sábado, 25 de junho de 2016

crônica da semana- amaranta dia mais feliz

Um outro dia mais feliz
Eu fiquei apaixonado, fascinado por aquele instante, literalmente, único. Acontece que depois daquele dia, pedi algumas vezes, mas ela não mais cantou.
É claro que toda vez que ela diz não estar a fim, dou uma descaída, sinto uma frustração. Mas, ao mesmo tempo me certifico daquela aura. Daquele calibre. Daquela personalidade. É traço tinto e retinto. Percebido e referendado por todos. Família, amigos. A um comentário, a um detalhe de um evento ou simples menção, é rapidola a constatação: “coisas de Amaranta”.
Foi num sábado. A gente meio sem ter o que fazer. A sensaboria da cidade vingando. Nos reunimos na sala. Escolhemos uns vinis, pegamos umas cervejinhas no depósito que nunca fecha ali da esquina e nos quedamos aos Beatles. Num repente, peguei o violão. Desligamos o toca- disco, fizemos coro em cantigas populares. Amarantinha, assim, sem um quê que abonasse a atitude (coisa dela, pois que não tinha essa tradição) buscou no computador as cifras de “I Want to Hold your Hand”, virou a tela para que eu pegasse as notas e pediu pra cantar.
Uma calmaria atípica reinava na Pirajá, rua tão cotidianamente envolvida pelos ruídos urbanos. Apenas uma brisa aguda cortava o corredor entrecasas e equilibrava os trinados de Amaranta em uma rede de tranquilidades, em um céu no chão, límpido e acolhedor. Minha filha postou a voz, alinhou-se com a fonética britânica, respeitou e deu luz própria à melodia. Eu tocando, me esforçando dramaticamente, para não arranhar uma nota, para não atropelar o andamento (bem diferente, aliás, do original. Coisas de Amaranta. Fez uma leitura da música muito próxima daquele estilo do grupo Rumo, bem ao tempo de uma Ná Ozzetti. Cantou em paz. Propagou a paz e o encantamento, como se recitasse um breviário monástico). Eu, em tempo de ter um troço grave de satisfação e contentamento, não poderia errar. Atrapalhar a minha filha, nem pensar.
Alguns dias de alegria tive, neste meu caminhar que já se alastra ao longe e ao rumo. Posso afirmar que aquele dia apascentado do  bulício rotineiro, aquele dia em que Amaranta cantou “I Want to Hold your Hand”, sem dúvida nenhuma, foi um dos mais felizes.
Penso numa explicação para que, adiante, não mais tenha feito uma audição pra gente, daquele jeitinho requintado que ela criou, apesar dos meus rogos. Mal comparando, parece até aquele silêncio de Clara, personagem criada por Isabel Allende, mas com um viés no duro realismo e não na fluida fantasia. Dou o desconto, entendendo que a personalidade de Amaranta não admite dependência, nem assédio, nem pressão. Faz o que quer, à hora que quer. E ao fim e ao termo, não é seduzida pelos holofotes. A ela, não lhe apraz ser o centro das atenções.

Clara rompeu o silêncio ao se ver confronte a uma mudança de vida. Este ano, Amaranta também deu uma guinada. Saiu do ensino médio e hoje enfrenta os desafios da Universidade. Deixa agora os resquícios da adolescência e vê-se, amanhã, cravando a maioridade. Parabéns, filhinha. (Para inaugurar novos rumos, que tal dar um desconto ao pai aqui e nos proporcionar uma canja da tua voz de novo com a mesma cantiga dos Beatles? Vou afinar meu violão, tá).

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