sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

crônica da semana

Meus  ricos sonhos de Natal
Alguém, por esses dias veio me visitar. Pôs os olhos nas minhas coisas e desejou tê-las para si. No meio do caminho, desistiu do intento. Não tenho coisas desejáveis.
Dessas futilidades ansiadas pelos espíritos mundanos e pelas demandas cotidianas; que poderiam ser classificadas, com muita generosidade e um bom desconto na avaliação, como sendo bens materiais, tenho em casa, uma TV, o meu computador, um (ex) celular que liga, recebe ligação, tem um radinho e só, um (ex) aparelho de DVD com funções mínimas e minha bike que está com o pneu traseiro vazando pelo bico. Nada muito ostensivo ou que possa deflagrar cobiças incontroláveis.
Não tenho nada mais valioso além de meus sonhos.
Sem eles, sim, empobreceria irremediavelmente.
Meus sonhos encerram-se em objetos simplesinhos, austeros, e que me fazem ser mais rico e mais plenamente feliz do qualquer magnata endinheirado.
Reduziria o meu capital emocional se de mim fosse subtraída, por exemplo, a minha máquina fotográfica Nikon, com lente 50mm, semi-automática, fotômetro de velocidade e base metálica (bem no estilo Leica do Sebastião Salgado); ou a minha Olivetti Lettera 32 na maletinha, com tipos revisados e atualizados ao abecedário brasileiro (ambas datadas de 1993).
Amofinaria se me faltasse meu Di Giorgio, que é o meu alento, o meu acalento e o meu orgulho quando reconheço o quanto ‘é bom tocar um instrumento’. Com o meu violão, minha casa sempre canta.
Perderia muito da energia que me move se fosse apartado dos meus livros autografados: Veríssimo, Inácio de Loyola Brandão, Ruy Castro, Marcos Bagno, Juracy Siqueira, Edvandro Pessoato... E outros tantos que não estão autografados, mas que um dia ainda o serão.
Ficaria pê da vida se me separassem da minha coleção de vinhos de 5 Reais e do velho “Old Parr” deixado como herança pelo Dr. Antônio Carlos desde a última celebração litero-etílico-musical que fizemos aqui em casa.
Meu universo se contrairia irreversivelmente se os fragmentos do meteorito Bendegó, uma pedra que caiu do céu em 1784, na Bahia, se desintegrassem, por completo, jogados em alguma poça ácida de beira de rua.
Teria sido, meu coração, ferido de morte se a malinação fosse tão insana a ponto de levarem o troféu do meu compadre, conquistado no Festival da Canção de Bragança; a minha imagem de São Francisco; o estojo em miriti e o disco de brega cult da Lia Sofhia; a sacolinha da Laqua di Fiori com as mais fascinantes lembranças da minha mãe; meu caleidoscópio que trouxe de Ouro Preto, quebradinho de um lado e, por isso, revelando os segredos das cores múltiplas; As medalhas do Argelzinho, no esporte, e uma especial como melhor aluno da Segunda B do Ângelo Frozi; meu globinho de acrílico barato; o roque-roque bem humorado e cheio de auto-estima; meu candeeiro virgem e expressivo; minha luneta sempre voltada para o infinito da parede; o Dicionário de Idéias Afins, meu companheiro de anos e anos no auxílio à estilística e a variações idiomáticas; meu vidrinho de Cheiro-do-Pará; o colírio para o incômodo do olho seco; meu telefone de disco; meu chapéu coco, minha coleção com os minerais mais comuns na crosta terrestre, com fósseis de Bragança e de outros lugares que não me lembro, com cascalhos vermelhos da beira do Xingu; minha machadinha neolítica de valor antropológico inestimável; as artes e os crachás que trago de um tempo passado como evidências de glamour e afetação, exatamente nesta ordem.
Graças ao bom Deus, neste Natal, meus sonhos resistem. Apesar dos reveses de uma indesejada visita, continuo muito rico.

2 comentários:

  1. Muito bom Sodrezinho nunca que vc deixaria levarem nossos trocados pra comer uma coxinha no tio e lavar o pé no bar do jorge
    bjo e inté

    James

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  2. Fale Sodré,
    Me chamo Henriques e sou irmão do Claúdio, noivo da Aline, filha da Dona Marilene e Seu Antônio.
    Ótima crônica! Adorei cada detalhe!

    Virei fã do teu blog.

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