sábado, 26 de dezembro de 2015

crônica da semana - professora de história

Contadora de História
O tempo, esse dissipador de nuvens, esse debelador de fogos. O tempo, império do reticente e do inconformismo etéreo.Tempo massa. Substância. Fio de água fugidio. Tempo escape.Tempo perda. O passar dos anos me fez esquecer o nome dela. Mas a minha vida construída, o meu passado explicado, o meu futuro ansiado, o meu presente domável, o meu tempo medido reconhece aquela minha professora de História como mediadora, como interventora, e também como construtora de uma forma que tenho de ver o mundo.
A bem dizer, era uma contadora de história com todos os requintes de uma boa prosadora. Tinha postura, modulava a voz, asseverava o semblante, variava o ritmo do caminhar entre carteiras, dissimulava sustos e surpresas. Teatralizava os fatos.
O ano era 1975. Quinta série na Escola Jarbas Passarrinho. Atrás do Bosque. De lá, o tempo, esse inconteste sonegador de eras, me permite a lembrança do Franklin, coleguinha espevitado e bem nascido; da brincadeira de futebol com cacos de lajota, no prédio antigo da Perebebuí; dos imensos valões abertos de fora-a-fora na 25 de Setembro, onde seriam introduzidos os tubos de esgoto e que abrigava, escondidinhas as nossas brincadeiras de pira subterrânea; Permite também uma nesguinha de recordação da professora de Educação para o Lar que antes das aulas olhava as nossas unhas, ralhava se a gente estivesse remelento, enviava bilhetinho pra mãe mandando tomar banho e às vezes nos agraciava com um bem aplicado transpesco no cocuruto, daqueles de nos deixar azuruotinhos, só de ranzinzagem mesmo.
A mais nítida e agradável imagem que a memória me entrega neste Natal, porém, é a figura elegante e sábia, da minha professora de História. Era jovem, distanciava-se da professora de Educação para o Lar na idade e nos métodos. Amparava-se na literatura didática da época. O livro de apoio era da linha dos TD’s, que dominavam todas as disciplinas do primeiro grau. No caso, “Trabalho Dirigido de História”. Para a Quinta série, o enredo era desenvolvido no estilo de história em quadrinho. Um menino e uma menina eram as personagens que cruzavam os períodos da pré-História, História Antiga, Renascimento...
Minha professora narrava como sendo nossa, a aventura daqueles garotos. Inesquecível a visita que fizemos ao Paleolítico. A mestra caprichava na emoção ao relatar nosso encontro com o Homem das Cavernas na compenetrada tarefa de afiar uma pedra ou de tecer uma armadilha com um rude cipó. Antes de virar a página, a professora fazia um suspense, especulava um risco, declamava um thcan thcan thcan thcan, e de repente soltava um grito apavorado. Era um dinossauro lagartão arengando com nosso herói primitivo. Ela não nos iludia sobre o final: a História, não raro, nos entristece. Mas eis que, nosso antepassado, dizia a querida professora em tom assoberbado, na página seguinte consegue vencer a fera com o sua machadinha. Eraste! Era a festa do alívio.

Quis o tempo, que minha professora me visitasse neste Natal, sem nome, esguia, alterando a voz, jovem, teatralizando, subvertendo. Tecendo minha história.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

crônica remix - chita corrente

Corrente
Ana da dona Jucélia era dona do meu coração. Nos beijávamos beijos infantis, ao pegado das cercas de estacas ferpadas que separavam nossos quintais. Seu Paulo tinha um caderninho aonde anotava os “por conta” e os “em a ver”, com letras e números garrafais. Enedina era morena de cabelo escorrido e Roseana, miss. Piroró era neguinho oxítona e danado. O mais novo de 8 irmãos. O pai, Seu Três por Nove, vendia picolé e criou os meninos, sozinho, assim, vendendo o extra e o cremoso. Chita, toda vez que caía nas garrras da policia, tinha as unhas arrancadas. Depois, posto na rua, chorava. Um homem daquele tamanho, chorava na esquina da Lomas, de dor e humilhação. Era um ladrão doce.
Maria de Jesus me ensinou o beabá. Minha fascinação. Usava shorts prafrentex e me chamava de Pequenino. “Pequenino, já fez o dever?”. Um encanto de fessora. Tomava bença dela. “Pequenino, pra que lado é a perninha do a?”. Manoel Josafá era saliente. Ficava lá atrás, fazendo coisas, pensando indecências. Todo mundo sabia. Na hora da merenda, custava a se levantar. Ivo. Ivo via a uva. E...
Dona jarina via a princesa dentro da garrafa de água benta. Nas tardes quentes de agosto, se arrumava, pintava os lábios espessos, se enfiava em colares de contas. Sobrepunha um turbante de azul bem clarinho sobre os cabelos ralos. Chamava a gente da janela, dispunha a garrafa contra a luz e descrevia uma floresta encantada, com cachoeiras, pássaros, lajedos inclinados e, lá no fundo azul, a sereia. A rainha do mar. Eu vi dentro da garrafa.
Otávio já era grande e não sabia ler. Não tinha, porém, substituto na ponta direita do Internacional da Mauriti pra ele. Não fosse ter que bater marreta na construção da Casa do Bife, pra sobreviver, seria um grande jogador de futebol. O irmão variava da cabeça e à noite perturbava a esquina boêmia da Pedro Miranda com a Angustura. Assustava as meninas que batalhavam ali pelo Shangrilá, pelo Rosa Vermelha. Tinha uma voz agressiva. Quando se esquecia de tomar o Gardenal era recomendável guardar distância dele. Roubava toca-fitas de carro e não bebia. Nunca foi preso por roubo. Por desordem sim. Era um desordeiro empedernido. Irrecuperável. Já, Demerval, não. Este, de vez em quando caía. Não de graça. Resistia. Liderava refregas. Tinha um bando. Roubava carros. O corpo era todo marcado de bala. Umas cicatrizes arredondadas enegrecidas. Era imortal. O pai, caminhoneiro.
Tarcila cresceu rápido depois que teve papeira. Aos treze anos endoidava a molecada com um corpo de entontecer, uma faceirice, um odor primitivo, uma sensualidade abrasadora. Mas não queria os meninos da rua. Um dia um carro estacionou na frente da casa dela e perdemos Tarcila para um boy da Bailique. A mãe de Tarcila era mais bonita que ela. Enviuvou três vezes, continuou bonita e virou sogra de menininho rico.
Vitório pichava muro com frases contra a ditadura. Era franzino, usava óculos fundo de garrafa. Ninguém dava nada por ele. Era um guerreiro, porém. Tinha carisma. Atraía as pessoas. Conquistava seguidores com aquele jeitinho, aquele caminhar ensimesmado, aquele ar ausente. O que todo mundo desconfiava, era que ele vivia maquinando. Queria porque queria derrubar o governo. Certo dia, apareceu para uma reunião importantíssima, acompanhado de uma loura pra lá de bonita. Mãos dadas, troca de olhares (e ele que era tão disperso, atento a ela estava a cada instante). Era Natal. Era Ana da dona Jucélia. Entrariam para a clandestinidade depois da ceia e da reunião. Quando deu meia-noite, sumiram por um buraco na cerca que separava nossos quintais e meu coração explodiu. Bummm!



sábado, 19 de dezembro de 2015

crônica da semana - Cury

Vinte e cinco por cento
Esta semana, por indicação de pessoinha pra lá de considerada na paróquia, tomei contato, pela primeira vez, com uma obra de August Cury.
Não conhecia, saltava de banda dessas escritas que, dizem as más línguas, são coladas à fúlgida oratória da autoajuda. Eis que, no entanto, desemaranhado das teias aconchegantes de Dalcídio, imediatamente, mudei de rumo e aprumei a montaria para as águas psicopedagógicas de “Pais Brilhantes, professores fascinantes”. Digo só uma coisa: mal não me fez.
O autor é profuso, popular. Sou um entre 16 milhões de leitores dele. De primeira viagem, ainda ressabiado, mas, conhecendo, conhecendo... É frasista. Já topei, alhures e amiúde com pensamentos dele expressado por pessoas da minha laia.
Não é exatamente chocante, profético, maldito ou visionário. Realiza construções apascentadas, quase inertes, do tipo “as grandes idéias surgem da observação dos pequenos detalhes” ou similaridades concernentes à liberdade ou ao apossamento de nós mesmos como únicos e universais.
Ganhei o livro de presente num consórcio entre meu filho e a namorada. Cá comigo pensei: é, como se diz na grande indústria, uma oportunidade de melhoria. Por certo, não estou agradando. Bem capaz d’eu estar devendo... Recebi de bom grado o regalo, agradeci, fiz carinhas e bocas discretas por causa do gênero que não é muito minha praia, pus na fila das leituras da hora, logo após o Dalcídio e, né que já estou no finzinho!
O conteúdo fala da conduta dos pais, dos professores... Da carapuça que me coube, fiz anotações, tirei conclusões e, ainda, aludindo à linguagem dos programas da grande indústria, montei planos de ação.
Em tudo por tudo, concluí que não sou um pai brilhante. Mas tô na biqueira. Brilho uns 75%, sem falsa modéstia. Perco os 25% ali na hora do controle das emoções e tal, e tome plano de ação para dirimir estes descompassos.
Ganho destaque na parte das relações com a memória. Cury indica que a lembrança não é uma reedição do fato. É, sim, uma reconstrução da história. Pai brilhante tem que contar história. Oba, neste quesito, eu corto e aro. Mas já contei, olha, mina de histórias pr’esses meus meninos. Houve um tempo, que eles eram menores, não tínhamos televisão, internet, não íamos para as partes (e Cury fala também da necessidade deste alheamento), eu atava uma rede ao cair da noite, pulávamos todos dentro e haja contar causos com ou sem causas, da vó Luzia, de quando eu trabalhava no Carisma e era o menor empacotador do supermercado e do mundo, aquela aventura nas matas de Rondônia enfrentando tribos de pigmeus, do voo que fiz até a lua cheia, de tantos dos meus encontros, encantos, das minhas decepções. Tentava me mostrar, me apresentar para as minhas crianças do jeito escritinho que sou e eles gostavam, driblavam o cansaço e quando eu pensava que o sono já os dominava, me voltavam pedindo que eu contasse mais uma da vó Luzia.

Augusto Cury, mal não me fez, muito pelo contrário, me refez a memória e a realidade do brilho que está a uma insuperável distância de 25% de mim.

sábado, 12 de dezembro de 2015

crônica da semana - nem seu sousa

Nem seu Sousa
Uma pena, olha, mas uma pena mesmo que a massificação, a retidão, o padrão da fala tenham enterrado alguns dos nossos mais simpáticos ditos populares. “Nem seu sousa” é uma expressão similar a um árido “não tô nem aí”, ou a um desafetado “nem te ligo”, ou ainda a um irônico e pouquista “eu choro pra ti”. Cabe certinho em reclamações e constatações destemperadas comuns nos solavancos inevitáveis das amizades: “eu avisei pra esta pequena, não te assanha pra tá de esbruga pelos cantos, que a carne é fraca, e ela, ‘nem seu sousa’, pra amiguinha aqui, não prestou reparo”. E, mais adiante, pode se desdobrar em troco virulento: “Agora, que está com a barriga por acolá, eu, olha, ‘nem seu sousa’ pra ela”.
Eu por mim, até hoje manifesto meu desdém usando estas mesminhas palavras. Aprendi com minha avó, que era useira e vezeira dessas temperadas articulações do vulgo.
E mais animado a usar, estou agora. Reencontrei mina dessas artes do falar popular nas páginas de “Belém do Grão-Pará”, quarto romance do ciclo do Extremo Norte, sequência de narrativas em que o escritor marajoara Dalcídio Jurandir conta a desestruturação da Amazônia após os tempos áureos da borracha. Nos termos do falar da praça, neste livro, Dalcídio corta e ara.
Aí eu desdobro a pena. Um custo conseguir uma obra do Dalcídio. Indo e vindo, é um dos nossos maiores expoentes literários. Escritor pródigo, vasto. Guardador e disseminador do linguajar paraense. Mestre no enredo amazônico e, em especial, na prosa líquida dos baixios do Marajó. Tantos teres, tantos haveres. A gente fica num pé e noutro para lê-lo.
Mas quede.
Batemos e rebatemos o pé pelas livrarias da cidade, mas quando que a gente acha o autor! É por essa e por outras que a nossa identidade, as nossas particularidades, o nosso tino paraense vai se diluindo numa linguagem planificada, tesa, embalada a vácuo. Vai perdendo espaço para um falar enfadonho, pasteurizado, pseudo-moderno-elegante.
Este unzinho mesmo que estou lendo, achei numa dessas exposições de desapego no chão da Praça da República. Um jovenzinho organizou o exemplar entre uns vinis, uma bolsas de pano, uns vidrinho de não sei o que orgânico. Mais que depressa catei dele. Alguns dinheiros e a troca estava feita.
É aquela edição que a UFPA fez quando o romance caiu no vestibular, como leitura obrigatória. Lembro que foi no ano que prestei exame, e foi um Deus nos acuda porque a tiragem não deu pra quem quis. Era gente se agatanhando na livraria da Federal para garantir o livro. Na época, sobrei. Mas eis que um jovem, no exercício do desapego, anos mais tarde, me fez a presença. O livro é uma delícia.

E lá pelas tantas, em “Belém do Grão-Pará”, Dalcídio reproduz cenas da Transladação. Encontros paralelos, nos escurinhos das travessas. Travessuras de jovens romeiros. “Ai, Diquinho”, diz a garota, “respeita a Santa, mas assim, também não”. O autor não revela, mas eu, nos conformes e compreendos  da leitura, imagino que Diquinho, “nem seu Sousa” para os reclamos da pequena. Continuou foi os assanhamentos, atentandozinho. Dalcídio é que sovinou de contar.

sábado, 5 de dezembro de 2015

crônica da semana - cama patente

A cama patente
Não sei de onde mamãe tirou essa arrumação: chamava de cama patente, àquele arrumadinho formado no chão por uma peça de compensado pouquinha coisa maior que eu; um pano de rede maciínho; umas tiras pra mais de palmo de largura de uns cobertores aveludados nodoados e pitiús de xixi.
Foi o jeito que mamãe deu para nos acomodar, os quatro acreaninhos, com algum zelo, na hora de dormir.
Só tínhamos quatro redes. Uma era da mamãe. Sobravam três. Um de nós ia para a cama patente. E adivinha quem era o ungido? Raimundinho Nonato, o pequechichito aqui.
A intenção da mamãe era saltear, fazer rodízio com minhas irmãs. Até que no início deu certo, mas as meninas reivindicaram, evocaram o meu cavalheirismo. Podia ser um zoiudinho entanguido, mas era o homem da casa, deveria dar o desconto, utilizar as minhas potencialidades, a energia do macho... e dormir no chão. Ah, tá. Combinado. E lá fui eu, machinho, me conformando com o conforto possível que a cama patente me oferecia. Camapatenteei por um bom tempo. Sonhei. Babei uma babinha fina pelo canto da boca. Tremeliquei involuntariamente e falei palavras ininteligíveis durante o sono. Amanheci com a cabeça pro outro lado. Morri de preguicinha na hora de acordar e ir para a escola. Tudo, que-nem-que-nem dormisse em colchão de mola. Só não caí da cama, porque no chão, já estava.
Naquele tempo, tinha que rezar um ‘com Deus me deito, com Deus me levanto’. Mamãe cobrava. Lá da sala, que era ao pegado do compartimento que, no aperto de uma casa de três cômodos, tomávamos por quarto, queria ouvir. E eu mais que depressa encarreirava na desobriga, na fé e no fervor porque de todos, naquela hora, tinha mais precisão. No chão, precisava mesmo de uma proteçãozinha. A casa era de madeira. Assoalho falhado. Sem forro. Tinha bichos nos escondidos e escurinhos que se danavam a passear à noite. Nas altas horas do sono, era um pé pra uma osga se animar, dar aquela ‘lembidinha’ no meu beiço, sugar meu sangue quentinho e, à época, descontaminado de alcoóis, cepas ou graxos. Vez ou outra eu percebia uma vermelhidão suspeita, ao amanhecer. Mas não maldava e nem me entregava ao pavor. O que os olhos não vêem...
Deixa estar, que mesmo sem ver, me pelava de medo era do ‘santospés’. O argumento da minha reza era centrado, pedia que me espremia, e até promessa fazia, era para que o Bom Deus e a Santa Virgem me livrassem da centopeia, terrível representante dos Artrópodes, e suas perninhas nojentinhas fervilhantes.
Nas redes, mamãe e as meninas, penso eu, livravam-se dessas visitas noturnas. Dormiam sem medos e o mais de aperreio que passavam era o bate-bate automático esmigalhando um carapanã aqui, outro ali, aos tapas.
Dormi no chão muitas noites. Até que um dia, mamãe comprou no prestação, uma rede avarandada que atei ao lado dela.

Agora, em outros tempos, por causa de umas dores nas costas, tive que comprar uma cama especial para aprumar o esqueleto. Qual não foi minha surpresa, quando reparei que a cama é dura que só ela. A pura ‘talba’ de assoalho. A pura cama patente. Como nos velhos tempos.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

crônica remix- Neide Aparecida

Cadê a Neide Aparecida?
A Neide Aparecida era do tempo da Rural e do Aero-Willis. Do tempo do óleo Jaçanã e do pão e meio. A Neide Aparecida é da época de antigamente quando chamávamos band-aid de planticure e zíper de fecho-ecler. A moça era de um tempo em que o bairro do Sousa era longe pacas e que a gente falava “égua, tá ralado”, e ainda falava “é longe pacas”.
A Neide Aparecida, confesso, não me traz de volta nananina de sentimentos ingênuos ou infantis e olhe lá, olhe lá, muito pelo contrário, ainda hoje reino com a lembrança provocante da pequena de mini-saia atentando o Clementino pelos corredores do edifício Balança Mas não Cai na telinha em preto e branco daqueles anos distantes.
Enquanto a Neide serpenteava tentadora de espanador na mão pela alegria do Balança...a minha patota varava os quintais pródigos de cajueiros e do rasteiro camapu nas manhãs da Marquês com a Lomas, aquietava-se um pedacinho depois do almoço e mais com um pouco,  se danava a espalmar a mão sob o lodo esverdeado a cata do balulusca ou da colombiana no jogo de peteca da tarde. E à noitinha, se ajeitava pelas janelas de vizinhos para acompanhar as tesouras voadoras fantásticas do Ted Boy Marino, no telequete Montila.
A sedução de Neide se espraiava por um tempo em que os saqueiros ainda não haviam sido tragados pela reestruturação produtiva e os sacos de cimento usados garantiam o desenvolvimento sustentável. Um tempo em que a laranjinha era a da Gelar e o lacre era cortado com a ‘gilé’. Um tempo em que a gente pagava em dia  as prestações do carnê da R. Mendonça. Do tempo em que grassavam entre as mãos da molecada fortunas em carteiras de cigarro conquistadas no palmo resultante do choque de moedas contra a parede. E éramos todos ricos com o orgulho de, ao mesmo tempo, enriquecermos a base de foscas e populares notas de Gaivota ou de brilhantes e  laminadas notas do aristocrático Hilton ou Albany (aquele com filtro de carvão ativado).
Era assim: enquanto no talho do Manduca, na feira da Pedreira o quilo e meio de Pá só com o osso da peça era embrulhado nas folhas de guarumã, a Neide Aparecida despertava, precocemente, a libido imberbe dos meninos de família.
A personagem que a Neide Aparecida interpretava no “Balança...”, atazanava a vida do faxineiro Clementino. Era uma secretária boazuda, em trajes mínimos, que se insinuava para o pobre Clementino, que de bobo e desatento, não percebia o real interesse da moça. Esta lerdeza do faxineiro se reproduzia no bordão “xiiiiiii, como é boa esta secretária, ah se ela me desse bola”. Cai o pano e o Clementido passa batido como sempre: não traça ninguém.
E como era boa aquela secretária dos tempos pueris da Chulipa e do Kichute!
O Tutuca, que interpretava o incauto faxineiro, eu ainda o vejo zorrando, pelas esquetes do Zorra Total..., mas e a Neide, inspiração para as primeiras e maravilhosas sensações que se anunciavam a peso de muitos ‘arrupios’ e chiliquitos para mim e para os outros da patota. Mas e a Neide Aparecida. Cadê a Neide Aparecida?