sábado, 30 de julho de 2016

cônica da semana - neblina

Hoje o dia tá neblinado
É coisa bonita de ver, da mesma forma que é difícil de entender. Eu faço juízo e dou reparo, olha, vou abeirando, imaginando, dando voltas, aceitando o que se mostra à vista e o que a ela não se revela.
Parece até um pensamento revés, atravessado, mas a neblina, em várias oportunidades mostrou-se para mim anunciando o verão, prevendo os igarapés secando até um reguinho só, adivinhando lagoas se acomodando em uma folhinha assim de água. E é mesmo. Pela regra, pelo dito da ciência e pelos enredos da natureza, a neblina, é sinal de tempos secos. Aquela fumacinha branca é água evaporando. Esfriando o fervido em silêncio rés-o- chão.
Verificava isso quando trabalhava em mineração. Fazia reservatório de água durante a primeira metade do ano. Quando chegava por essa época, começava a aparecer aquele vaporzinho de manhãzinha, estacionado sobre o leito do lago. Passava um dia, outro, semana, mês e a gente ia constatando o nível do reservatório caindo. A gente deduzia que uma coisa tinha a ver com a outra. Não maldava da Física do fato, nem dos enlaces teóricos, mas o solzão que se animava depois ajudava nas conclusões.
A primeira vez que vi a lagoa coberta, fiquei fascinado e ao mesmo tempo curioso. Os mais experientes me adiantavam os segredos daquele embranquiçamento do ar, mas eu não acreditava. Ocorria no friozinho da manhã, como já, podia ser evaporação? Custou para eu aceitar. Só quando eu vi o processo da mina reclamar da falta d’água, os técnicos fazendo das tripas coração tentando garantir fluxo suficiente para tocar a produção, e o nível lá no finzinho da cava, é que me convenci. A neblina era um aviso para que a gente se aviasse nas reservas e provisões.
A neblina, ou como a chamo intimamente, a nevinha é uma nuvem que se forma bem próximo à superfície. Resulta da combinação do calorão do dia com o resfriamento noturno do ambiente. Se a gente prestar atenção é igualzinha mesmo à nuvem do alto do céu e tem uma hora que até chove. A neblina é uma chuva de gotas pequeninas, bem pequenininhas e constantes.
O rios sentem o calor. A gente sente. A floresta sente. O coração sente. A estiagem anunciada pela fria neblina esturrica solos, resseca humores, calcina amores.
O peito de esvazia. O amor evapora. Uma luta dentro da gente se inicia atroz, não queremos ser ocos, cheios de nada. A lagoa agoniza. A alma clama. A água que some dos lagos, brota salgada dos olhos de quem ama.
É o sol ardente no alto. As fontes de amor e de água entregam-se estéreis a pequenas esperanças. Um fiozinho de água correndo entre os açaizeiros é dádiva e alento. Um aceno, um olhar, um beijo molhado em meio aos escondidos da mata, é presente divino, é prazer líquido.
É agosto. Vou espreitando a alta umidade relativa do ar. Poetizando o que se mostra à vista e o que a ela não se revela.

Mesmo abeirando, não aceito sina ou segredos. Aquela nevinha pairando sobre a lagoa e levando a água dos peixes. Molécula, gotas pequeninas. É a estiagem chegando. Hoje o dia tá neblinado. Não. Não me deixes, meu amor, ficar com sede de ti.

sábado, 23 de julho de 2016

crônica da semana - Bragança

Bragança é meu caminho
Tudo em Bragança custa o tempo máximo de cinco minutos. Daqui pra’li; de lá, pra cá. A pé, de ônibus, de carro, bicicleta. Este é um dos mistérios mais agradáveis, mais aprazíveis da cidade. O tempo não dói.
A mais próxima lembrança que tinha de Bragança datava de época da Escola Técnica. Esta lembrança marcava bem mais de cinco minutos no meu cocuruto. Este ano reativei meus apegos ao Caeté e renovei em incontáveis páginas, os mais belos sentimentos e cenários que Bragança exibe.
A expressão mais afiada do espírito bragantino me foi revelada pelo jornalista Edson Coelho, companhia imprescindível no aprendizado sobre a Pérola do Caeté. Inúmeras vezes, Edson deixou-se reconhecer apaixonado pela cidade. Discorreu sobre os encantos de Bragança, a história, a controvérsia saudável de ser mais antiga que a Belém quatrocentona e, certeiro, elencou as melhores inspirações: o melhor salgadinho, a melhor sopa, o melhor igarapé, a melhor galinha caipira, a melhor hora na beira, o melhor peixe, o melhor PF na barraca da Bacana e mais importante ainda: os melhores bares. Todos os atrativos devida e prazerosamente experimentados.
Uma benquerença instantânea e indiscreta aflorou de mim e o chamego com cidade não teve freio. Fiz o que mais gosto. Explorei, cavuquei os cantinhos. E encontrei uma cidade de traçado interiorano com ruas estreitas, calçadas mais estreitas ainda orientando um caminhar seletivo, pela sombra: ora de um lado, ora do outro. A ordenação arquitetônica surpreende pelo ecletismo, pela tolerância entre o moderno e o antigo. Na mesma rua em que encontramos construções coloniais com pé direito alto, azulejos portugueses ornando a fachada, platibandas escalonadas, e oratório de São Benedito à entrada; topamos também com fachadas em linhas ortogonais, alpendres ladrilhados, telhados multidirecionais, e vigas ornamentais flutuando sobre espaços silenciosos. O centro histórico de Bragança encanta. Como todos o centros históricos deste Brasil varonil, apresenta passivos graves, débitos imperdoáveis. Alguns prédios clamam por reparos, mas dá pra perceber o zelo e a vontade de preservar a memória da cidade. E a boa da hora: um silêncio! No trecho em que nos abrigamos não nos incomodamos com nada. Liquidificador do vizinho, vitrola tocando arrocha, cachorro ladrando sem quê nem pra quê, armador de rede gemendo. Nada dessas pechas da cidade grande a nos enfadar. Graças!
E se a gente tirar mais uns cinco minutos, chegamos em Ajuruteua. No caminho uma constatação: o mangue, à margem esquerda da estrada, arfa ainda. O investimento na recuperação não veio e a natureza, por si, tenta reerguer-se. Regenera-se, mas ainda timidamente. Na linha de praia, a natureza foi persuasiva. Ainda está na memória dos moradores os dias de grande devastação. Pousadas vieram abaixo. Bares foram arrastados. Uma onda daqui, outra dali. Vivas na memória. Ajuruteua tenta se recuperar. Os visitantes chegam ressabiados. As histórias me comovem. Quero ser amigo e solidário. Uma horinha dessas volto lá, porque agora Bragança é meu caminho.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

crônica da semana: procura-se um amigo

Procura-se um amigo
Coisa boa é ter amigos, né? E se tiver casa em Salinas, num mês 40 graus como o nosso julho de férias, melhor ainda.
Depois de amanhã, é o dia do Amigo (não sei bem em qual instância: tem o dia nacional, o mundial, o da amizade, o do amigo que está longe; daquele que não aparece ou, por outra, quando aparece é rapidinho; daquele que liga todo dia; daquel’outro que silencia, mas, ao contrário da maioria dos parentes, sabe bem’zinho a data do nosso aniversário; daquele que mora, enfim, ‘no lado esquerdo do peito’...). Para mim é segunda-feira. É o dia que tá marcado na minha agenda como o verdadeiro, ainda mais porque é em julho...Talvez por causa daquele lance de casa em Salinas.
Mas o título da crônica, não é porque estou procurando um amigo com casa à beira-mar, não. Até porque, barulho por barulho, fico com os super-hiper-mega-ultra trovejares da praia do Caripi mesmo.
É que para ilustrar o dia do Amigo deste ano, andei lendo a famosésima crônica “Procura-se um amigo”. Pela razão pura deste texto ter dominado as agendas e os diários dos adolescentes da minha geração. E também, porque nela, o trato com o tema, é sem dúvida, cativante. Desperta a empatia, assim, de prima. Estimula o desprendimento e veste a alma de uma cândida complacência. Percebe-se, no texto, que tão importantes quanto os valores exigidos para admitirmos uma pessoa como amiga, são as concessões que precisamos fazer, para tê-las por perto. As palavras não buscam, portanto, um amigo perfeito. Procuram um amigo ideal (o que não quer dizer, necessariamente, perfeito. Às vezes as incorreções é que atraem).
Amigo ideal, me parece, então, que é o fim de toda a busca. E por ser uma abstração, um sonho, um fogo íntimo que se alimenta de impressões sobre o outro (muitas vezes incompreendidas e, de formas recorrentes, baseadas no bate-fica, no ‘amor à primeira vista’), o que é pretendido varia de pessoa para pessoa (por isso a “Procura-se...” original contempla tantas virtudes e tantos perdoáveis pecados: uma das combinações nos serve). E aí, vai da gente, estabelecer o perfil dos nossos amigos.
A gente sabe que esse negócio de ideal é miragem, é viagem. Mas um esforçozinho a gente faz pra chegar perto (o que, novesfora a lógica espacial, quer dizer, também, ficar longe ou a numa distância necessária para evitar frustrações, desgastar ou supervalorizar a convivência).
Sou um amigo muito distante daquele idealizado, sou meio desatento, capto com dificuldades aqueles compromissos de realce (esqueço aniversários, por exemplo), mas acredito naquela coisa de contatos imediatos. Se der a liga, vou até o fim. Tento ser um amigo fiel. Trato a coisa com uma obediência cega. Sou irremediavelmente passional. Não pondero. Meu amigo pode até estar sem razão, mas tem ocorrido às pampas, situações em que me enfio nas paradas mais inglórias como litisconsorte. Cuido para ser solidário e reconheço aquela amizade do tipo corrente: se é amigo do meu amigo, é meu amigo. Da mesma forma, queimo com desafetos ou contendores transversais: mexeu com meu amigo, mexeu comigo.
Das combinações expostas na crônica original, componho um quadro de muitos defeitos, mas gostaria de dizer para meus queridinhos que persigo a virtude da sinceridade, para poder declarar a vós, o meu afeto, a todo instante, no silêncio ou indiscretamente aqui, nestas linhas desprovidas de pudores ou recatos. Sintam-se, queridos, acarinhados neste dia do Amigo. Pois que a mim me apraz muito a idéia de termos sempre, ‘uns aos outros’.
Em tempo: nenhum dos meus amigos atuais tem casa em Salinas. Só o amor nos vale.



terça-feira, 19 de julho de 2016

crônica da semana - válvula

O caso da válvula, outra introspecção de julho
Não sei vocês, mas para mim, toda vez que ouço falar em válvula, vem a minha mente aquele tubo de vidro que acendia uma luzinha dentro e que era a alma das televisões de antigamente.
Trata-se, porém, de um artefato, uma peça, seja mecânica, seja eletrônica, cuja finalidade é permitir ou controlar a passagem de um agente físico. A torneira da nossa casa é um exemplo bem prático de válvula. Permite a passagem da água (quando este agente físico existe, né), ou mesmo do ar, quando falta água e o reloginho não para de marcar. Tá, mas faz de conta que água não falta. Não é só isso. A válvula controla a quantidade que passa. Se totalmente aberta, o fluxo é forte, abundante. Se ajustada no mínimo, só permite um fio de água, daquele jeitinho mesmo de encher cuba de gelo sem provocar a maior molhadeira na cozinha.
Está sendo assim, a minha primeira semana de férias. Orçamento justíssimo. Indecisão na escolha de um lugar mais em conta para veranear, motivada por detalhes não totalmente explicáveis, afinal está tudo pela hora da morte mesmo. Enquanto conto meus miliréis, me pego aqui nesta tarde calorenta que só ela, me embalando na rede atada na varandinha de casa, reivindicando cada restiazinha de vento que sopra lá do igarapé do Zé. Mergulhando bem lá no fundo das minhas inquietações, dos meus abissais desencontros. Uma nuvem cinza se eleva lá pras bandas da mata do Agronômico. Vai tomando forma, se avolumando, se dobrando, meu Deus, é um monstro que vem me pegar. Me extirpar o fígado com armas líquidas serrilhadas, amoladas. A nuvem desaba num pampeiro incontrolável. A chuva cai ainda no meio daquele calor da tarde. Uma confusão se estabelece na minha cabeça. Sou e chuva, casamento de espanhol. Uma coisa boa. Uma coisa boa. O monstro foi apascentado. Sinto o fígado, sinto a vida, sinto as gotas grossas tocarem o chão. Pulo da rede num repente. Jogo uma toalha na cabeça, corro pra tirar a roupa do varal, e enquanto vou desatracando os pregadores e arrumando uma trouxinha em todo o estirão do antebraço, vou recitando rezas antigas, do tempo da minha avó, para que os anjos e santos me guardem porque eu estava com o corpo quente e saí pro terreiro assim de uma vez e isso é risco de magoar o pulmão da gente, constipar o peito, dar um enfraquecimento, tanta coisa, tanta coisa na minha cabeça atrapalhada.
Mas a chuva sempre é uma benção. Refresca a tarde e as ideias da gente.
O que passava então pela válvula da televisão antiga? Sei que a gente ligava o aparelho, no meio da tela aparecia um pontinho branco acompanhado de um zunido (era o agente físico se deslocando pelos tubinhos de vidro?) até que a tela enchia e formava a imagem e os divertimentos. Era luz. Eu via. A caixa da TV tinha umas fretas e a gente via lá dentro, as válvulas todas acesas, deixando passar a luz, a energia, na conta certa dos nossos divertimentos da tarde.

Quando passou a chuva uma lâmina de água atapetou chão. O sol voltou e aquele tapete ficou luzindo silencioso lá fora. Eu voltei para os embalos na rede, para as minhas inquietações e para a minha programação de férias. Céu azul, azul, sem nuvens e sem medos próximos.

sábado, 9 de julho de 2016

crônica da semana - crase

O caso da crase e outras introspecções
Mas olha que reinei em detonar com este sofrimento que é a crase. Mas calma, calma. O tempo é de férias.
Este é um dos conflitos íntimos que me consomem, por absoluta falta do que fazer, nestes primeiros dias de férias. Acho que acontece com todo mundo, mas comigo é pior. Uma cuíra apavorante. O sem nada pra fazer é um desafio, uma odisséia de sobe-desce escada, abre-fecha geladeira, espia pela janela, escuta ao longe, dá um soninho, acorda e dorme de novo no meio do capítulo mais longo do livro. Uma aventura branda, pastosa e enjoada. Neste período me largo à introspecção. Enquanto todo mundo sai pela manhã (porque a vida continua, mano), eu distancio o olhar o mais que posso para além dos telhados da Pedreira e tento achar razões para o meu ser em início de férias. Entre uma agonia ou outra, ante uma crise espacial de não entender o porquê de não se estar no trabalho às sete horas ou frente o mistério de não se discernir o cenário que se completa com a TV ligada no jornal da manhã, no meio desta embrulhada existencial, dei com as palavras profusas do professor Leandro Karnal.
O historiador, palestrante admirado pela abundância nos entrelaços lógicos, pelas felizes, vastas e bem encaixadas citações e por um domínio cuidadoso de assuntos modernos, confessou que não perdoa aluno acima da graduação, que não saiba usar a crase. Tem lá suas razões, o professor. Valendo-se do cabedal de conhecimentos que o faz transitar à vontade pelas alamedas ladrilhadas dos clássicos, ao mesmo tempo em que visita o calçadão popular, tem todo o direito de cobrar dos acadêmicos. Mas em se tratando da crase, penso que tem que relevar.
A minha vontade era que a crase fosse extinta. Mas não foi. Então, fui lá dentro de mim procurar uma razão para este sofrimento.
A crase é um efeito fonético provocado pela fusão da proposição ‘a’ com o artigo ‘a’. Este efeito a gente até percebe na fala mesmo (vou a a escola.Tá vendo como tem dois ‘as’ na parada?). Esta união, na escrita é sinalizada pelo acento grave (que é aquele acento agudo ao contrário). Há uma tendência geral de que só ocorra a crase, quando a palavra seguinte está no feminino, porque o artigo ‘a’ é que define este gênero. Epa! Para tudo!
Hoje, o tempo me é amplo. O universo me é atraente. A sublimação, o êxtase, uma inquietação morna são contaminantes do meu humor diante de Karnal, diante da TV, diante dos primeiros raios mais quentinhos do sol. Diante dos mistérios insondáveis. Na verdade a crase não é fusão de preposição mais artigo. É sim, a união estável, amigável, entre dois ‘as’. Por isso sinalizamos com o acento grave, o pronome “aquele” que é masculino. Tenha dó dos acadêmicos, professor, a coisa não é fácil, não.

Mas o dia já ia alto. Deixei a TV e o Karnal falando sozinhos, abri a janela, vi um limão bem grande no limoeiro do vizinho, em tempo de cair, me voltei pra dentro de mim e me convenci, nestes primeiros dias de férias, que não há nada, energia mais potente, mais absurdamente grandiosa que a luz do sol. Nada. Nem a crase.

sábado, 2 de julho de 2016

crônica da semana - serumaninhas

Mutucas serumaninhas
Noite dessas a meninada aqui de casa desandou a me mostrar uns vídeos da internet. Destaque para aquele do personagem criado pelo humorista Marco Luque. O dito do Serumaninho.
O esquete (gente do meu coração, morria e não sabia que esta palavra era definida no masculino. Até agorinha mesmo pensava que era ‘a esquete’. Tá vendo só, sempre há tempo pra aprender). Então: trata-se de um esquete que termina com uma desavença entre o personagem e um cachorrinho. A graça se dá, porque no início é tudo carinho, é tudo no amor e na paz das relações humanas. Do meio pro fim é que os dois se desentendem e rola um fuzuê. O camarada ofende o cachorro, manda ele pra longe, pragueja. O bichinho avança, ameaça morder, põe o ex amigo pra correr. Tudo começa com o personagem baiano do Marco Luque, comparando o animalzinho a um ser humano. Carinhosamente, serumaninho.
Penso que ambos se decepcionam com a ortodoxia (ou com o imobilismo?) da natureza. O que é certo, é que nas horas e nos tempos, é cada qual com o seu cada qual. Cada ser com seu calibre, seus instintos. Um sistema é, obviamente, independente do outro. Embora se permita a simpatia e algum entrelaçamento, sou da opinião que na natureza, como de resto em tudo, não se mexe com quem está quieto.
Um outro baiano, certa vez, me confirmou este desencontro das ideias e aprontou tal e qual.
Foi em Rondônia. Estava eu, numa frente de pesquisa. Onda braba. Mata bruta. Coisa pra doido. Aí me chegou um geólogo baiano pra compor a equipe. Recém-formado, pintoso, falador. Cheio da ginga e dos vícios de cidade. Discurso pronto. A floresta é linda. A Amazônia é exuberante. Que passarinho jeitoso, olha a formiguinha bicuda! Com tudo se encantava, a tudo exaltava. Os dons e valores da mata densa, potencializava. Certo. Tudo certo.
Só esqueceu que a floresta estava ali no cantinho dela, na calmaria das eras, e éramos nós os invasores.
Mas foi pá te aquieta. Sem jeito ou destreza e contando com a alta trairagem da peãozada (eu incluso), na primeira saída para o campo, num trabalho de coleta de sedimentos que nos fazia caminhar pelo leito dos igarapés com a água batendo no peito. De prima, demos num poço assim, ó, de poraquê (pronuncia-se 'puraqué'). E foi pernas pra que te quero na luta de sair do raio dos peixes elétricos. A Amazônia, ou pelo menos os igarapés da Amazônia, àquela altura, já não tinham mais a simpatia do baiano. O dia foi passando, o sol esquentando, e não teve um filho de Deus que orientasse o rapaz sobre as roupas de usar nessas caminhadas. Ele ostentava uma camiseta preta com uma estampa discreta exibindo a bandeira da Jamaica. Já no caminho de volta, ganhamos a margem, aceleramos o passo. Veio o suor. Aí já sabe... O baiano caminhava com dificuldade pela picada mal traçada, suando em bicas. Camisa preta. Sol. Resultado: atrás dele a diversidade exuberante de mutucas do bioma Amazônia, em peso, muito mimosas e serumaninhas, todas a fim de onda.

Tal qual o esquete, o baiano praguejou, ofendeu a floresta, mandou pra longe. E as mutucas, nem aí. Botaram foi ele pra correr.