sábado, 2 de julho de 2016

crônica da semana - serumaninhas

Mutucas serumaninhas
Noite dessas a meninada aqui de casa desandou a me mostrar uns vídeos da internet. Destaque para aquele do personagem criado pelo humorista Marco Luque. O dito do Serumaninho.
O esquete (gente do meu coração, morria e não sabia que esta palavra era definida no masculino. Até agorinha mesmo pensava que era ‘a esquete’. Tá vendo só, sempre há tempo pra aprender). Então: trata-se de um esquete que termina com uma desavença entre o personagem e um cachorrinho. A graça se dá, porque no início é tudo carinho, é tudo no amor e na paz das relações humanas. Do meio pro fim é que os dois se desentendem e rola um fuzuê. O camarada ofende o cachorro, manda ele pra longe, pragueja. O bichinho avança, ameaça morder, põe o ex amigo pra correr. Tudo começa com o personagem baiano do Marco Luque, comparando o animalzinho a um ser humano. Carinhosamente, serumaninho.
Penso que ambos se decepcionam com a ortodoxia (ou com o imobilismo?) da natureza. O que é certo, é que nas horas e nos tempos, é cada qual com o seu cada qual. Cada ser com seu calibre, seus instintos. Um sistema é, obviamente, independente do outro. Embora se permita a simpatia e algum entrelaçamento, sou da opinião que na natureza, como de resto em tudo, não se mexe com quem está quieto.
Um outro baiano, certa vez, me confirmou este desencontro das ideias e aprontou tal e qual.
Foi em Rondônia. Estava eu, numa frente de pesquisa. Onda braba. Mata bruta. Coisa pra doido. Aí me chegou um geólogo baiano pra compor a equipe. Recém-formado, pintoso, falador. Cheio da ginga e dos vícios de cidade. Discurso pronto. A floresta é linda. A Amazônia é exuberante. Que passarinho jeitoso, olha a formiguinha bicuda! Com tudo se encantava, a tudo exaltava. Os dons e valores da mata densa, potencializava. Certo. Tudo certo.
Só esqueceu que a floresta estava ali no cantinho dela, na calmaria das eras, e éramos nós os invasores.
Mas foi pá te aquieta. Sem jeito ou destreza e contando com a alta trairagem da peãozada (eu incluso), na primeira saída para o campo, num trabalho de coleta de sedimentos que nos fazia caminhar pelo leito dos igarapés com a água batendo no peito. De prima, demos num poço assim, ó, de poraquê (pronuncia-se 'puraqué'). E foi pernas pra que te quero na luta de sair do raio dos peixes elétricos. A Amazônia, ou pelo menos os igarapés da Amazônia, àquela altura, já não tinham mais a simpatia do baiano. O dia foi passando, o sol esquentando, e não teve um filho de Deus que orientasse o rapaz sobre as roupas de usar nessas caminhadas. Ele ostentava uma camiseta preta com uma estampa discreta exibindo a bandeira da Jamaica. Já no caminho de volta, ganhamos a margem, aceleramos o passo. Veio o suor. Aí já sabe... O baiano caminhava com dificuldade pela picada mal traçada, suando em bicas. Camisa preta. Sol. Resultado: atrás dele a diversidade exuberante de mutucas do bioma Amazônia, em peso, muito mimosas e serumaninhas, todas a fim de onda.

Tal qual o esquete, o baiano praguejou, ofendeu a floresta, mandou pra longe. E as mutucas, nem aí. Botaram foi ele pra correr.

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