terça-feira, 28 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

Meu presente em todos os Natais

"olhos de mar, de maré grande, equinociais"



sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

crônica da semana

Meus  ricos sonhos de Natal
Alguém, por esses dias veio me visitar. Pôs os olhos nas minhas coisas e desejou tê-las para si. No meio do caminho, desistiu do intento. Não tenho coisas desejáveis.
Dessas futilidades ansiadas pelos espíritos mundanos e pelas demandas cotidianas; que poderiam ser classificadas, com muita generosidade e um bom desconto na avaliação, como sendo bens materiais, tenho em casa, uma TV, o meu computador, um (ex) celular que liga, recebe ligação, tem um radinho e só, um (ex) aparelho de DVD com funções mínimas e minha bike que está com o pneu traseiro vazando pelo bico. Nada muito ostensivo ou que possa deflagrar cobiças incontroláveis.
Não tenho nada mais valioso além de meus sonhos.
Sem eles, sim, empobreceria irremediavelmente.
Meus sonhos encerram-se em objetos simplesinhos, austeros, e que me fazem ser mais rico e mais plenamente feliz do qualquer magnata endinheirado.
Reduziria o meu capital emocional se de mim fosse subtraída, por exemplo, a minha máquina fotográfica Nikon, com lente 50mm, semi-automática, fotômetro de velocidade e base metálica (bem no estilo Leica do Sebastião Salgado); ou a minha Olivetti Lettera 32 na maletinha, com tipos revisados e atualizados ao abecedário brasileiro (ambas datadas de 1993).
Amofinaria se me faltasse meu Di Giorgio, que é o meu alento, o meu acalento e o meu orgulho quando reconheço o quanto ‘é bom tocar um instrumento’. Com o meu violão, minha casa sempre canta.
Perderia muito da energia que me move se fosse apartado dos meus livros autografados: Veríssimo, Inácio de Loyola Brandão, Ruy Castro, Marcos Bagno, Juracy Siqueira, Edvandro Pessoato... E outros tantos que não estão autografados, mas que um dia ainda o serão.
Ficaria pê da vida se me separassem da minha coleção de vinhos de 5 Reais e do velho “Old Parr” deixado como herança pelo Dr. Antônio Carlos desde a última celebração litero-etílico-musical que fizemos aqui em casa.
Meu universo se contrairia irreversivelmente se os fragmentos do meteorito Bendegó, uma pedra que caiu do céu em 1784, na Bahia, se desintegrassem, por completo, jogados em alguma poça ácida de beira de rua.
Teria sido, meu coração, ferido de morte se a malinação fosse tão insana a ponto de levarem o troféu do meu compadre, conquistado no Festival da Canção de Bragança; a minha imagem de São Francisco; o estojo em miriti e o disco de brega cult da Lia Sofhia; a sacolinha da Laqua di Fiori com as mais fascinantes lembranças da minha mãe; meu caleidoscópio que trouxe de Ouro Preto, quebradinho de um lado e, por isso, revelando os segredos das cores múltiplas; As medalhas do Argelzinho, no esporte, e uma especial como melhor aluno da Segunda B do Ângelo Frozi; meu globinho de acrílico barato; o roque-roque bem humorado e cheio de auto-estima; meu candeeiro virgem e expressivo; minha luneta sempre voltada para o infinito da parede; o Dicionário de Idéias Afins, meu companheiro de anos e anos no auxílio à estilística e a variações idiomáticas; meu vidrinho de Cheiro-do-Pará; o colírio para o incômodo do olho seco; meu telefone de disco; meu chapéu coco, minha coleção com os minerais mais comuns na crosta terrestre, com fósseis de Bragança e de outros lugares que não me lembro, com cascalhos vermelhos da beira do Xingu; minha machadinha neolítica de valor antropológico inestimável; as artes e os crachás que trago de um tempo passado como evidências de glamour e afetação, exatamente nesta ordem.
Graças ao bom Deus, neste Natal, meus sonhos resistem. Apesar dos reveses de uma indesejada visita, continuo muito rico.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

crônica da semana

Minha amiga

Quando a porta do elevador abriu, ela já estava a minha espera com um radiante sorriso. Nos  apresentamos formalmente e nos cumprimentamos com um afetuoso abraço. A seguir, me ofereceu café, pão torradinho, água e frutas. Sabia que eu tentava desde bem cedinho chegar a Belém, varando pelos furos da Ilha das Onças e estava com fome.
Quanto vale o que escrevo?
Minha amiga é leitora da coluna há alguns anos. É uma jovem senhora que já deu a sua preciosa contribuição para o serviço público do Estado e hoje redescobre mundos, como aposentada. Enquanto eu tomava café, nos ensejamos descobertas sobre cada um. Eu falei da satisfação danada que todo autor tem quando conhece uma pessoa que se identifica com o que ele escreve. No meu caso não era diferente. Estava pávulo, pávulo. Ela me revelou como aquele nosso encontro foi se construindo, se fazendo possível. Contou da sua fase de desapego e o que, exatamente, um aparelho de som Polivox tinha a ver comigo e com aquele momento. As coisas não eram assim tão reconhecíveis, explicou. Aquele instante foi orquestrado por essas forças, por esses movimentos desregrados, por essas intuições que permeiam céus e terras. Portanto nada era assim tão puramente racional e nem tão desequilibradamente emocional. Mas era por aí. Provinha de uma fé amplificada e da liberta, mas humilde conexão com Deus (e aí ela me mostrou uma música do amapaense Zé Miguel em parceria com o poeta Joãozinho Gomes que está até hoje, ó, aqui no meu cocuruto, animando os meus dias. E olha lá, heim, o que fazem os poetas, ah, esses poetas! A canção tem uma melodia linda, um poema certeiro que faz uma imagem da Terra como sendo uma ‘conta no colar de Deus’. Versos inspirados, conectados com a divindade, por certo).
Quanto vale o que escrevo?
E ela, a minha amiga, com uma voz flagrante, instantânea, bem postada, deliberadamente alegre, me guiou, com cândida superioridade aos humanos e possíveis caminhos que nos levam a entender melhor o amor pelo planeta, o zelo pela humildade, a pretensão pela felicidade... a livre e poética conexão com Deus. (Nessa hora, uns quantos passarinhos, provas da existência de Deus, como nos assegurou o santo de Assis, pousaram na janela e fizeram uma afinada trilha sonora para as nossas confissões).
Minha amiga tem uma alma rica. E tenho certeza que ela é feliz. Mora num apartamento cuidadosamente decorado, confortável, mas menor, bem menor do que seu coração. E pra falar a verdade, fiquei assim que nem mané besta, só admirando aquele lugar. Chegou uma hora que não resisti e tive que elogiar a casa dela. Na verdade, um lar abençoado pelo fogo vivo do planeta: a seiva mineral da terra está ali emanando energia em cada canto da casa, em texturas, em geometrias, e em cristalizadas relações forjadas pela genética das rochas plutônicas. E cada arranjo (de pedra e ambiente, de ambiente e gente, de gente e arte, de arte e céu, de céu e terra, de gente e terra), cada arranjo mais harmonioso que o outro.
Confessei uma pendência antiga de não ser amigo de ninguém que morasse em prédios, naquelas alturas onde eu pudesse ver a minha cidade lá de riba. Ela me levou então para conhecer as sacadas, os mirantes da casa. Fiquei um tempo ali, emocionado, reconhecendo os cantinhos da minha cidade.
Um detalhe é muito forte na expressão de minha amiga. Ela fala com os olhos. Mas não deflagra freqüências audíveis, decifráveis ou dedutíveis. Dos olhos dela, “surgem sóis”. Provedores, benditos, acolhedores e definitivos sóis.
Quanto vale o que escrevo?
Vale um dia feliz cheio de luz.

sábado, 11 de dezembro de 2010

crônica da semana

O Natal da minha Aldeia 

As festas estão aí, na porta. Como o ano passou rápido! A gente tá bem assim, né, distraído, e quando se espanta, já é Natal. Aí, é um corre-corre, um conversar baixinho com a grana do décimo, um isso de perdões elencados, um aquilo de boas ações agendadas. Tudo rolando ao mesmo tempo, com a pressa obsequiosa e austera que o momento exige. Os espíritos vão se alinhando à luz. A candura se aproxima como quem não quer nada. As lampadinhas enroladas nas mangueiras animam a cidade. Quero receber este Natal leve que nem o levinho algodão. Livre de pensamentos maus. Tô preparando aí umas crônicas só o creme, falando apenas coisas do bem. Valorizando palavras legais como amizade, chocolate, jogos de luzes azuis, paz, amor, filhos agarradinho, música calminha, brigadeiro, pôr do sol, chuvinha fina que nem neve, sorvete com bastante cobertura, sapatinho na janela, show do Roberto Carlos, manhã, estrela, céu, lua, Jesus menino.Mas antes que o espírito natalino baixe sobre mim alienando minhas queixas, vou fazer um desabafo. Gente da minha alma, vamos cuidar do nosso lixo. Nenhuma felicidade se sustenta na sujeira. Olha essa:Sábado passado teve uma festa aqui na Aldeia Cabana. Fico na bronca porque este espaço, à época que foi criado, sob inúmeros protestos, diga-se, tinha fins nobres, afinados com o interesse público. Mas deu uma desviada. O que se vê por aqui é o nosso direito de ir e vir ser cerceado porque vai ter a festa do seu fulano de tal que fecha a rua e cobra ingresso para o divertimento (dos que pagam, né, porque a gente que mora ao pegado, fica se remancheando pra cá e pra lá na cama, sem dormir com a barulheira até a alta madrugada).  E assim, não vejo um tico de inclusão nessas festas (até porque cobram ingresso a um espaço público, são mais do que exclusivos). E olha que já tivemos momentos memoráveis na Aldeia, como a Bienal (tão cruelmente esquecida) de música, que no mínimo pregava a diversidade melódica, ao invés dessas mesmices que somos obrigados a consumir no frágil refúgio do lar; a orquestra sinfônica. Gente, a Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz, já tocou na Aldeia. Grupos afros, Chico César, Gilberto Gil. Muitos foram os eventos cidadãos (porque foram de grátis e não fecharam a rua) que abrilhantaram o espaço da Aldeia Cabana de Cultura Amazônica David Miguel. Mas agora... A gente não pode passar, não pode dormir, não pode pagar, éraste, tá ralado. E o que é pior...O lixo no dia seguinte.Vá lá que seja. Pode-se argumentar que para ser sustentável, o espaço tem que gerar receita. Tudo bem. Mas se eu fosse gestor da Aldeia, colocaria bem direitinho uma condição essencial: tem que deixar o lugar como encontrou.No domingo, quando saí de casa pra comprar pão, pê-da-vida porque não dormi que prestasse, passei pela Pedro Miranda. Meu Deus! Uma zona. Lixo pra todo lado. Um mar de porcarias deixadas pelos popsugismundos. O que me chamou a atenção é que toda a parafernália da aparelhagem foi retirada, todo o material de bar foi removido (que eles não são bestas nem nada), mas o lixo ficou. O lixo era todo nosso. Penso então: não adianta o poder público alardear avisando que quem entope canal é o lixo. Isso é pura hipocrisia. Naquele dia, aquele entulho foi todo para o canal da Pirajá ou para as galerias subterrâneas, com o aval do poder público. Lá pelas dez horas, o vento deu, inocentemente, a sua contribuição e espalhou os resíduos. À tarde, a chuva das três completou a derrota. E os irresponsáveis que arrumaram isso tudo, ó, tremeterrando em outra freguesia e se lixando pro nosso Natal.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Furo

Caros amigos,
perdoem-me, por favor
Disse aqui que o Paul McCartney era um 'guitarrista canhoto',
numa crônica, no início do mês de novembro.
Um leitor, atento, me corrigiu: ele é baixista.
Até já havia reparado o erro
mas aí, a crônica já estava publicada...
Não tem desculpa. Foi mancada mesmo.
Mas estou aqui, humildemente, me retratando.
É verdade que 'o cronista, assim como o poeta, é um fingidor'
mas, contra fatos, não há argumentos.
Obrigado pela compreensão.
E claro fique, que estou sempre aberto às críticas e correções.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Las niñas


Luzia foi uma mulher maravilhosa. Lutadora. Saiu do Acre com quatro filhos agarrados à barra da saia, desembarcou do Domingos Assmar, no porto de Belém com nenhuma esperança. Mas não desanimou. Não se abateu. ‘Virou, mexeu, pintou os canecos’ e conseguiu criar todos os pequenos. Era professora formada, mas trabalhou um tempo com carteira assinada (pouco tempo), como caixa, na antiga padaria Aveirense que ficava de confronte ao Museu, depois ganhou a ruas de Belém, vendendo de um tudo. Se batia, também, com uma barraquinha de confecções na feira da Pedreira (em frente ao Bazar Brasil, como dizia a propaganda da rádio cipó). Embora tenha encontrado tantas dificuldades pelo caminho, minha mãe cumpriu a nobre missão de garantir a vida aos filhos. Agora em 2008, faz dez anos que minha mãe nos deixou. Mas para mim, mamãe não morreu, não. Luzia vive, e muito intensamente, no que sou. Está na minha batidinha diária, no meu entendimento sobre a conquista de cada palmo de vida, está na resistência e na luta contra as porqueiras e as tosses que tentam nos roubar o fôlego. Está na minha mania de andar a pé pela cidade e dita, no meu cocuruto, muitos dos dizeres e fraseados que uso nas minhas prosas aqui na coluna . Sinto minha mãe por perto a me guiar e a me aliviar a alma. Por isso, como dizia a Luzia: “tanto faz José como Cazuza, o que importa é que por onde se enxerga, sempre vou indo muito bem”.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Crônica da semana

E tem o lado B (a ressurreição)

Aqui no jornal, tenho umas quantas crônicas que arrebentaram a boca do balão. Uma delas foi a que escrevi sobre o filme “Durval Discos”. Muita gente se identificou com o texto. A motivação para o envolvimento com a crônica reside no fato dela falar do sacerdócio que é ouvir (ou providenciar as condições para) discos em vinil.
Calhou que este mês de novembro marcou um reencontro com os meus discos. Meu aparelho ficou sem agulha um tempão. Depois que consegui comprar uma agulha pro meu toca-disco, deu-se outra bronca. O ‘prato’, depois de tanto tempo parado, pifou. Fazia um ruído de motorzinho funcionando, mas...nada. Foi um momento tenso aqui em casa. Eu e minha mulher querendo desesperadamente, fazer o bichinho funcionar. A agulha, bacana, decodificando legal os sulcos do acetato. Mas o aparelho sem força. Tentei até rodar com a mão. Deu um resultado em slow, mas não colou. Amofinei. Liguei para amigos especialistas, me aconselhei com gente do ramo, controladores de som ortodoxos; troquei a borrachinha de tração... Até que um dia, meu amigo Waldeci Lazameth veio aqui em casa munido de um jogo de chaves de fenda, desatarrachou aqui, ali (e depois atarrachou) alguns parafusos, virou, mexeu... e o disco rodou. Pai d’égua!
O meu aparelho de som não é uma peça física, somente. Ele é um testemunho imaterial substancioso, essencial. Muitos dos fatos mais relevantes da minha vida foram embalados por uma trilha sonora vinda dos meus vinis. Constatei isso no domingo seguinte à ressurreição do meu três-em-um. Fizemos, em casa, exatamente como fazíamos antes, quando o Argelzinho tinha dois anos e pouco e brincava com os heroizinhos de plástico pelo chão da casa e Amaranta Maria era uma bebê que dormia que era uma maravilha na rede sem varandas. Fui pra cozinha inventar um cumê. Minha mulher cuidou da casa e de umas roupas no tanque. Ambos turbinados por umas latinhas de cerveja, encaminhamos as obrigações do lar animados pelo som que vinha lá do quartinho. E foi assim, meio que automático: Pink Floyd de entrada. Depois, uma sessão de Janis Joplin, Queen, umas e outras do Led Zeppelin. Para acalmar os meninos, que não são mais nenenzinhos de ficar nos cantos, e que agora reclamam que o barulho os impede de ouvir a programação da TV, uma seqüência de pura nostalgia pueril. Balão Mágico, a música do Arrigo Barnabé com que eu ninava o Argel em embalos ritmados na rede... Eles, até prestam atenção uns instantes, mas a seguir, trancam-se no quarto e nos liberam ao nosso barato. Aí a gente repete um exercício emocional praticado há anos. Cartola, Custódio Mesquita (‘nada além, nada além que uma ilusão’), Festival da Fcap com a urbanidade de Edir Gaya (‘José de tal estatelou-se no asfalto’) e a emoção bucólica de Alfredo Reis (‘quando as águas retirantes partem pro mar’) e... Chico. ‘Todo Sentimento’, que é a música que me impõe a missão de lutar pela vida (lembra minha mamãe e amigos que perdi). A gente chama os meninos para o almoço. Nessa hora, raridades: Campanha da Fraternidade de 1976, Zezinho Maranhão (‘de quebra o amor é pouco/ e eu fico louco/por você rainha’), The Rolling Stones. Todos em compacto, para os meninos conhecerem este formato minimizado do sucesso. Depois do almoço e algumas latinhas consumidas, os meninos vão se aquietar e a gente reitera compromissos: “Amo uma mulher clara/que a mim me ama sem pedir nada”. Os meninos perguntam por que o papai tá chorando, mãe? Nada, não. Chora de feliz, porque o aparelho de som voltou a funcionar e agora pode, de novo, ouvir as músicas da vida dele.