sábado, 30 de junho de 2018

crônica da semana - neblinado


Hoje o dia tá neblinado, menino
Lá no início de junho, houve d’eu fazer um trabalho extra no sábado. Cedo peguei a alça viária no rumo de Barcarena. O cenário, na estrada, nas primeiras horas da manhã era de filme europeu. Uma neblina compacta tomava conta da paisagem e de tal forma, que por vezes a gente percebia a estrada, as árvores da beira, as casas, as pequenas vendas da margem, tudo desaparecer na densa fumacinha branca.
Aquela viagem me ajudou a tomar decisões. Para algumas atividades que desenvolvo, preciso de dias enxutos, sem chuva. E ao contrário do que possa parecer, neblina é sinal de que o sol farto vem vindo por dias e dias.
Mas foi bater e ver. Daquele dia em diante as chuvas rarearam e pegamos dias encarreirados de muito sol. As manhãs se iluminaram mais cedo, a roupa no varal secou só do trisca, a rotina se alterou para aproveitarmos melhor o tempo, e no trabalho a coisa rendeu que foi uma maravilha. Ponto pra mim.
Nada porém de pensar que eu sou o metidão, o sabichão que até do tempo dá vencimento. O José do Egito do quarador. Não se trata. Digo que faz parte do aprendizado da vida. Esta leitura diferenciada da neblina vem de longe. Vem de Rondônia e o grande professor foi um Técnico de Mineração do Rio Grande do Norte por nome Mário Rocha.
Foi meu companheiro, naquela fase primeira de adaptação na mineração. Morávamos na mesma casa e todos os dias saíamos juntos para o trabalho. Antes de chegar na mina, a gente inspecionava algumas barragens que supriam o sistema com água de processo. Mário tinha grande preocupação com o nível da barragem. Manter aquela água era fundamental para a operação.
Era um técnico de primeira linha. Comandava uma planta flutuante, equipamentos complexos, equipe refinada. Além de tudo tinha percepção. Como se diz hoje, tinha feeling. Durante o período chuvoso que, em Rondônia, corresponde ao mesmo nosso aqui, tudo tranquilo. Água à beça. Mas quando chegava nesta época, final de maio, uma nevinha branca aparecia sobre a lâmina d’agua. Mário acendia a luzinha. Os dias amanheciam opacos, a mais pura neblina. Era o aviso. Quando a gente dava fé, o sol estava de rachar e o nível da água nas barragens começava a baixar. Era hora da ação.
Durante anos usei a técnica da neblina para pautar as minhas ações profissionais. Mesmo fora da mineração, como agora, ela me vale, ora se não.
Deste aprendizado, também lanço mão para programar a vida. A neblina traz o sol mais presente e com ele, o calor de correr doido. Aqui em Belém a gente sentiu logo. Só vejo é a geral reclamando. Já lançaram até na internet a imagem de um ovo fritando em pleno asfalto da antiga Tito Franco.
O que se dá é que sendo fake o ovo estalado ou sendo crença mundana e informal as minhas convicções sobre a neblina, acredito no feeling, no faro e no meu jeito. O entrelaçamento desses eventos (neve branca na estrada, ovo estalado, calor de correr doido) pode não ser o algoritmo determinante para a vida de muitas pessoas. Para mim, vale. Boto fé, arrumo as malas e parto de férias.
Vou dar um tempo dessa sauna de Belém. Nos vemos mais logo.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

                               Foto Amaranta Maria

sexta-feira, 22 de junho de 2018

crônica da semana - raiz quadrada

A raiz do problema
Ano passado comecei a fazer um curso de Física on line ofertado pela USP. De grátis. Obviamente, um devaneio. Um homem já de barba branca, pai velhinho de família, ocupado com os colírios e com a lida diária, se metendo com esses estudos apavorantes.
Pior. Eu acho que isso é uma doideira mesmo. 
É muito querer arrumar sarna pra se coçar. Mas tem o lado bom da força. Vai que o vento bate, eu me ache um cientista dos mais aquilatados e descubra o áureo cintilar das moléculas da felicidade. Seria um marco. Uma realização. Uma esperança Física para os encalacres da humanidade.
Enquanto não alcanço a excelência acadêmica, e nem a fórmula do bem viver quântico, vou fazendo os módulos e respondendo pendências antigas. Ainda tenho na memória o mico que paguei no primário, na Escola da igreja Aparecida. Fosse hoje, diria que a prova era sobre os conceitos iniciais de função. Mas foi há uma pá de tempo e as questões eram sobre conjuntos. Uma questão complicada pedia que ligássemos as figuras de um conjunto A, com outras do conjunto B. Não sei o que me ocorreu, que liguei tudo errado. Minha média foi lá pra baixo. Naquele ano, passei me esfregando mesmo no chão, por causa dessas patetices e pela confusão que fazia diante das perguntas de contém ou está contido; pertence ou não pertence. União ou interseção. Foi uma luta varar a teoria dos balõezinhos com figuras dentro.
Mais tarde, já além dos quarenta anos, me deparei de novo com um retumbante fracasso. Novamente as funções, ilustradas agora com as derivadas e o teorema fundamental do Cálculo. No frigir dos ovos, tinha que relacionar novamente e, dessa vez, apelando para as ferramentas abstratas, um elemento de um conjunto fulano à imagem dele, no dito conjunto sicrano (as tais éfe de xis). Dessa feita, aconteceu d’eu experimentar a nota mais baixa da minha vida de estudante. Mais baixa até que a outra da Aparecida. Na linguagem matemática foi um número n < 1. Bem menor. No limite do zero. Passei um tempo escondendo esta prova dos meus filhos, revelo. Não queria ser um mau exemplo.
Eis que depois de outro tanto de tempo, neste curso da USP, diante de explicações fáceis de entender, e exemplos simplesinhos, me dei conta que aprendi alguma coisa. Vibrei por sacar na vera o que significa aquele ‘dx’ que aparece sempre na notação de Integral.  E fiquei mais alegre do que pinto no lixo quando, com o meu próprio charme, deduzi a equação de Torricelli integrando uma constante (e lixo é o que não falta na cidade).
Grandes mistérios sobre os conjuntos eu aprendi neste curso da USP, ele me ajudou a exorcizar uns diabinhos que me acompanhavam desde a Aparecida.
Entusiasmado, acessei alguns vídeos para agregar. Encontrei um de uma portuguesa de 18 anos que, ora, ora, depois de uma vida toda, me apresentou um jeito fácil de achar a raiz quadrada de qualquer número. Além do sotaque pra lá de engraçado, a garota me apareceu como umas das poucas pessoas que conheci, que sabe fazer esta conta. Sabe achar a raiz do problema. Só falta agora eu descobrir os áureos cintilares da felicidade.

sábado, 16 de junho de 2018

crônica da semana- grande sertão


Amar e outros medos parte VI
Tem coisas que a gente só de ouvir falar, se treme todo, né. O romance “Grande Sertão: Veredas”, durante muito tempo me deu tremeliques e chiliquitos. Fugia dele como o chifrudo foge da cruz. Ouvia e metabolizava vaticínios sentenciando que eu não iria entender nada. Que a leitura era difícil. Comparações intrincadas me faziam pirar de medo. Certa vez, de um entendido, ouvi dizer que Guimarães Rosa era o Shakespeare de Cordisburgo. Pronto. Imaginei ter ou não ter aquele escritor que nasceu em uma cidade que traz o coração no nome, um jeito indecifrável de contar suas histórias. Eis a questão. E pra que lado do mundo ficava Cordisburgo mesmo? Algo de podre havia naquele reino de temores e covardias.
Nunca li Shakespeare no original, enveredei pelas traduções e entendi a alegoria de Hamlet como um dos maiores toques da arte, na vida. Leva a empatia. Tirante o inglês, o que se torna e o que se deixa é que quando o coração é triscado, tudo fica mais fácil. Há de se ficar atento ao movimento. Porque por mais codificada que seja a narrativa, por mais ocultado seja o significado e por mais objetado se forje o significante, quando bate às portas da cidade do coração, tudo se desvela. O que é fluido aflora; o que é opaco transparece-se, o que é denso e fechado liberta-se. E a gente que ama as armadilhas de uma narrativa, na hora que chega naquela página em que se inicia a luta terminal entre Diadorim e Hermógenes, nesse instante, a gente reconhece a linguagem do amor. E entende tudo.
Guimarães Rosa é um escritor refinado. Articulado na forma de escrever, apegado a dizeres mundanos submersos, meticuloso artesão de discursos solitários. Avia-se bem, falando sozinho e em desenrolares verbais pródigos, seriados em lógicas de aventura e tensão.
É verdade. Tinha passamentos ao menor movimento de catar o livro da estante e iniciar a leitura de “Grande Sertão:Veredas”. Até que um dia, decidi.
Como diz o poeta Daniel Leite. A cada palavra, uma fragmentação, um vazio silencioso. Cheio de sussurros ocos, dores vazadas e sofrimentos que transladam no tempo, no espaço, nos sertões. A cada vazio, a contradição em espera. A inquietação vem daquele silêncio ruidoso levado pelo vento penitente que sopra margeando o São Francisco, para dentro de corações brutos.
A história de um sertanejo solitário soa sempre no silêncio (ou quando muito, num zunido de bala). Na espera. A única vez que a leitura difícil, às vezes técnica, analítica demais, se depara com um ecoar verdadeiro... O momento decisivo em que se percebe um som altivo e veloz, é quando a voz do coração se propaga em tucotucos comoventes. A passagem em que Diadorim é abatida por Hermógenes ao final de sangrenta luta é algo de tão emocionante e forte que não se traduz pela força do desfecho na aventura dos jagunços. É imensamente enternecedora porque revela um amor impossível, um amor proibido nas veredas, nos sertões. Nesse instante, a gente faz um intervalo tático na leitura, fecha brevemente o livro, sente as lágrimas brotarem dos olhos e percebe que entendeu tudo daquele livro que tão difícil era.


quinta-feira, 14 de junho de 2018

crônica remix - cláudio cardoso


Crônicas para Belém
Tenho ouvido coisas...
Tinha o Cláudio Cardoso como romancista e poeta dos bons. Com um quê a mais: não é só do riscado, não. Tem uma pegada para a poesia falada. Um pendor ímpar para declamar poemas. Fico impressionado com a memória e o discernimento ao declamar poemas longos, principalmente aqueles pautados em cordéis ou rimas encarreiradas. Quando vem aqui no Sarau do Quintal, dá um show. Diga-se até, que Cláudio é sócio-fundador do Sarau que fazemos em casa há quase dois anos. Empresta seu talento, notabiliza-se pelo suprimento de vinho, e arrisca machucar o couro do tambor, nas nossas rodadas mensais de samba e poesia.
Desde 2013, estamos ombreados na produção literária, também. Meus dois últimos lançamentos, fiz com a editora do Cláudio. Para mim, foi um salto e tanto. A parceria me rendeu bons resultados.  Saí de umas tentativas amadoras, um tanto românticas, de produção, para um patamar mais aquele de elaborado. Montei times de responsa, busquei patrocínio; fiz divulgação, cacarejei sobre minhas obras, bati perna na imprensa, cisquei pacas nas mídias sociais. Sob a batuta do Cláudio, migrei de 10,  20 livros vendidos, para parentes e amigos, nos lançamentos que fazia antes, na Feira do Livro; para mais de 200, nas duas recentes edições. Alcancei um número bem maior de leitores, neste novo jeito de publicar. Não sou mais um traço na estatística literária, me acheguei aos bambambans, fiquei ali, bafejando o cangote dos mais lidos, dos mais queridos, graças aos talentos empreendedores de Cláudio Cardoso. E confesso sem nenhum remorso, que para este retirante do condado do Xapuri, ser mais conhecido, é muito bom. Ah, como é.
Tenho ouvido coisas que me deixam pávulo, pávulo...
Nas prosas que entabulamos pelos saraus da vida, descobri o Cláudio Cardoso, também como moleque pedreirense. Nos reencontramos explorando os corredores do Mercado Municipal e fazendo carretos de entregas pelas baixadas da Pedro Miranda. Reconhecemos nossas pegadas, nos caminhos sedutores que levavam às águas friinhas do igarapé do Zé, do Três Tubos. Nos descobrimos simpáticos às mesmas desobediências juvenis, como as sessões proibidas do Paraíso, ou uma errada noturna pelas esquinas boêmias da Angustura, da Lomas. Tudo escondido da mãe. Mas nossa conjugação, o nosso acerto de memória mais aprazível é aquele que nos coloca frequentando a piscina do Satélite, nas tardes distantes de uma Belém, ainda apegada à primeira légua. Cláudio é o testemunho fiel e inquestionável de que aquele ambiente molhado sacudido pelo Carimbó não é uma criação do meu cocuruto. A piscina do Satélite existiu mesmo.
Cláudio está totalmente empenhado agora, no lançamento de um livro em homenagem ao quarto centenário de Belém. A “I Antologia de Crônicas – Belém 400 anos” está no jeito. Conta com uma plêiade de escritores talentosos e que traduzem o amor pela cidade em textos encantadores e verdadeiros.
Tenho ouvido coisas que me deixam pávulo mesmo. No sarau que a gente fez no início de dezembro, Cláudio tomou a palavra, apresentou o projeto da antologia, e discorreu sobre os motivos que o levaram a pensar a crônica como forma literária de homenagear Belém. Quando acabou de falar, meus olhos estavam marejados. Muita emoção.
A crônica de final de ano é uma homenagem a este cara batalhador, competente, poeta refinado. Que me deu a honra de participar de um livro que homenageia Belém, a cidade que amo. Ao Cláudio Cardoso, desejo que o ano novo traga muita luz para a “I Antologia de Crônicas – Belém 400 anos”. Para todos nós, toda arte, saúde e paz.



sexta-feira, 8 de junho de 2018

crônica da semana - Brasillll


Brasil Raimundo, rimas e soluções
Fui um moleque de rua. Topava qualquer brincadeira, me metia em todos os jogos, porfias e competições. Mas a única modalidade que eu me dava bem mesmo era no futebol.
Teimava. Fazia número nas outras. Fura-fura, eu só jogava o estilo neném e vivia pegando trancas insuperáveis. Peteca, me juntava aos molequinhos menores pra ver se ganhava umas no queixo. Papagaio, era só vontade, já me dava por alegre e satisfeito em levar a uma certa distância, para os outros moleques, na delicada operação de botar no ar. Brincadeira de correr até ali, me faltava logo a suspiração; de jogar pedra, eu gostava mais do convite faceiro: “bura brincar de jogar pedra!”, e da frase de aceite: “Bura!”. De resto, era uma brincadeira que me enfadava. Bandeirinha, eu vivia colado. Cemitério, morto.
Ao ingressar na Escola Técnica, a gente tinha que escolher um esporte para praticar. Não tinha futebol, porque antes, mundo e meio dos alunos escolhia futebol, daí, tiraram da grade. Optei pelo vôlei, um esporte novo que meu professor, querido pacas, Serginho, fez que a gente se acostumasse a chamar de Volibol (era escrito assim, na nossa camiseta de Educação Física, abrasileiradíssimo). E olha que me dei até bem, com meus 15 decímetros de altura, esforçadíssimo ali na saída de rede (bem na saída, já quase do lado de fora).
Teimava, mas não tinha jeito. Meu negócio era o futebol. A minha rua era um celeiro de moleques bons de bola. Veio o Internacional da Mauriti. As conquistas. O reconhecimento: tinha garantido passagem de ônibus, chuteira, dois chopes de groselha ou qualquer um regional, depois dos jogos. Ganhando ou perdendo. Veio o assédio (estive com um pé no Paysandu e era paparicado pela turma do Tiradentes). Faltava aula, trabalho, deixava a gatinha esperando no muro da estância que ficava no escurinho da Marquês, por uma partida de salão no Ouro Negro ou na quadra do Alegria. Até hoje, sou apaixonado. Foi-não-foi, compro uma bola para minhas embaixadinhas no final da tarde (faço ainda 50 com os dois pés, sem cair no chão, na maior caté). Por vezes sou tomado por desejos incontroláveis. Quando passo na loja e vejo uma bola em exposição, ou quando me pego apreciando jogos da molecada na rua. Dá logo uma vontade. No caso da pelada, rola uma liga. Torço para que a bola saia de campo e venha bater em mim. E se acontece, não devolvo pro jogo sem fazer umas firulas. A petizada pira. “olha o tio, olha o tio...”.
Mas reina um banzo, nessa época de copa do mundo. Percebo a nítida apropriação desta paixão, pelo sistema. Rola a sutileza do pão e circo. Concretiza-se a versão de que o futebol é um ópio poderosíssimo. A mim me dói o coração, ver a manipulação da nossa cultura, da nossa história de moleque, e de muitos sonhos. Hoje mais ainda, quando a gente vê jogadores riquíssimos assumindo posturas e idéias esquisitas, virando as costas para a magia do futebol e mergulhando na soberba da fama fugaz.
Sou um apaixonado pelo futebol, mas sinceramente, hoje mais que a seleção, me interessa o Brasil Raimundo, rimas e soluções.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

                               Peruana

sábado, 2 de junho de 2018

crônica da semana - TCC


TCC em Beja
Estava decidido. A praia de Beja, em Abaetetuba, seria o cenário de meus estudos. O objetivo era reproduzir, ou pelo menos, induzir as pessoas a imaginar fenômenos grandiosos se realizando ali na nossa frente, possíveis aos nossos sentidos. Meu TCC teria um caráter educativo, com viés lúdico, permeado de ciências que estimulassem a criatividade, a abstração, o entendimento e a intimidade com os casos geológicos mais radicais. Seria como se os acontecimentos naturais que ocorrem em escala planetária, se mostrassem todos, na integridade dos seus detalhes mais sublimes, ali, na praia de Beja.
Faz tempo que não vou lá, mas, tirando os vagos da lembrança, podemos tomar a igreja como referência. Saindo dela, um caminho ia dar na praia. O meu trabalho se desenvolveria neste trecho. À época, era marcado por um barranco capeado de pedras vermelhas e duras, no topo. Depois o caminho se harmonizava em baixa inclinação, e ao final, antes de chegar na praia, se ramificava em desvios sulcados, discretas rachaduras entrelaçadas. Este desenho, em pequena escala, imitava certinho o percurso que o rio Amazonas faz desde a nascente até a foz. Lá em cima, perto da igreja, seria a cordilheira dos Andes, de onde o Amazonas despenca com muita energia, escavando as rochas em vales encaixados e profundos. Em Beja, a coleta de água do grande telhado da igreja, fluindo das biqueiras, adicionada a outras contribuições das casas próximas, formava um grande rego que ia cortando a laterita, barranco abaixo. Escritinho o Amazonas lá pras bandas das montanhas. Água de tanto bater, vai furando as rochas e o Amazonas quando se deita sobre a floresta já traz uma imensidão de detritos, areias, argilas, cascalhos retirados do maciço andino e chega ao Brasil embarreado e batizado de Solimões. Essa transformação a gente vê também, no aplainado ao pé do barranco, em Beja. Forma-se nessa área uma região de pouca queda e a gente percebe, além do fluxo constante, mas de pouca velocidade, a formação de pequenas poças toldadas, margens com acumulações de areia; em outros cantos, concentração de pedras maiores, sem muita força para seguir viagem. Aí a gente fecha os olhos e se convence de um grande ‘pra dizer’. Pra dizer que ali é a nossa encantadora planície!
O fim de todo o rio é o mar. E este é mais um ambiente que meu trabalho procuraria traduzir. Ao final da nossa liliputiana planície, surgiria a praia. Um grande final para um enredo líquido. A água da biqueira da igreja, após alguns minutos de viagem chegaria à baía do Capim e entregaria envaidecida a ela, nossa breve história da Terra. Assim como o Amazonas, soberano, entrega ao mar, partículas sólidas de nossas vidas ribeirinhas.
Quando abandonei o curso de Geologia, há dez anos, estava cursando uma disciplina que fala sobre essa dinâmica de rios e corações. Durante as aulas, decidi sobre o meu TCC. Tinha a intenção de trazer o fascínio da Geologia para mais perto das gentes. Se meu TCC tivesse vingado, por certo, nesta semana em que se comemora o dia do Geólogo, eu me sentiria um cara realizado pacas e tomaria todas.