terça-feira, 30 de agosto de 2016

crônica remix - chuva e frio

Frio e chuva, casamento de ninguém
Terminado o show ela deu uma correndinha desengonçada, expressando-se mais envergonhada que sedutora. Sem roupa, atravessou o salão, luziu à minha frente um instantinho só e apagou-se nos degraus que a conduziram para o sossego do quarto, marcado por uma porta com caixilhos dourados que se desenhava no fim do corredor.
Fazia frio por aqueles dias. Vestida, ela parecia bem mais alta. E, fora a certeza da friagem chegando, agora, todo final de tarde, em outros fatos não ponho fé. As imprecisões fincam-se em campos polarizados. Estendem-se entre o rubor do desejo e a palidez do descontentamento. Vestiu-se.Voltou para o salão.
Francesa. A única comparação mais justa, a definição mais pertinente que me ocorreu foi classificá-la em malícia e elegância. Francesa. Nessa hora chovia uma chuva fina. Daquelas que quase  a gente não sente os pingos. Mas eram gotas que pegando carona no céu cinzento esfriavam a pele, eriçavam os pelos. Induziam contato. Requeriam movimentos, afagos, esquentas. Nos apertamos na parte coberta e deixamos aquele turvo nevoento para trás do muro e das dúvidas. Ficamos frente a frente. Uma bebida quente. Sem gelo. A coragem ativada. Ângela. Chamava-se Ângela. Vestido preto de mangas compridas com um cerzido sanfonado apertando na cintura. Um chapéu de abas largas sombreando um sorriso provocante que eu percebia com certa atenção e nenhum medo. Um sapato de salto quadrado, afivelado à altura do tornozelo cadenciando o balançar das pernas cruzadas. Um cigarro descaído ao lado do corpo, postura algo desdenhosa desafiando o vento gelado que vinha lá de fora. Um batom básico carmim. Não resistiria por muito tempo com aquela pose. Em Rondônia tem disso. Em pleno mês de agosto! Até uns dias atrás, o calor estava da gente correr doido. De repente, o céu baixo. As nuvens velozes quase tocando na gente. Temperatura despencando. Ela sentenciou: Amanhã nos vemos. E saiu em direção à porta dourada esfregando as mãos avidamente. Alguém a esperava. Frio e chuva. Penumbra. Descontentamento. Casamento de...
Quando voltei no outro dia, ela não estava mais lá.
Tentei reencontrá-la. Retornei várias vezes àquele local, mas ela desapareceu dali. Na última tentativa, havia um rumor, um boato que ela apareceria. Uma das meninas me deu a certeza sobre a volta da Francesa.
Cheguei cedo. Muita gente. Homens apaixonados. Garimpeiros com saquinhos de ouro conquistadores. Pais de família vestindo calça de tergal com bolso em faca. Sapatos pretos, sem sorriso no rosto. Apreensões e ansiedade. Olhos vidrados vermelhos. Uísque em copos rasos. Luzes colorindo os corpos. Fumaça. Cigarro. Homens velhos. Pigarro. Rapazotes acompanhados do pai. A primeira e intransitiva vez. A esperança de a porta de bordas douradas se abrirem e ela surgir de vestido preto e chapéu de abas largas. Bêbados sonolentos caindo pelos cantos. As meninas de um lado pro outro atendendo, socorrendo, atiçado as vontades. Pratos, petiscos, cubinhos de queijo espalhados, caindo pelo chão. Piso grudento. Odores confusos. Show de dublagem. A sonoridade plástica. A lascívia, a concupiscência coletiva, desavergonhada. Libertinagem, sofreguidão. Êxtase. Tensão. Intenção. Mãos bobas. Axis e tira a mão daí, pequeno. Bolo de dinheiro amassado achando dona. Beijos babados na face. E ela não veio.

Desapontado, já alta madrugada, ocupei uma mesa na parte descoberta, próxima ao muro. A lembrança daquela pose, daquela elegância de Ângela. A minha eterna embriaguez. Era madrugada e chovia uma chuva fina, friinha de doer. E doía que só.

sábado, 27 de agosto de 2016

crônica - medalhas

Medalha de prata
Tenho um metro e cinquenta e um de altura (era isso, pelo menos, antes da discreta, mas já percebida perda de sais). Mas contabilizo sempre um metro e cinquenta, porque este um centímetro não me ajuda em nada quando tô no aparreiro do ônibus lotado; e alcançar aquela barra no teto que nos ajuda no equilíbrio, é um recorde olímpico para mim, inatingível, na hora daquela curva radical. Invariavelmente, rebolo pra cima do povo.
Sou baixolinha. O que, tirando o atropelo de ser passageiro em curvas fechadas, nos ônibus de Belém, nada mais de desconcerto me trouxe na vida. Ser pequenininho não me atrapalhou em nada. Muito pelo contrário, seguindo o critério de ‘do menor para o maior’, sempre me garanti como o primeiro da fila, na hora da merenda, lá nos idos do primário.
Reconheço, porém, que assumo descabida presunção e sem querer, estimulo a descrença total na minha prosa, quando relato que ganhei medalha de prata jogando Voleibol, pelo time do meu curso nos disputadíssimos Jogos Internos da Escola Técnica Federal do Pará. Ninguém acredita. Desdenham, fazem gracinha. Caçoam de mim e alguns, sentem-se até ofendidos por uma potencial mentira cabeluda. Mas, ganhei de verdade. E não foi culpa minha.
O esporte fazia parte da nossa grade curricular. Era disciplina que ia do primeiro ao último semestre. Tinha avaliações complexas. Reprovava. No primeiro semestre, a gente escolhia qual esporte praticar. Escolhi vôlei, que fora a linha esticada de um lado a outro e um rebate de bola convulsivo entre as meninas da vila em que eu morava, a mim nada mais significava, naquele início dos anos 80. A disciplina, na Escola, tinha método, tinha fim. Tinha os Sérgios (Serjão e Serginho), professores que colecionavam histórias vitoriosas em competições importantes, e na nobre tarefa de ensinar os segredos do jogo de ‘bola ao ar’.
Daí a minha presunção. Os caras ensinavam mesmo. Começava pela teoria. No primeiro semestre, ninguém via a bola. Era pesquisa. História, fundamentos, regras. A gente escrevia pacas. Eram horas e horas na biblioteca da Escola de educação Física. No geral, aprendi muito. A quadra veio como complemento, os mestres, claro, entendiam as nossas limitações. Eu tinha a coisa do moleque, né. Na hora do jogo, dava sangue. Cortava em parábola, dava saque neném, devolvia de manchete. Não concorria e nem me comparava com os grandes craques da minha turma, Jorge Porpino, Jeovam Barroso, Marco Jurandim. Estes já brilhavam nas seleções da Escola e até do Estado. Eu dava sangue. E nos jogos internos, pra defender o curso de Mineração, juntávamos o talento, o sangue, a força. E foi assim que entrei naquele time vice-campeão.
Não joguei um único jogo, na conquista daquela medalha. Mas estava inscrito. Era da equipe. Era aceito pelos craques. Os professores abonavam minha convocação, o que significava que eu tinha aprendido alguma coisa (horas e horas na biblioteca).
Não é mentira não. Com um metro e cinquenta, além das conquistas diárias me equilibrando nos corredores dos ensandecidos ônibus de Belém, dividi o pódio de prata com gigantes. 



segunda-feira, 22 de agosto de 2016

não era sonho não

Ontem, mal a noite se ajeitou nas horas, nos aviamos em dar conta das coisas da casa, para nos atermos à cerimônia de encerramento dos jogos olímpicos. Não deu outra: logo que iniciadas as transmissões do Maracanã, já estávamos emboletados na cama, eu, mulher e meninos,  procurando um jeito de não perder nada.
A mim, como era esperado, a conta foi aquela certa dos 5 minutos para que me quedasse ao indefensável sono. É assim, diante do sonífero televisão, deu aquele tempinho, já vou virando de lado e roncando. Resulta que mais tarde, a minha turma já dispersada, o quarto num escuro só e a cama toda minha, tateei o celular a fim de acionar o despertador, pois a lida no outro dia, cobra pontualidade. Naquela antecâmara do sono, percebi, na tela do Facebook, algumas atualizações e uma em especial, me pareceu produto da minha sonolência. Só poderia ser um sonho!
E nem era. Às 5 da matina, o arregalado dos olhos me mostrava outras mensagens me alertando sobre o gentil comentário feito pelo professor Paulo Nunes a este humilde vassalo do condado de Xapuri. Não era sonho não, molequinho. Era uma prosa pra lá de generosa do Paulo, dando a letra sobre o meu livro “O rio do meu lugar”. Brasill illll illll!
Professor Paulo Nunes, no comentário, faz elogios ao meu livro, me coloca entre os grandes cronistas paraenses e sinaliza um Ensaio sobre o meu trabalho. Mas pensa se não fiquei todo metidão. Mais empinado que cangula tecida em saco de supermercado. Embora lá no íntimo do meu ser, a minha humildade franciscana recomende admitir que eu não seja merecendente destas alusões, subverto a minha índole e encaro a festa. Receber um elogio do professor Paulo Nunes é muito bom. É bom que só.
Conheço alguns trabalhos do Paulo. Sei da profundidade com que ele trata a obra de Dalcídio Jurandir. É um estudioso, um analista esmerado. Opera com a racionalidade acadêmica e, ao mesmo tempo, que bom,  sucumbe às tentações da alma! Paulo é poeta.
Então, não fico feliz à toa. A minha alegria é abonada por esta declinação do olhar de Paulo. Um olhar acostumado aos extremos nortes de Dalcídio, se desvia e vem bater, de bubuia, n’o rio do meu lugar.
A mim, me resta ser grato. Catando aqui e ali, razões para escrever, acho que este reconhecimento é um fator suficiente para justificar esta lida. Ter este olhar acadêmico voltado para meu trabalho é um estímulo para escrever mais e melhor. Ou é um elixir, um suplemento que me vem ajudar no combate ao cansaço, ao desânimo. É um afago que a mim, me mostra que esta batalha vale a pena.
Escrevo já há muitos anos. Nunca fui idealista na minha escrita. Mas acredito que o ato de escrever é uma forma de praticar, de divulgar o bem. Escrevendo ganhei presentes valiosíssimos como o apreço e a amizade de Juliana Silva, Roger Normando, Edson Coelho, Hélio Santos, Alex Oliveira, Vânia Torres, Paloma Amorim, Juraci Siqueira, João Urubu. Escrevendo, vou eternizando amizades como as de Edir Gaya, Valéria Nascimento, Cláudio Cardoso. Todos parceiros, coautores desta minha caminhada. A eles, Paulo, estendo o teu elogio, as tuas palavras.

Saiba que o sono me dominou neste encerramento dos jogos olímpicos. Tateei o celular, pensei sonhar. Mas já de olhos arregalados, na segunda de manhãzinha, me certifiquei que a tua amizade, refletida em tão generosas palavras, fez-se para mim, numa reluzente medalha de ouro. Um prêmio de valor que a gente nem pode calcular. Não era sonho não. Grato. Muito grato.

domingo, 21 de agosto de 2016

o jogo mais longo

O jogo mais longo da história
Além do glorioso Internacional da Mauriti, emprestei meu talento ao time de Vôlei da minha turma de Mineração, na Escola Técnica. A prova final do (saudoso) professor Serjão, de Educação Física, era sempre um jogo. Montávamos as equipes e íamos para as pelejas. Os bonitinhos da turma que não eram besta nem nada, formavam o time deles com a nata. Sobrávamos nós, os enjeitados: Éder Jofre (que jogava com uns óculos colados com durex); Reginaldo Nelson, que com este nome, queixava-se ser japonês e era dotado de uma propriedade absolutamente bizarra: ao andar, articulava os membros do mesmo hemisfério. Adiantava a perna direita sincronizada com o braço direiro e a perna esquerda com o braço esquerdo. Uma dinâmica não abonada pela evolução. Não sei como este pequeno não vivia caindo pela rua; E eu que, com metro e meio, sequer alcançava a fita superior da rede.
Fomos à luta, enfim.
O jogo começou naquela quentura das três da tarde. Naquele tempo a regra ainda admitia a vantagem, ou seja, o ponto só valia para quem sacava. Caso contrário, a vantagem se invertia e assim por diante. Agora imagina o Reginaldo Nelson sacando aquele saque bebê, balãozinho: Avançava a perna direita e, com muito custo, exigia a força (no mesmo lado) da mão direita. Lá ia a bola em parábola viajando pra destino incerto...Dois times ruins, fizemos um jogo dos piores. Vantagem pra lá, vantagem pra cá e nada de ponto. Lá pelas oito e meia da noite, o Serjão tava uma pilha. Reduziu a partida para três sets e pediu a Deus por uma jogada inspirada. Já estava todo mundo com fome, com sede, e alguns, que dormiam cedo, com sono. Novos e indefensáveis ataques perturbavam nosso time. Não podia acabar empatado, o jogo, e não tinha pênalti na parada. O jeito era forçar o saque.

Quem ganhou aquele jogo, pouco importa. Sei que dali a alguns anos, o voleibol eliminaria a vantagem, criaria a disputa em pontos diretos e o tie break. Acho que contribuímos de alguma forma para isso. 

sábado, 13 de agosto de 2016

crônica da semana - papai carrinho de pilha

Carrinho de pilha
Era um carrinho de brinquedo. Funcionava com duas pilhas grandes. Vencia não sem alguma dificuldade, o chão áspero da calçada estreita e gretada, tirando ronco das rodas e um zunido do motor. Ronnnnc, ronnnnc! Ziiiiimmmmm! Tinha um sensor que à presença de um obstáculo, parava o movimento do carro, fazia abrir o capô; então, de lá da frente, saía uma metralhadora que disparava um ratatatá e um piscado de luzinha vermelha. Depois o capô se fechava, o carro dava ré e rumava a outros caminhos. Embora independente nos movimentos e nas proteções, não escapou da beirada da calçada. Despencou sobre a piçarra endurecida de verão, que formava um lajeado no quintal, esbandalhou-se e o motor parou de zunir.
Nunca me libertei daquela dor na consciência de ter deixado o carrinho se espatifar naquela capa de chão vermelho. E, olha a frustração: foi no mesmo dia, poucas horas depois de ter ganhado o presente do meu papai. A perda do meu carrinho de pilha foi uma dor que lembro até hoje, mas não foi a maior perda que sofri, naqueles anos setenta que, já no início, se anunciavam inclementes.
Meu pai chegava de Xapuri por aqueles dias para tratar da saúde. Na passagem por Manaus, comprou para mim, o carrinho produzido na Zona Franca. Eu, beirando os cinco anos, fiquei feliz que só, com o presente.
Desde que mamãe voltou para Belém, meu pai veio nos visitar em algumas oportunidades. Largava as ruas de seringa e vinha matar a saudade, passeando com a gente, pelas ruas da cidade. Essa vez, do carrinho, foi a última. Vinha com a decisão de acertar os ponteiros com a mamãe, porque era mesmo necessário, já que o seringueiro era sassariqueiro e naquele ritmo, não dava mais conta de viver. Os males do estômago o levavam à decisão de largar o seringal e as aventuras mundanas; se juntar à família e a construir algum futuro em Belém. Tinha na mira comprar uma casa pra gente (e até hoje, quando passo ali na Lomas e vejo aquela casa com varanda estirada, oratório de Nossa Senhora na parede e escada harmonizada à fachada, penso que aquele seria o nosso cantinho). Não deu tempo.
Papai deixou o carrinho comigo. O brinquedo quebrou naquele mesmo dia. Naquele mesmo dia foi internado para uma cirurgia delicada.
Ainda em recuperação, me deixou a saudade, o carrinho disposto em bandas, o desejo de morar num casarão da Lomas, e voltou para o seringal no Xapuri.
As imagens, os fatos, hoje se confundem na minha memória. A saudade, não. O vazio na minha vida e no meu coração, não. É comum, as pessoas não entenderem um homem além dos 50 anos, um senhorzinho, já considerando até a possibilidade de ser avô, quedar-se aos cantos, choramingando a falta de pai. Eu assumo, pois que a dor daquela perda é marca que do meu coração, não se poder delir.

Sei de filhos que espezinham , ofendem, desprezam, reduzem o valor do pai, enquanto eu, a peso de lembranças tantas, só queria ter vivido mais um pouco, mais uns anos, fosse mesmo com um pai chato. Ainda choro pelos cantos, porque daquela viagem para o seringal, no início dos inclementes anos setenta, meu papaizinho nunca mais voltou. 

sábado, 6 de agosto de 2016

crônica da semana - longuineti

Um balde de longuinete
Os meninos aqui em casa, só porque manjam do inglês, ficam me tirando pra pagode. Introduzem uns dizeres na rotina do lar, eu faço menção de pegar corda e embarco. Só dá pra minha reputação. Dou cada fora. Um furo clássico foi o ‘cópiquêique’. A versão que usam aqui em casa é essa aí com ‘ó’ aberto e o ‘é’ fechado. Eu, bestão, me animei na tagarelice. Era só pintar uma oportunidade que me lançava todo pintoso na pronúncia doméstica. Até que trombei, incrédulo, com o recitado de vera do bolinho. Entre amigos, senti um risinho contido quando falei daquele jeitinho. As pessoas que estavam comigo, é claro, relevaram, reconheceram em mim a inocência de um aventureiro, esboçaram uma pilhéria, mas quedaram-se dissimulando, mudando o rumo da prosa. Logo entendi o desconcerto. E ainda resisti. Meio inconformado, indaguei afoito: “mas não é “cópiquêique”, não é assim que a gente fala?”. Não, a resposta me veio solidária, como quem diz: “te enganaram”. Ah, esses meninos!
Claro que não liguei. Temos esta sacada aqui em casa, de mutilar o anglicismo. Não por mal. Só onda mesmo. É uma maneira de admitirmos o estrangeirismo, não sem uma zanga leve. Corre solta entre nós, por exemplo, a livre e simpática articulação para a construção em advérbio de lugar: “Ai eme riri”. O som da letra aqui bate é forte. E daqui, nos largamos às reuniõezinhas de fim de tarde para nos fazermos folgazões e relaxados firulando com a língua dos outros.
Mas é só brincadeirinha mesmo, minha, dos meninos. Hoje, nos ombreando, até dominamos um quê’zinho do inglês. Os meninos que fizeram curso e tudo, bem mais que eu. Para mim, no entanto, o buraco já foi bem mais embaixo. Vivi uma era de não entender patavina e de reproduzir, de qualquer jeito alguns termos do cotidiano. A classificação daquela garrafinha de cerveja para mim, até um tempo atrás era eco que eu identificava como ‘longuinete’. E não tenho nem a conta das vezes que entrei em bares e pedi um balde, sem exibir o menor mal estar ou constrangimento. Foram baldes e baldes de longuinetes nesta minha fonética independente de regras ou espias de reprovação. Um mundo só meu. Perfeitamente atendido. Tranquilamente entendido. Com o adendo da gorjeta. Baldes e baldes.
Um dia desses é que fui descobrir que não é ‘neti’, é ‘nequi’. Um balde de ‘longuinequi’. Foi numa aula sobre o jeito dos rios, na Universidade. Aqueles desenhos em curvas bem acentuadas, que chegam a dar voltas, chamam-se meandros. Há situações em que o meandro se torce tanto que uma ponta que precede a curva do rio chega quase a tocar a ponta que a sucede. Este processo forma uma figura que parece um pescoço sendo apartado da cabeça e tem o sugestivo nome em inglês de neck cut-of.
Nesta aula de Geomorfologia, o espírito de Ferdinand de Saussure baixou em mim (o som) e eu tive uma revelação. A cervejinha tem um pescocinho longo. Long neck.
Matei a parada. O som da letra estrangula (cut-of ) meandros, e eu, agradecido a Saussure, sigo me aviando em selviservices ou sendo aviado em baldes e baldes cheinhos de longuinequis.