Hoje o dia tá neblinado
É coisa bonita de ver, da mesma forma que é
difícil de entender. Eu faço juízo e dou reparo, olha, vou abeirando,
imaginando, dando voltas, aceitando o que se mostra à vista e o que a ela não se
revela.
Parece até um pensamento revés, atravessado, mas
a neblina, em várias oportunidades mostrou-se para mim anunciando o verão, prevendo
os igarapés secando até um reguinho só, adivinhando lagoas se acomodando em uma
folhinha assim de água. E é mesmo. Pela regra, pelo dito da ciência e pelos
enredos da natureza, a neblina, é sinal de tempos secos. Aquela fumacinha
branca é água evaporando. Esfriando o fervido em silêncio rés-o- chão.
Verificava isso quando trabalhava em mineração.
Fazia reservatório de água durante a primeira metade do ano. Quando chegava por
essa época, começava a aparecer aquele vaporzinho de manhãzinha, estacionado
sobre o leito do lago. Passava um dia, outro, semana, mês e a gente ia
constatando o nível do reservatório caindo. A gente deduzia que uma coisa tinha
a ver com a outra. Não maldava da Física do fato, nem dos enlaces teóricos, mas
o solzão que se animava depois ajudava nas conclusões.
A primeira vez que vi a lagoa coberta, fiquei
fascinado e ao mesmo tempo curioso. Os mais experientes me adiantavam os
segredos daquele embranquiçamento do ar, mas eu não acreditava. Ocorria no
friozinho da manhã, como já, podia ser evaporação? Custou para eu aceitar. Só
quando eu vi o processo da mina reclamar da falta d’água, os técnicos fazendo
das tripas coração tentando garantir fluxo suficiente para tocar a produção, e
o nível lá no finzinho da cava, é que me convenci. A neblina era um aviso para
que a gente se aviasse nas reservas e provisões.
A neblina, ou como a chamo intimamente, a nevinha
é uma nuvem que se forma bem próximo à superfície. Resulta da combinação do
calorão do dia com o resfriamento noturno do ambiente. Se a gente prestar
atenção é igualzinha mesmo à nuvem do alto do céu e tem uma hora que até chove.
A neblina é uma chuva de gotas pequeninas, bem pequenininhas e constantes.
O rios sentem o calor. A gente sente. A floresta
sente. O coração sente. A estiagem anunciada pela fria neblina esturrica solos,
resseca humores, calcina amores.
O peito de esvazia. O amor evapora. Uma luta
dentro da gente se inicia atroz, não queremos ser ocos, cheios de nada. A lagoa
agoniza. A alma clama. A água que some dos lagos, brota salgada dos olhos de
quem ama.
É o sol ardente no alto. As fontes de amor e de
água entregam-se estéreis a pequenas esperanças. Um fiozinho de água correndo
entre os açaizeiros é dádiva e alento. Um aceno, um olhar, um beijo molhado em
meio aos escondidos da mata, é presente divino, é prazer líquido.
É agosto. Vou espreitando a alta umidade relativa
do ar. Poetizando o que se mostra à vista e o que a ela não se revela.
Mesmo abeirando, não aceito sina ou segredos. Aquela
nevinha pairando sobre a lagoa e levando a água dos peixes. Molécula, gotas pequeninas.
É a estiagem chegando. Hoje o dia tá neblinado. Não. Não me deixes, meu amor,
ficar com sede de ti.