sábado, 30 de dezembro de 2023

crônica da semana - prece

 Prece

Há muitos anos, fiz um curso com o Flávio. Àquela época o conhecíamos como Flávio, o italiano bonachão, carismático, bem humorado, que desejava ser padre e vinha de vez em quando para Belém atuar nas obras salesianas. Ordenou-se, exerceu o sacerdócio e foi além. Que eu conte, foi Bispo de Abaetetuba, Santarém e, agora por esses tempos comuns, é o representante de Cristo no Acre. Inspira uma reflexão muito atual porque toda vez que lembro dele, me vem o curso que ministrou sobre as ‘virtudes teologais’, que as traduzo como sendo as expressões do verdadeiro apostolado cristão.

Muita coisa mudou desde aqueles anos 80, quando eu me envolvia na fé e na vivência, em causas salesianas. De lá, a cá, posso dizer que minha certeza dilui-se em sucessivas frustrações e críticas profundas.  Dúvidas submersas passaram a regar a minha vida. No entanto, o que fica de bom, a gente não descarta.

As virtudes se expressam em “fé, esperança e caridade”. São conceitos muito complexos (vemos hoje como essas expressões são desvirtuadas, aviltadas, imoladas). Naqueles dias, a generosidade de Flávio subiu a régua e nos ofereceu a interação com a sabedoria abrigada na Igreja. As virtudes não eram temas do vulgo, e nas suas complexidades, eram tratadas como propriedades do alto clero. Ao menos a mim, que nunca ouvira falar delas, assim me pareciam.

Torno aos nossos tempos. Desses valores tão necessários, urge nutrirmos a esperança.  Meu Deus, me perdoe a minha descrença e, por ora, a minha leviandade, o meu pragmatismo mundano, mas humildemente te peço que me dê uma luz. Mostra para mim, meu pai, um caminho para ter esperança. E vou ser mais claro nesta minha reza. Pode rotular, não tem problema, de interesseira, dirigida, encomendada na inspiração de um descrente: Poupa, Senhor, os nossos jovens. As nossas crianças.

A eles, é dado o futuro. Não precisa ser só de acertos. Deixa que se realizem nas tentativas. Engalanem-se nos sucessos, reflitam nos fracassos. Deixa que tentem. Que vivam para experimentar as leis da natureza, para forjar milagres humanos, para remendarem e prolongarem o tempo. Venho, meu bom Pai, diante de vós, na minha loucura, na minha insensatez, na minha hipocrisia agnóstica, desavergonhadamente, sem pudor nenhum. Quedo-me desvestido das vestes engalanadas de cultos, como o Santo Chiquinho, a renunciar à minha soberbia, aos meus pendores sociais, e em trégua com minha desconfiança e distância dos designos celestes, te peço. Cuida dos nossos jovens, das nossas próximas gerações. Não podemos mais pensar num futuro descontaminado da dor, quando vemos enfileirados, caixões de crianças em Gaza. Bebês refugiados nos ermos, balas perdidas nas favelas, destruindo sonhos. Garotos e garotas perdidos no auge da vida, do despertar das mais desafiadoras experiências. Às crianças e aos jovens, está destinado o futuro do nosso planeta azul. Não os deixe sucumbir à negação ou ao aprisionamento do pensamento raso.  E que tua vontade, Senhor de tudo e das coisas, nos dê acreditar na esperança e não no pranto sem medidas ou na dor infinita e inapelável, como esta que de maneira tão cruel, nos abate, assim em um repente do dezembro. Esperança não importa qual. Se aquela advogada pelos cânones eclesiásticos ou esta nossa, de esquina, de vida vivida, de conquista do pão de cada dia, de carinhos às pessoas tão amadas.

Esta semana, minha razão foi abalada. A serenidade deste sexagenário foi questionada, a extensão da vida; dolorosamente o ciclo lógico da espécie sofreu um duro golpe. Acudi-me aos ensinamentos de Dom Flávio, que continham uma justa substância real, concreta, ponderável.  De religiosidade e racionalidade. E neles, busco o amparo.

Que o ano novo nos redima. E que a gente busque, na vera, na real, e de coração, viver na esperança... na fé e na caridade.

 

 

 

sábado, 23 de dezembro de 2023

crônica da semana - idas e voltas

 Idas e voltas

Plataformas de estação, salões de aeroportos, trapiches de beiras tantas de rio são, realmente, locais de desprendimento, de a gente não dar a mínima para o entorno e, na hora da despedida, se desmanchar em lágrimas. Chama atenção este quadro que a Astrid Fontenelle apresenta nessas últimas semanas no Fantástico. É daquele jeitinho mesmo que acontece. A hora da partida abala e não admite recatos.

Vivi e testemunhei muitas cenas parecidas com as que Astrid mostra no quadro do programa. Em Porto Velho, no início da década de oitenta, do século passado, todo mês, experimentava umas horas na rodoviária à espera do ônibus que me levava para a mina em que eu trabalhava. Ali, na plataforma daquela estação me emocionei quantas vezes, meus Deus, ao ver famílias inteiras desembarcarem, vindas de não sei donde, de olhos inchados, registrando a saudade das coisas e gentes deixadas para trás. Quantas histórias se reconstruíram ali, na descida do ônibus? Quantas memórias se dissipariam em doses diárias naquele sofrimentozinho implacável de abandono e solidão até que a alma se aquietasse na distância? Naquela época, a região tinha o maior fluxo migratório do Brasil. Todos os caminhos levavam a Rondônia. O meu foi dar lá,

Eu vivi os extremos. Em Rondônia foram quatro anos. No primeiro embarque para Porto Velho, parecia que o mundo estava se acabando para mim. Ainda no aeroporto, me reconheci como um garoto amamãezado que jamais havia saído debaixo da saia de Luzia. Naquele instante, quando dei às costas e entrei na sala de embarque, me apartando dos amigos, mamãezinha, Belém, a vida pobre e conquistada a cada dia, me danei a chorar. Passei a viagem toda fungando. Nem na hora dos lanches fartos da Vasp, que eram servidos a cada escala, e que foram muitas por esta Amazônia à dentro, eu dava um tempo. Comia as comidinhas de avião aos soluços, tremelicares de beiços, incertezas e apreensões. Depois, a cada final de férias, no retorno para Porto Velho, o chororô se repetia. Após o terceiro ano e já na reta final de minha jornada rondoniense é que me entreguei aos consolos e fiz um embarque mais sereno, sem sobressaltos sentimentais ou potencialização de dores e fungados. Razões havia para o apascentamento da alma. Tinha me apegado aos dias de Porto Velho, colhia amizades e paixões por aquele ocidente desbravado e grassava doçura nos nossos encontros. Estava domada a solidão.

Mais um ano e, por questões profissionais, partiria. Minha despedida de Rondônia foi atropelada. Greve de aeroviários, vôos cancelados, flutuei em despedidas e incertezas por uns 15 dias. Já estava com o numerário rareando quando as viagens voltaram ao normal. Não houve tempo para os sentimentos. No dia do embarque, só não estive sozinho no aeroporto porque apareceu uma amiga que morava na mina, filha de um companheiro de trabalho. Foi a única a se despedir de mim à entrada da sala de embarque.Tinha nome de ninfa. Nereida. Era gentil, generosa e tinha esta propriedade mítica de ajudar andarilhos perdidos que nem eu. E ao mesmo tempo, encartar corações. Deixei Porto Velho, após quatro anos, aos prantos. Troncho de saudade daquela gente maravihosa, das cachoeiras do Madeira, da Mad Maria, do friozinho de maio.

Agora por esta época, muita gente viaja. É tempo de reaproximações com familiares, terra natal, amigos. Por outro lado é também de separações. É a dimensão ritmada, ondulatória do ir e voltar. A sensação de quem fica, a reflexão de quem parte.

É assim revisitando este ambiente da memória, que desejo a todos meus onze leitores, minhas onze companhias semanais, um Natal pleno de bons encontros, e se forem necessárias, despedidas doces; amor e amizade nas bagagens. Por outra, se as lágrimas rolarem, que sejam de alegria e tragam um salzinho o justo para temperar o sorriso.

 

sábado, 16 de dezembro de 2023

crônica da semana - um mundo de sal

 O mundo será melhor

“Quando o menor que padece acreditar no menor”...

O fato deu-se, há anos, quando inventei a marmota de ir com minha namorada, a um restaurante famoso que havia em Belém, especializado em massas. Aconteceu o que a gente, pelo comum social, infelizmente, reconhece que não é raro acontecer. E não tem quem me tire da cabeça que foi dolo com a motivação espelhada no raso entendimento da desigualdade. Como se, no mais condimentado estilo de malinagem, nos servissem o aviso de que aquele não era o nosso lugar. Pedimos uma lasanha.

 (“Eu acredito que o mundo será melhor/Quando o menor que padece, acreditar no menor”, diziam os versos da canção que animava nossos encontros de jovens cristãos em retiros, reuniões e até nas missas realizadas na capela da Escola Salesiana. Era meu canto preferido. Tinha um quê comunista, comunitário, sinalizava com a confiança e a solidariedade entre os iguais. Davam uma potencializada na minha fé, os primeiros acordes dessa canção).

Quando dei a primeira prova, chega ardeu. O prato foi temperado, sem pena, com, imagino, a metade do sal existente em todo mundo conhecido. Tava bom era pra boi comer, que diga, tava não. Era de tal forma carregado, que o preparado servido para o gado, em cochos pelas grandes fazendas, certamente conta com compostos mais insossos.

A gente que não tinha o costume (jantar nessa pizzaria era uma extravagância, coisa de menino besta quando recebe o décimo. Lasanha então, era um di cumê que eu só tinha ouvido falar). Percebemos que estava minada de sal, mas sei lá, continuamos comendo, vai ver que é assim mesmo nesses restaurantes chiques, ou lá na Itália, que fosse. Mais tarde, em outras experiências, e também farejando a maldade praticada naquela noite, descobriria que não. Dou minha cara a bufete se não fomos mesmo é vexados pela turma do baixo clero do restaurante. Gente igual a gente, que não nos admitia ali. Aqueles risinhos sádicos, os olhares maliciosos, cochichos suspeitos, ao largo, davam a letra da vilania. Ainda mais que nos denunciamos como vindos da baixada.

Era época da macrodrenagem. Os sapatos nos delatavam. Traziam um contorno bem marcado por um cordão de laminha seca, resultante dos breados que tínhamos que atravessar pelos regos de rua aterrados, até chegar no asfalto. Àquela ocasião, era tudo na piçarra. Dava uma chuva e ficava aquele liso melado por uns bons estirões. Imagino que os colaboradores do restaurante, acostumados com outras peles, roupas e jeitos, quando viram aquele neguinho entrar com uma pequena até jeitosa e, todo garboso, ocupar uma mesa, logo que miraram nos sapatos. Identificaram um intruso, peão melhorado, um zinho apresentado só querendo ser o que a folhinha do ano não marca. E toma-te sal. Para causar aquele clima de nunca mais voltar lá mesmo, como de fato, não voltei.

“Eu acredito que o mundo será melhor...”

O tempo me mostrou que há uma distância inquietante dos versos da canção, numa reunião exclusiva e fervorosa de jovens, para os reais contornos sociais, ou os sentimentos subcutâneos de nossa apartada humanidade. Não nos damos com nossa parelha. Nos esquivamos das semelhanças o quanto podemos. Optamos pela disputa aos primeiros movimentos de uma convivência, ao contrário de rumarmos à partilha, à compreensão e à aplicação das similaridades. É só ver, todo abençoado dia, as menções de parceiros que pisam no pescoço da mãe para alcançar algo, ou reduzem a nossa importância, o nosso relevo, nos ombreamentos táticos pela sobrevivência, seduzidos pelo sistema, domados pela competição. Aqui ali, a gente flagra gente humilde abrindo bolsa de gente humilde em lojas de departamento. Constrangendo, humilhando.

A canção que cantávamos na igreja, apelava para que os pequenos e iguais se reconhecessem, e caminhassem juntos em busca de um mundo melhor. O projeto macrodrenagem resolveu o desconforto da laminha nos sapatos e asfaltou as ruas no entorno da Escola Salesiana. Até hoje quando me convidam para ir a uma pizzaria, me tremo todinho.

domingo, 10 de dezembro de 2023

crônica da semana - Durval, comprou?

 Comprou, Durval?

A gente tá bem assim, começando a semana, dia chuvoso, dezembro mostrando pra que veio, ressaca de mais uma pixotada do Botafogo, força, fé e foco na segundona. Nem seu Souza para o acaso, e com umas boas pautas na biqueira de se tornarem o tema da crônica da semana. Até que uma carapanã atentada de início de noite vem com beira e ataca. Sofro. Me tira de rota. Num pulo, vou atrás do remédio pra tratar a bicha. À primeira e dolorida ferroada, fechei tudo e joguei o produto em cada canto do quarto, na certeza de uma gotinha nociva acertar as contas da sacrista.

Enquanto o veneno agia, dei um tempo na sala, tomei uma aguinha, puxei prosa com a família sobre o friozinho do dia, arrisquei uma zapeada na TV aberta. E que surpresa! Dei com a exibição de Durval Discos, filme que marcou com graça, humor e uma inusitada apreensão, a nossa família, ainda nos tempos das crianças pequeninas, na Vila dos Cabanos. E foi assim, a modo de uma surpresa agradabilíssima para arrematar a cena da injustiçada segunda-feira.

O filme é de 2003. Já assisti em outros meios, tenho o DVD, mas assim no repente de uma olhadela despretensiosa no encarreirado de canais da TV, tem outro valor. O impacto é potencializado por um singular chamamento. Pelo caráter do encontro, sem aquela agenda liminarmente determinada, sem o dolo de um programa marcado no tempo e na decisão, o fato da gente ficar de palmo em cima com um filme tão notadamente marcante, parece uma coisa né. De alma, de sentido oculto. Por aí a gente tira: não é a gente que escolhe o filme. O filme é que escolhe a gente.

Foi logo que deixei a pauta pra outra hora, desencanei da carapanã encurralada sob torturada de uma arma química lá dentro do quarto e me ajeitei ante a telinha. Vi tudinho de novo. Renovei as risadas, fiz menção de espanto quando o roteiro dá uma guinada, cantei junto com os personagens, todas a músicas da trilha, e em especial, dei um reforço grave à voz de Zé Rodrix em Mestre Jonas. Fiz eco em todos os bordões que, inclusive herdamos e utilizamos até hoje nas nossas prosas em família. Pérolas como a do vendedor da loja, “bicicleta a gente não embrulha”; Ou na retórica do personagem principal tentando convencer um cliente a desistir do DVD e comprar um vinil, “Dá pra ver a faixa... e tem o lado A, e tem o lado B”; E na profunda, substanciada, nervosamente prática pergunta que a mãe fazia para o filho cada vez que um cliente saía da loja de discos, “comprou, Durval?”. Esta pergunta ganhou outras roupagens aqui em casa. Toda vez que alguém sai em uma missão, quando volta, não indagamos na objetividade da tarefa. Inquirimos com estilo: comprou, Durval? O sucedâneo da resposta vem bordado de simbologias.

E são essas preciosinhas histórias que se transformam em sentimentalidades poderosas dentro da gente, quando cai essa chuvinha doce na chegada do dezembro.

É o mês que me traz uns chiliquitos de emoção. Pode ter por base o espírito natalino, é provável, mas tenho pra mim que me amolece as razões, me atiça as sensibilidades, também por causa do choque térmico. A gente sai de um calorão amazônico úmido e desliza, num trisca, para a friagem e a chuvinha intermitente. Um blend de motivos que nos confina em casa, nos inspira doces lembranças, nos envolve em nostalgias. E ainda tem a ajudazinha da carapanã que nos atenta a vida, nos tira da lida e nos coloca diante das maravilhosas e duradouras invencionices que se criaram em família, nos acompanham e nos divertem. Quando vi que tava passando o filme, chamei minha galerinha pra ver comigo. Passei zap avisando meu filho, que mora em outro bairro. Dormi alegre e satisfeito com a eficácia psicológica desta rememoração.

No outro dia, quis saber se meu filho viu todo o filme. Liguei e perguntei no costume da graça: comprou, Durval? 

domingo, 3 de dezembro de 2023

crônica da semana - parece que vai chover

 Parece até que vai chover

Guardo esta lembrança desde que tempo. Era uma rotina. Eu estudava na Aparecida e minha mãe trabalhava no período da tarde em uma padaria na esquina do Museu. Era o custo de passar um pouquinho de meio-dia para eu me envolver em aperreios, em apreensões ante as nuvens se formando no céu. Recorria ao pragmatismo da fé. Rezava a seguinte reza: ‘Senhor, fazei com que esta chuva caia somente depois da mamãe pegar o ônibus e que dê tempo pra ela chegar ao trabalho e também peço que me ajude para que ela arrie apenas depois da batida da campa de entrada na minha escola. Espere, meu pai, que estejamos abrigados e protegidos. Depois, depois pode descer o pampeiro’.

Confesso que essa não era uma boa prática ou não representava uma relação global assumida com o clima. Era sim uma aspiração extremamente individualista, ou no mínimo, restrita a um mundo composta apenas por mim e minha mãe. Mas no fundo, no fundo, mostra uma rotina de contato que teria por toda vida, com os humores do tempo.

Mais tarde, já na lida como Técnico em Mineração e Geologia me convenci de que deveria, se não ter o domínio, ao menos reconhecer as variações climáticas pois que do contrário, meu trabalho corria o risco de ir pras cucuias. Temos então, eu e os padrões de chuva e estiagem, aqui nos limites amazônicos, uma certa parceria.

Por isso, quando olho para os cenários meteorológicos que se revelaram este ano, nem maldo. Quedo-me às incertezas comuns a este tema, revisito experiências de anos passados, procuro interpretações globais para anomalias identificáveis (como o El Niño) e fico na minha, só na mutuca, tentando entender. E tentando projetar. Afinal a minha rotina ainda depende dos repentes do tempo, seja para estratégias no campo profissional, seja para ir ali na esquina comprar pão. Só que para agir, desenvolver tarefas ou engenhar planos, temos que nos liberar de patrulhamentos e conservadorismos. Afinal, todo o conhecimento é válido. Cabe nos dobrarmos à ciência, à vivência, aos saberes populares.

Para ilustrar, conto um causo que aconteceu em Altamira comigo. Era o tempo dela e com ela, tinha vez que nem adiantava sair com minha equipe. A chuva, pelo comum, vinha pela parte da tarde, o que nos garantia pelo menos meio período de trampo produtivo. Mas tudo podia acontecer, era este o meu entendimento. Ao amanhecer, então, depois do café, olhava pro céu, avaliava a textura, a cor, a densidade das nuvens, observava os passarinhos, o farfalhas das folhas ao longe, na mata e decidia se a equipe saía ou não pro campo. Deu-se então, que numa ocasião, avaliei que deveríamos ficar. Faríamos atualizações de escritório, descrições e mapeamentos dos dias anteriores. Não iríamos ficar parados, esperando o tempo passar. Quando comuniquei pelo rádio minha decisão para minha gerência, tomei aquela bronca. Enfaticamente, fui orientado a reunir a equipe e me mandar para as frentes de trabalho (que ficavam a pelos menos uma hora de caminhada). Acionei a turma, arrumamos as tralhas e caímos no trecho. Não deu outra. Não percorremos nem a metade do caminho, o pampeiro arriou com beira. Não deu tempo de armar os abrigos. Tentamos voltar. Mas uma tromba d’água levou embora a ponte que nos ligava ao acampamento. Ficamos largados. Nos virando embaixo de árvores ou locas de pedra, encharcados, equipamentos e documentos inutilizados. Quem arriscou, sofreu com as dificuldades no trajeto de volta. Tivemos dois acidentes por escorregões e queda. O grosso da turma chegou ao acampamento, já de noitinha, após a chuva dar uma trégua. Estiolados, cansados e com fome.

Em mim ainda vinga a prudência e impressões catadas dos boletins da meteorologia casados com a vivência. Minha avó saía pro terreiro observava os sinais e nos alertava: parece até que vai chover.