos de saúde sem atendimento, repartições importantes com ponto facultado, instituições públicas em completo estado alfa. Ô, calendariozinho ingênuo. Deu uma trela pro ócio, e olha só...quem teve um débito nas coisas da vida, nesta semana de finados, teve que esperar até quinta-feira por uma chance de reivindicar os desapertos dos nós (que, nos dias encarreirados já não são fáceis, avalie nestes salteados, desritmados, desengraçados. Já penso como será, na semana da República).
No frigir dos ovos, contando assim, sem tirar a prova dos nove, foram cinco dias sem prestar serviço à comunidade. Não. Não tô pegando no pé dos servidores.  Não me vejo cobrando frequência ou dedicação (embora isso me fosse perfeitamente pertinente, pois que, sou usuário, contribuinte, cidadão e tal e coisa e coisa e loisa). Estou apenas refletindo um sentimento coletivo de desamparo, de abandono e solidão.
Vejo que o grande responsável por isso, é o gestor, é o comandante da administração. É aquele que, com uma canetada tira os trabalhadores do expediente e os coloca nos róis de ira do povo (porque o servidor, por si só, não se auto-faculta o dia de trabalho e nem folga em arengar com a parcela da população, aquela maioria ressalte-se, que precisa de atendimentos e acolhimentos). Tirar o amparo da sociedade com este artifício nefasto de enforcamento de feriado é uma atitude, no mínimo irresponsável, por parte dos gestores da máquina pública (e isso se a gente falar somente das questões assistenciais. Se a gente for levar pro ramo dos negócios, o traço fica vergonhoso de borrado. O Estado perde uma grana. Recursos que poderiam subsidiar desenvolvimento e qualidade de vida). É uma pena que os valores de Estado sejam deixados de lado por causa desses coquetes interesseiros.
Ao contrário do que possa parecer, o que escrevo agora não é uma crítica ao conjunto do funcionalismo. É sim, uma homenagem aos bons profissionais, pelo dia do funcionário público ocorrido na sexta, 28 de outubro e, em especial, ao professor Ronaldo que naquele dia, mesmo debaixo de um toró, estava lá na sala de aula, pronto para cuidar da res publica.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

crônica remix - a classe...


Ao paraíso (a classe operária vai, vai, vai...)
Eu sempre fui comunista. Sempre tive barba, sempre usei embornal verde-líquen-meio-enferrujado cheio de exemplares velhos de jornais clandestinos; sempre quis ir pra ilha de Cuba e sempre gostei de um uisquinho and rock. Não li Marx no original em alemão e nem em português. Aliás, não li Marx. Fora a cartilhinha mimeografada que guardo comigo desde os tempos das reuniões clandestinas na Escola Técnica, pouca coisa sei sobre O Capital.
Há alguns anos, porém, desisti da revolução e resolvi me render ao capitalismo globalizado. Entrei para o mercado de capitais, comprei aí umas açõezinhas de uma poderosa empresa nacional, coisa pouca, só para começar...
Olha só no que deu!
O pobre é ralado mesmo, na hora em que resolve ser capitalista a crise vem e acaba com a festa.
Éraste, jamais pensei que, logo na minha vez, o capitalismo fosse mostrar as suas fragilidades. Que logo agora quando eu estava me animando com os saltitos tentadores da bolsa a tal crise do capitalismo (desde antes anunciada pelos comunistas) iria explodir.
Caramba, Parece uma coisa! É a tal pissica da velha chica que me persegue, e logo agora que eu estava sonhando em ser um magnata do insensível e frio mundo da grana. Já estava me sentindo um operário luxento todo prosa-cor- de- rosa chegando ao paraíso.
Mas quando! Tô na pira. Nem consulta ao banco, faço mais. Toda vez que vou lá me deparo com um cenário cada vez mais assombroso. Vôte, fico à beira de um chiliquito.
A culpa é dos americanos. É o que eu digo sempre, eles só querem ser o que a folhinha do ano não marca. Fazem as deles, dão calote, e parecem aquela madame dos meus tempos de empacotador de supermercado, que aparecia na loja toda emperiquitada, nariz empinado, farta maquilagem, cheia de jóias... Mas quite, tudo michelin das boas, peças facilmente encontradas nas bancas da Santo Antônio ou nas boas lojas do ramo. Só pose. Os americanos mostraram que atrás daquela arrogância residia (aliás, nem residem mais, foram despejados) uma imensa e inflexível bolha imobiliária apta para empastelar a economia mundial (não tô falando, a crise é coisa de americano mesmo: estampido ufanista, indiscreto, grandioso. Não bastaria que arrebentassem a si. Haveriam de levar, ora veja, a mim também, ladeira abaixo com meus reaizinhos cada vez mais raquíticos. Ah, esses americanos!).
Para amenizar o sofrimento resolvi dar uma injeção de esperança nas minhas aplicações, e, um dia desses de maus presságios para mercado, me peguei com a poesia otimista dos anos 70 admitindo que “o que importa é não estar vencido”.
Doce Ilusão. A vida, num momento delicado como este, caprichosamente, não imita a arte e no outro dia as bolsas sofreram uma das maiores quedas da história e veio gente de tudo quanto é tamanho na enxurrada. Americanos, japoneses, britânicos, alemães, até a Finlândia, olha só, que era um país que eu pensei que só existisse no National Geografic veio no meio da quebradeira com um superdotado IDH e tudo. Na fila, na fila.
No dia do Círio, fiz discretamente, um pedido para a santa pr’ela dar uma ajudazinha lá em Wall Street (os americanos estão me devendo essa).  Fiz o pedido assim, como quem não quer e querendo, sabe, porque acho que a santa não gosta dessas coisas, desses despudores com grana, desses clamores pelo mercado de capital, acho que não, afinal os membros das primeiras comunidades cristãs dividiam tudo, viviam irmanados, valorizavam a igualdade, a fraternidade...
Sabe, pensando bem, acho que vou procurar minha cartilhinha de comunista e rever algumas lições.