sábado, 30 de dezembro de 2017

crônica da semana - arnaldo

O pandeiro do meu amigo
Este ano, com muita luta e talento quase nenhum, consegui tocar umas peças no pandeiro, com o mérito louvável, de não atrapalhar o samba. Sou amante da música. Seria natural então, que a minha guinada para o pandeiro fosse um desdobramento deste meu pendor musical. Não foi. O quadrado que faço no couro se realiza, com sincera intenção, como uma homenagem ao meu amigo Arnaldo Porfírio Wanzeller...
Antes mesmo de conhecer o Arnaldo, já tinha uma admiração por ele. É que era costume, na Escola Técnica em tempos outros e melhores, ex-alunos empregados visitarem a Escola. A aula era interrompida, o visitante era apresentado com reverência e, em poucas palavras, descrevia como era a vida de um Técnico de Mineração. Todos nós que estávamos no último semestre, ficávamos empolgados, fazíamos perguntas, e não raro, após a aula, continuávamos o bate-papo num barzinho ali da 25, tudo por conta do técnico formado que já ganhava o dinheirinho dele, é claro. Era um exemplo a ser seguido. Com o Arnaldo não foi diferente. Quando voltamos a nos encontrar em Rondônia, anos mais tarde, ele já era meu ídolo.
A última vez que o vi foi no reveion de 2013, na estação das docas.
Arnaldo trabalhou muito em prospecção e pesquisa mineral, aqui no Pará. São missões penosas, difíceis. Muitos dias no mato, andando por dentro d’água, com o acampamento nas costas. Trampo brabo, na linguagem da turma. Uma oportuna transferência o levou para as minas de cassiterita em Rondônia, onde eu trabalhava. O local era uma vila organizada, com casas relativamente confortáveis, comida boa. Caminha macia pra dormir. O trabalho era sempre perto. Todo fim de expediente, nos encontrávamos. Naqueles dias, conheci a musicalidade de Arnaldo. A música que habitava nele. Era um percussionista fenomenal. Depois do trabalho, encostávamos no balcão do nosso alojamento, um violão aparecia e Arnaldo ia buscar um acervo farto de instrumentos. E, ao contrário de nós, sem beber uma gota de álcool, por causa do rim baqueado, tocava cada um deles com cristalino respeito, com insuspeita dedicação, e com muito prazer, mesmo diante de companhias amadoras que não saiam do Lá menor. Eu ficava hipnotizado com a perícia, com a desenvoltura de Arnaldo e, é claro, com o encantamento dele ao simples tilintar de dois vidrinhos, ou ao baque seco no pandeiro. Às vezes, eu não resistia e perguntava: “como é, como é que toca?”. Ele pegava o pandeiro, colocava assim à altura dos meus olhos, deslizava a mão em ritmos variados, e fazia uma carinha animada, extasiada. Era um momento mágico dele com o talento sem medidas que ele tinha.
Meses depois daquele reveion, encontrei os meninos do Cabloco Muderno fazendo uma oficina na praça da República. Perguntei pelo Arnaldo. Não estava mais entre nós. Não lembro de ter chorado tanto, nos últimos anos. Perdi meu amigo.
Aos primeiros fogos anunciando 2018, vou pôr o pandeiro embaixo do braço e seguindo os acordes do samba bom, com meu pouco talento, vou batucar uma homenagem amiga e sincera ao Arnaldo, percussionista irretocável, querido, ídolo, irmão.


sábado, 23 de dezembro de 2017

crônica da semana - siso

Ou o siso ou o bago de farinha
A Pedreira foi um dos primeiros, senão o primeiro bairro a abrigar profissionais da medicina popular. Ainda hoje estão ativos consultórios que fazem exames, administram terapias, atendem algumas especialidades; e que praticam preços que o pobre, na hora do aperreio, pode pagar. Já fui useiro e vezeiro destes atendimentos. Quando não conseguia ficha no centro três (o que até hoje é difícil pacas), o jeito era recorrer aos atendimentos médicos do povo.
Há muito tempo, muito tempo mesmo, quando eu era moleque e não atinava para os cuidados com os dentes, tive que recorrer a um dentista que ficou famoso por aqui. Atendia ali, na Pedro Miranda próximo à Humaitá. Fazia o que podia e o que não podia pela comunidade. O atendimento era baratinho, tanto que denominamos o lugar de ‘o dentista de dez tostões’. Um detalhe marcava aquele consultório de forma muito expressiva. Entre os profissionais que atendiam por lá, havia um dentista negro. E por aí a gente tira. A reação dos pacientes era diversa. Uns o buscavam por empatia, outros se negavam a ser atendidos por ele. Naquele tempo o preconceito se cercava de subterfúgios, de desculpinhas. Mas a simpatia também batia forte, se verdadeira. O certo é que, na minha vida toda, foi o único odontólogo negro que vi em atividade no meio. Para mim ele era o cara. Me afeiçoei. Fiz tratamento com ele e tive um atendimento de prima, pagando aqueles dez tostões. Os anos se passaram, o consultório dentário baratinho desapareceu da Pedreira e eu não tive mais dor de dente.
Até aparecer o tal do siso.
Deus me livre e guarde. Tava era pra correr doido com este dente, nos últimos tempos. Parecia um predestinado maldito. Desde o momento que anunciou que estava nascendo, veio trazendo desconforto, dor e sofrimento. É o fona a dar as graças na nossa arcada dentária, mas, despontou, e passou a ser o pri nas preocupações. Dentre as inquietações de tirar o tino e o juízo, a farinha baguda em inquestionável destaque. Quando batia lá, eu via estrela.
A situação chegou a um ponto tal que, ou tirava o siso, ou eu deixava de comer farinha.
Outras restrições estavam sendo impostas por este torturador cálcico. Comer aquele suculento churrasco me era uma odisséia. Um fiapinho reliquiar que se postasse na fronteira do último molar, me emboloava o juízo e me forçava a contorcionismos espetaculares com o fio dental para poder recuperá-lo. E haja machucado, e haja inchaço, e haja inflamação.
Não é procedimento que a gente faça sem que antes recorra a um pelo-sinal e a uma dose robusta de fé. Tirar o siso é coisa bruta. O cirurgião além da perícia, há de ter iniciação nos mistérios da alma para evitar, com um bom papo, talento e sensibilidade, que o paciente levante e saia cambalhotando dali para nunca mais.
Desta experiência, uma constatação: a anestesia foi a maior invenção da humanidade. Não dói nada.
O melhor desfecho: uma vida melhor longe das dores diárias.

E a dica para um Natal feliz: Ao contrário do desejado botijão de gás, aceito de presente, uns três litros de farinha, daquela bem baguda.  

domingo, 17 de dezembro de 2017

crônica da semana - muita onda

Muita onda
Certa vez, quando eu fazia Geologia, rolou uma pendenga sobre a teoria da Evolução. Uma colega era radical em negar a teoria de Darwin. Alertei para o fato de que alguns estudos geológicos operavam como fundamentos das idéias Darwinistas e se ela não acreditava na teoria, por tabela, desacreditava da Geologia. Ela recorria a doutrinações religiosas para criticar a Evolução. Acho que não prosseguiu no curso. Certamente seria difícil para ela, conciliar ciência, religião e alcançar aquele errezinho salvador que lhe garantisse varar os semestres.
Boto fé na ciência. Passei por crises, também, na época de igrejeiro. Na hora da dúvida, na hora de tomar pé e dar sentido às coisas, reconheci a religião como meio insuficiente de provas e constatações. A minha decisão em optar por outras leituras da realidade, se não compõe um fim, na certa oferece caminhos mais desafiadores. Permite atitudes ousadas, inquietações saudáveis. Insubordinações produtivas. Foi assim, penso eu, que a humanidade caminhou. Deixou de andar de quatro, de vagar de galho em galho, ergueu-se, construiu mundos e chegou aos confns dos céus.
Não descarto o Deus bom. Se alguém o busca para o bem, para exercitar o amor incondicional, e para preservar valores que nos leguem o necessário à preservação da espécie, pai d’égua. Tá valendo.
O que me perturba é que, mais comumente do que a nossa lógica vã possa imaginar, Deus é evocado para ocultar, para negar, para se contrapor à clareza das coisas.
Outro dia, no trabalho, reclamando do alvoroço que está a baía do Guajará, ao entardecer, com ondas fortíssimas obrigando os barqueiros a fazerem manobras delicadas para atracar no porto, alguém se adiantou em afirmar que aquilo era obra de Deus. E sem quê nem pra quê, pois sequer esbocei versão diferente àquela defendida por ele, asseverou o discurso afirmando que o homem tenta dar conta de tudo, quer alterar, mudar a natureza, mas Deus está no comando e com supremo poder controla as ondas batendo no casco e dificultando a atracação das embarcações, na beira da baía do Guajará. Credo! Este jeito de interpretar o movimento das ondas, é o mesmo artifício usado pelos gregos, antes de Cristo, quando todo movimento de mundo e de alma que não se conhecia, atribuía-se a causa, a um Deus. Então, este pensamento de explicar o solavanco das ondas pelo humor de Deus data de, no mínimo, três mil anos. Tá atrasado pacas. É uma prática que, com a evolução do conhecimento, se diluiu em concentradas soluções e deu lugar a entendimentos mediados pelo método científico.

Se não nos arriscamos à explicação mundana, que a gente se permita ao menos, a observação. Viajo de barco pela manhã, cedinho. Neste horário, a baía está calma, O barco desliza que é uma maravilha, pelo tapete de água. Mas no final da tarde, na volta, o banzeiro chega a assustar. Me parece conveniente atribuir esta mudança no comportamento das águas, à alteração de temperatura no ambiente, que de manhã é bem fria, e à tarde tá de derreter o cocuruto, e não ao humor do Todo Poderoso. Creio que Deus não faz onda.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

                              capturando almas

domingo, 10 de dezembro de 2017

crônica remix. pelas laterais

Pelas laterais.
A Mauriti já era asfaltada, havia um tráfego considerável na rua. Pelo menos duas linhas de ônibus faziam seu itinerário por ali, tinha um fluxo de mão dupla. O trecho em que eu morava, entre Marquês e Pedro Miranda, era bem movimentado, a qualquer hora do dia. Mas era só a chuvinha da tarde cair que a galera desentocava com a bola. Havia um líder. Um moleque que saía assobiando na frente das casas. Era a senha pra montar os times.
Sob protestos da mãe, já saíamos aquecendo, dando aqueles saltitos desengonçados às margens do meio-fio. Os mais práticos acudiam-se aos, raros, terrenos in natura da área, de lá sacavam as touceiras de capim e as lançavam aos pares sobre o asfalto demarcando as travinhas e ao mesmo tempo iam nominando as equipes.
O certo tanto de lá, o tanto certo de cá, a galera da grade saltitando inconformada na beirada da rua, as regras definidas: dez minutos ou um gol;  em caso de empate, cara ou coroa;  não se para pra carro).
Parece meio loucura relatar uma partida de futebol de travinha no leito áspero e duro da Mauriti, se arriscando entre os carros. Mas esta cena era comum, lá pelo final da década de 70, início da década de 80. Aproveitávamos qualquer chuvinha. Era respingar e a gente armava o campo. O trânsito reduzia, os carros passavam devagar aquaplanando (a rua era asfaltada, mas não plenamente saneada).
Quando a chuva ia parando, o asfalto secando, a coisa ficava perigosa. Os carros ressurgiam velozes e furiosos, o Nova Marambaia-Telégrafo varava feito um bólido, sempre atrasado, e as bicicletas surpreendiam pelo acostamento. Mas a regra era clara. Não se parava pra carro. Até dar de noitinha, a gente ainda insistia. Dez minutos ou um gol.
Se o trânsito aumentava e não era possível mais operar os lançamentos em profundidade e a penetração pelo meio, recorríamos às jogadas pelas laterais.
Intuitiva ou oportunamente, concentrávamos nossas jogadas naquela região do campo em que mais ideologias e elucubrações táticas são empregadas. Sempre defendidas, pouco entendidas, as laterais do gramado já foram o prazer e a dor de muitos técnicos. Hoje, chamamos os que ali militam, de ala. Antigamente era lateral diretito ou esquerdo. A posição era conservadora, defensiva. Mas com o aumento do fluxo de carros depois da chuva e com a determinação cartesiana do Claudio Coutinho, virou opção ofensiva. Projetou-se o ponto futuro, o overlap, aprimorou-se a tabela curta, o cruzamento e...o gol.

O problema eram as bicicletas. Numa das minhas infiltrações rés a calçada, tabelando com o pneu do Sacramenta Humaitá, na horinha do cruzamento medidinho, fui surpreendido por uma magrela. Me pegou por trás. Ela caiu prum lado, eu pra dita lateral da rua. A regra era clara. Em caso de atropelamento, chama a mãe. Peguei um carão, passei uns dias no estaleiro, todo encalombado, só ouvindo os assobios na hora da chuva.

sábado, 9 de dezembro de 2017

                               Fecundada ao sol do Equador

cronica da semana - embuá

Calor de correr doido
Desci a calha do igarapé um bom estirão até chegar no pé do barranco. Nem sinal de água. Lugar mais seco. Caminhei outro pedaço à montante. Lugar mais limpo. Voltei e aprumei para baixo. Depois de uma caminhada rápida à jusante, um açaizal com viço tímido aqui, uma discreta umidade no solo, mais adiante, eram bons sinais. Quem diria. Quando estivemos no mesmo local, pelo início do ano, a água cobria um homem taludo todinho e ainda sobrava.
A turma ficou lá em cima, no terreiro arborizado do sítio, ajeitando local para armar os barracos, que não fosse muito longe da linha-base, e que ainda ficasse numa ponta de mata, mais abrigado do sol e mais fresquinho, porque o calor tava de correr doido.
Voltei já com o local definido para cavarmos um poço. O colono até tinha água, mas o poço dele era no alto, de grande profundidade e com a água pouca certa para a casa. Minha equipe contava com mais de 10 pessoas, precisávamos cozinhar, tomar banho, lavar a louça... a demanda era alta. A experiência e algum conhecimento básico me adiantavam que teríamos melhor oferta de água se abríssemos poços na parte mais baixa no leito do igarapé, no talvegue, como diriam os iniciados.
Com as estratégias armadas, a turma tratou de correr atrás. Quem era da montagem do barraco, ganhou o mato atrás de varas linheiras, palha para a cobertura e enviras para as amarrações. Os prospectores de água saíram a abrir caminho mais curto para o igarapé, munidos de pá, chibanca, baldes e corda. Eu me ajeitei ali pela varanda do colono, armei a parafernália do rádio e procurei contato com minha base para dar o resultado da campanha naquele dia. O dono da terra me acolheu com simpatia. Enquanto trocávamos uma prosa explicando o meu objetivo ali, dei a reparar naquela família. Não eram daqui. Eram galegos, aloirados, grandalhões. Contei duas mocinhas, já formadas, olhos verdes, caladas e reclusas. A mãe, dava voltas pela casa e falava baixinho, parece que sozinha, mas alguém da família sempre ouvia o que ela dizia e devolvia uma palavra de volta. Na porta da frente do casebre, um molecote sardento, vermelhinho de sol, sentado no batente, torturava um embuá retirando dele as perninhas, a punhados. Tive a impressão que também apartava o bichinho e comia os pedacinhos mastigando só com os dentes da frente, com ineficaz discrição. O pai, aparentava ser mais velho que verdadeiramente era. Contou que chegara à Transamazônica no final da década de 70, vindo de muita necessidade e regime de quase escravidão nas terras que dividem Paraná e São Paulo. Tinha mais dois homens, que já tinham mulher e filhos, e moravam afastados. Ajudavam tomando conta da plantação de cacau e do pequeno rebanho de nelores.
Viviam sem apoio nenhum do governo. Abrimos um ramal e eles retiravam a produção, aproveitando nossa carona. Antes, tiravam a colheita no lombo de burro. A família era o retrato da política rural implantada pela ditadura na Amazônia. Era novembro. Mês menos chuvoso do ano. E se para nós, o calor era de correr doido, avalie pro menino vermelhinho que comia embuá.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

                                super lua sobre a Aldeia Cabana

crônica remix - cheia do amazonas

A cheia do Amazonas
Não sou um especialista em redes hidrográficas, em regimes de cheias, nem nada, mas vivendo assim cercado de água por todos os lados, penso ser de bom termo, prover-me de notas e definições sobre os sobressaltos circunstantes.
Diante, então, das notícias que nos chegam sobre as inundações na calha do grande rio. Ante a impressionantes cenários alagados em pleno centro de Manaus; a desmedidas dimensões não tão estreitas do Estreito de Óbidos; Frente às chocantes imagens de barracas submersas em Alter do Chão (expondo-se ao sol somente em cumeeiras), corri para o Google Earth e fui-me certificar de umas notas que venho fazendo desde a enchente do rio Acre, esse ano mesmo, lá por fevereiro.
Tá tudo anotadinho. Naquele período, o rio Acre, que é tributário do Solimões (não sei se vocês lembram... Tá, tá legal, poucas pessoas lembram de fatos que acontecem no Acre. Um número minguado de cidadãos, tirando os emigrados acreanos, sabe que existe uma terra prometida a oeste do Brasil conquistada pelos seringueiros. Não é culpa nossa, não. É o pensamento que é assim, neste país, meio penso, meio bambo), Pois é, o rio Acre tava têi têi. Por acolá. Água dando no telhado das casas. O Solimões, fiz o registro no meu mapinha em março, a mesma coisa. Saltando às margens. Por aqueles dias, não marquei nada no rio Negro (por desinformação minha ou porque o rio Negro não se asseverava no volume assim que demandasse cuidado das mídias).
Eis que agora em maio, o rio Negro entra em cena tomando as ruas de Manaus e atingindo a marca de trinta metros (não entendo, sinceramente esta medida. Aqui no estuário, estamos acostumados com a referência do nível do mar. “Tal coisa está tantos metros além do nível do mar”, aí a gente vai lá no Ver-o-Peso, na lançante, e entende o que quer dizer isso, mas lá em Manaus... O que quer dizer trinta metros na régua?). Tirando essa inquietação na escala, temos a nítida noção do aperreio dos irmãos manauaras.  Fui lá na imagem do Google e grafei: “cheia no Amazonas”.
É a partir do encontro das águas do rio Negro com o rio Solimões, que o grande rio ganha o nome de Amazonas. E é neste ponto, exatamente que minhas anotações (no meu mapinha) ganham algum sentido. Acompanhei o traçado dos dois rios. Demarquei com aquele alfinetinho amarelinho do Google Earth, as deflexões e o estirões de cada um deles. Ficou claro, no desenho, o apartamento entre os rios. Um nasce ao norte, e o outro, ao sul da bacia do Amazonas. E aí, o que tem a ver o azul das calças com a enchente que ora se vive?
Eu colei esta conclusão de algum texto que li sobre o tema, mas olhando a imagem que retrata as origens polarizadas dos rios, a gente pode até intuir que eles pertencem a ambientes distintos. Sofrem influências alternadas dos mesmos eventos astronômicos que impõem chuvas ou estiagem (como o solstício que ocorre agora em junho, por exemplo).
Lembram que falei do rio Acre? (façam um esforço. Eu sei, ninguém lembra do Acre, mas vamos lá...). Ele está no lado sul da bacia e anunciava que neste lado, as águas seriam grandes, este ano. Quando o rio Negro, que ocupa a parte norte começou a encher (ali, próximo do Equinócio de março), foi fatal uma somatória de águas (tanto é que de Manaus pra baixo, o leito do Amazonas não tá respeitando ribanceira que dê eira).
Não sei se esta minha reflexão ajuda a entender melhor o nosso mundo de água amazônico. Eu sei que esta é umas das maiores cheias já registradas na região (pode estar anunciando, ao mesmo tempo, uma grande seca?). E merece nota. Meio subjetiva, porém, preocupada, solidária.


domingo, 3 de dezembro de 2017

                               Belém que te queria luz

sábado, 2 de dezembro de 2017

crônica das semana- eternas ondas

Eternas Ondas
Coincidências, encontros fortuitos, Robertinho do Recife, Stephen Hawking, uma única medida para tudo, Fagner. Numa breve história do tempo.
Que teve seu começo lá nos primeiros anos da década de 80 do século passado.
Uma sala no pavilhão administrativo da Escola Salesiana do Trabalho. Tarde de sábado. Fazíamos a redação de “O Caminho”. Era o jornalzinho do nosso grupo de jovens. As máquinas de datilografia da secretaria da Escola estavam aquecidas. Escrita preciosa como a do futuro jornalista Edir Gaya, marcava aquela edição. Os temas, cristãos, eram mimetizados a casos circunstantes. As comunidades unidas, as conquistas diárias, os verbos de novos e democráticos tempos eram conjugados nas páginas de “O Caminho”, naquela tarde de sábado. No cantinho da sala, uma vitrola dava o tom da nossa prosa. “A Canção Brasileira”, de Raimundo Fagner, chegava, enfim, até nós, com o fim de um longo e esturricado verão.  Um “Vento Forte” nos marcava em sulcos profundos, e se era do vento ou sei lá, um trinado audacioso, de guitarra, rompia artérias, desconectava ligamentos, incendiava neurônios, desfazia monotonias sensoriais. Arranjos modernos, um jeito de cantar atrevido, meio gritado, letras românticas subscritas no enigma revolucionário, ainda enterrado em anos de ditadura. Era o disco “Eternas Ondas” nos encantando. Aqui, ali, alguém tirava a agulha da faixa da hora, buscava um violão. Nós, então, dávamos um tempo na arquitetura dos textos e nos lançávamos em animado coro no “Reizado” ritmado do senhor dono da casa que iluminava nossos corações.
O tempo, como uma mágica quântica dá saltos. E eis que sábado passado, amanheci numa cuíra danada de tocar as músicas daquele disco. Afinei meu violão pelo aplicativo do celular, aproveitei que a Pirajá anunciava uma incomum manhã de silêncio, me aprumei no cantinho ali da sala. Toquei, e cantei com indisfarçável paixão.
E não é que horas depois, soube de um show que o Fagner vai fazer aqui em Belém! Logo me assanhei. Comentei na minha página na internet. Me voltaram falando cobras e lagartos do cantor cearense.
O final do filme “A Teoria de Tudo”, que conta a vida de Stephen Hawking, faz uma provocação, roda as cenas no sentido contrário. Do fim para o início. Aquece a discussão Física de uma alteração no tempo.
Antes de julgar o Fagner pelas posições políticas atuais dele, voltei no tempo. Fui lá no disco “Eternas Ondas”, revisitei a redação do jornalzinho de nosso grupo, reposicionei a agulha na faixa de “Reizado”, e considerei pensar mais pra frente sobre esta única medida que temos para tudo. Se houver frente, se houver um adiante que chamamos de futuro, se eu me convencer que não estamos numa bolha instável que pode voltar para trás todas as conquistas abstratas e concretas daquela turma que datilografava nas Olivettis da secretaria da Escola Salesiana o imbricamento de temas cristãos com a baixada alagada da Sacramenta, asseguro que vou procurar relevar a melancolia de uma única equação que defina fim e começo. Vaca Estrela e Boi Fubá. Tarde de sábado lá, manhã de sábado cá.