sábado, 30 de setembro de 2023

crônica da semana - o sul é ali

 O sul é ali

Meu olhar se perde no longe. A vista alcança a dúvida, a indiferença, divisa o infinito instável e a descrença. Num revide, brotam de mim palavras silenciosas devoradoras de medos, chamando por uma força suprema, um deus que venha do céu, ou ao menos uma alma boa que se aproxime com afetos e doçuras. Há uma paixão latente nesta minha zanga. Uma novela de desejos, tentações, traições passando pela minha janela espiã e indo se despir no igarapé lá embaixo, aos pés da imensa castanheira. O sul é ali. Um ponto cardeal. Não, cardeal não. Cordial. Aquele ponto que se instala no hemisfério esquerdo do peito e bate descompassado a cada fantasia, em oportunas invenções de carinho, nos incidentes de mãos dadas, abraços escondidos, aquecidos. É um lugar que vai além dos vãos do universo e dos instintos siderais. Só existe numa caixinha lacrada de idealizações. Já o outro sul cardeal é do lado oposto ao norte. E ficava bem ali adiante no rumo do igarapé e da grande castanheira.

Fazia um trocadilho quando Sueli passava, de braços com o japonês, companheiro dela. Moravam na vila, depois da ponte. Apontava para o caminho dizendo pra mim mesmo, no protegido da janela telada, como se dissesse para ela ‘ei, Sueli, o sul é ali’. Aquela intimidade ocorria só no meu pensamento. Sueli tinha uma vida recatada, de poucos alardes. Saía raramente de casa e quando saía, era com o japonês. Nos encontrávamos mais de perto, à tardinha, no jogo de vôlei. Durante as partidas, se soltava um pouco. Vibrava, reclamava se errava uma jogada, abria sorrisos absolutamente mundiadores quando fazia ponto. Sacava com elegância, embora nem dominasse as técnicas. Bastava sustentar a bola no ar que para ela a jornada da tarde já estava ganha. Criei uma afeição contida. Todas as tardes, reparava nela. Era jovem e tinha uma beleza reprimida. Se cuidava pouco. Não tinha vaidade. Na quadra arriscava um pitó para prender o cabelo e este arranjo lhe dava um aspecto juvenil, inocente. Nem parecia que já era casada. Com o japonês.

O sul é ali e o trocadilho me vem com uma sonoridade perturbadora. Inspirando aquelas inquietações no lado esquerdo do peito. Meu ponto cordial se deixa levar pelos ventos sem rumo certo. O igarapé, a castanheira, um olá respeitoso para o casal da minha janela e as convulsões, os respondidos explodindo dentro de mim. Meu esconderijo telado, a realidade turva pela poeira; e toda aquela revelação verbal comprimida, apertada dentro da razão, volta-se para o céu em clamores, culpas, perdões. Chama por uma energia compensadora, uma prenda pós-morte, um paraíso de prazeres sublimados. São as revoluções provocadas pela paixão. Dominam meu ser em pensamentos e intenções. Prazerosos pecados. Delitos deliciosos. Conflitos excitantes, Medos delirantes. Felicidades em risco. A paixão clandestina, silenciosa, perigosa, insidiosa, Indicando a direção. O sul é ali.

De minha boca, as angústias explodem em palavrões pedindo céus e nuvens e chuva e Deus e força e choro farto e resignação e um amor só meu e a vergonha social e o flagelo da clausura e uma demência estratégica e... silenciam.

Até que um dia, me chegou notícia contando que Sueli havia fugido de casa. Sem que ninguém maldasse, sem nenhuma pista na quadra de vôlei que insinuasse. Pegou o circular cedo, antes do japonês chegar do turno da noite. E sumiu no mundo. Levou a beleza pura, sem enfeites, o pitó juvenil e aquele sorriso avassalador de quando fazia um ponto, sem técnica, quase sem querer, no jogo. Nunca mais se ouviu falar dela.

Dali a alguns dias, o caminhão passou pela minha janela levando as coisas do japonês. Estávamos sem rumo. Sem pontos cordiais a bater no coração.

Nunca mais se ouviu falar dela. A não ser agora, quando olho pro horizonte e a localizo... ali, no sul.

 

 

 

sábado, 23 de setembro de 2023

crônica da semana- Feira Pan

 O feldspato e o tremelique nas razões

Escrever no dia seguinte à jornada intensa da Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes tem a medida exata e ainda fresquinha dos atropelos comuns aos instantes incomuns. É que hoje, a minha carruagem virou abóbora. Todo o fulgor, aquela convulsão, as imersões em descobertas, o papo cabeça vão se apagando a uma velocidade da luz sem luz e dão lugar à rotina operária, à tensão produtiva, ao labor inclemente e duro, ao humor contido, ao amanhecer sedento de ânimo e de energia. A atmosfera literária, intelectual, abstrata e agradavelmente despressurizada, dá lugar à concreta valia, ao relógio de ponto, à rigidez implacável da produtividade. O dia seguinte à Feira Pan, requer a mudança de personalidade, o desapego de adornos e discursos, a reviravolta no ser e estar. Faz a exigência de um outro eu a me dominar. Mas já foi de muito mais impacto esta viração de casaca. Já ocorreu o tremelique das razões. O choque já foi de volts tantos de não se medir. De me deixar meio atarantado, por um isso assim em tempo de errar a letra e a fala. Hoje sai de cena o escritor e volta ao comum dos dias, o operário. Abandona-se o autógrafo em favor do carimbo. Deixo o limbo leve das palavras e me lanço ao chão frio e bruto (ao mesmo tempo, sagrado provedor de cumê e algum prazer), do chão da fábrica. Num sacolejo de entontecer os pensamentos. Digo até que agora, é destrambelho fácil de se arrumar sem grandes contorcionismos de conduta. Mas há alguns anos, a liga era mais intensa. Ainda tinha o feldspato...

Foi no tempo em que eu era aluno temporão do curso de Geologia, trabalhava de turno, tinha duas crianças pequenas pra cuidar e ainda traçava estas heróicas linhas a hora do dia que desse. Era quatro em um. Vivia várias personalidades numa velocidade alucinante e que ganhava relevo nesta mais espetacular sequência: saía de Barcarena ainda com a estrelas pinicando no céu. Enfrentava a travessia e rezava a todos os santos pra chegar e pegar ainda o final da primeira aula na Federal. Nessa época, fazia uma disciplina ligada a Mineralogia e a estrela da vez era o feldspato, um mineral que até a Universidade nem maldava que tinha tanto valor científico. O bichinho na vera era o astro naquele período. Tomou todo o semestre. Adentrei naquele mundo miudinho e que contava com a tecnologia das lâminas de vidro, do microscópio, requeria umas apreensões de ótica, das revelações da luz polarizada. Era uma disciplina que eu considerava engalanada, empoada nos poderes acadêmicos. Ali, sentado, decifrando a história do feldspato no microscópio eu me via como um ser superior, dominador das ciências. Até que batia a campa, eu saía correndo, me despindo pelo caminho dos rigores científicos, atravessava a baía meio-dia e pegava o turno da fábrica já abraçado ao cabo de uma pá, ao comando de uma máquina, ou à assepsia do ambiente de trabalho. Do cientista, nem lembrança. Depois de bater o ponto, casa. As crianças dormindo (raramente dava pra exercer a versão pai). No outro dia, de novo Federal e de novo trampo de peão. Virava a escala e ia para o turno da madrugada. Federal durante a manhã. Tentava ser pai de tarde, e à noite cumpria minhas oito horas na lida. Entre uma jornada noturna e outra, sem dormir um tico, aparecia o escritor. Nem tinha computador nessa época. Era tudo na minha Olivetti. Um pouquinho de pai de novo e tirava uns dias de folga. Enquanto descansava do trabalho, carregava as ‘pedras’ de feldspato, me aviava como pai e buscava inspiração para um verso, uma prosa. Era quatro em um. Mas não aguentei não. Abandonei o feldspato, adaptei outros eus e busquei dias mais brandos, mas de forma alguma distendidos ou levianos. Muito pelo contrário. Densos, ainda densos, como estes de adaptação, ao pós Feira Pan. 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

crônica da semana - a onzena

 A onzena

A chuva ia, vinha e, às vezes, forte. Numa das amainadas daquele chove e molha do sábado à noite consegui chegar ao Hangar, me acomodar na mesinha número dois do Estande dos Escritores Paraenses, e aqui, ali, receber leitores, amigos e amigas para a sessão de autógrafos do meu novo livro Igarapé Piscina. Tudo muito bem, tudo muito bom, gente da mais fina estampa, companheiros e companheiras da lida poética, e da arte da boa prosa por perto, mas... Estava numa cuíra! Ocorre que nos anos outros contados em que me lancei em sessões de apresentação dos meus livros, na Feira Pan-Amazônica, era dada como certa a presença de pessoas muito queridas que me acompanham ali, rente como pão quente, na coluna de sábado, no jornal. Leitores que ainda adotam o modelo clássico de tratar a crônica. Preferem sempre o meio impresso, recortam, colecionam, chegam a fazer molduras e detalhes na margem do papel para aqueles textos que mais admiram. Destacam e indicam para amigos e parentes, mandam recados para o autor, por email. Assim, do jeitinho mesmo que eu fazia com as publicações em jornais e revistas do Veríssimo, Sabino, Ubaldo, Scliar e tantos outros ídolos que admiro na escrita simples e ao mesmo tempo elaborada da crônica. Meu aperreio era que, a noite estava se adiantando e nada dos fãs históricos chegarem.

Houve então de a chuva dar aquela trégua providencial, o público adensou no Hangar e quando dei fé, Dona Walda despontou no corredor. Meu coração sossegou. Aquietou-se envolto a uma névoa doce de contentamento. Dona Walda é leitora de anos. É dito e certo que recebia a edição de sábado, do jornal, sem falta e no calmo da manhã, juntava-se ao amado Fernando para ler a crônica da semana. E não só isso. Interagia. Interpretava os causos contados, refletia, tecia críticas generosas, atinava e se lhe aprouvesse, fazia contato comigo para que eu explicasse melhor esta ou aquela passagem. Não por acaso, a foto que escolhi para que marcasse a passagem de Dona Walda pela minha noite de autógrafos, mostra nossa atenção ao livro aberto e denota a natureza dessa relação literária amiga que temos. Nos demos ali a bons e férteis comentários sobre o que líamos à vez.

Sou um cronista que me reconheço dentro dos meus limites. Sei também que por vezes salto fora deles e, di rocha, crio textos que a mim mesmo causam admiração por causa de algum evidente refinamento. Outras vezes, nem tanto, só o caldo da sustância, do respiro literário. Variando nesta senoide, oscilando nos meus máximos e mínimos, penso alcançar a simpatia de um time que, assim, na graça e na brincadeira conto, de forma simbólica, como uma onzena de leitores. Faltavam dez então.

Os portões do Hangar se fecharam e eu fui pra casa me perguntando se a chuva não jogou contra meu time.

No domingo, voltei ao Estande para repor os livros e traçar um papo matinal com visitantes. E eis que cedo do dia Dona Dora me faz uma super e agradável surpresa. Veio como em outras e tantas oportunidades, com a família. Percebo que faz questão da companhia deles, é como se estendesse o apreço que me tem às outras gerações. Me apresentou a todo mundo, atualizou opiniões e cenários que já fazem parte da nossa ligação literária. Fiquei muito feliz de ver Dona Dora e como sempre, assim, com a família. É um recado de união, de convivência segura. Fiz questão de saber como ela superou esses anos de dor e inquietação que se sobrepuseram impiedosos após 2017, ano em que lancei “Janeiros” e que nos vimos pela última vez. Folgamos em nos sabermos resistentes, sobreviventes, vitoriosos. Fizemos um registro. Eu, o Igarapé Piscina, Dona Dora e toda a família, juntos, como deve ser.

Daqui a pouco, tô pelo Estande dos Escritores Paraenses de novo.

Nos vemos por lá. Ah, ainda faltam nove, do time.

 

sábado, 9 de setembro de 2023

crônica da semana - espelho sem aço

 Espelho sem aço

Se minha avó estivesse vendo o Sílvio, um humorístico bandalho com o Zé Trindade, uma profanação das regras com a Dercy, mesmo uma trivialidade, na tarde calorenta de Belém e alguém passasse ou estacionasse a frente da TV, era logo que vinha o carão: “sai da frente, espelho sem aço”.

Isso acontecia naqueles anos de chumbo, solidão e incertezas quando, recém-chegados do Acre, ainda nos acostumávamos com as reações de minha avó ante uma invasão do seu precioso espaço.

E o espaço era a casa da Marquês, que nos abrigou naqueles primeiros dias, depois emendou numa prorrogação, nos viu ficar sem pai, e por fim, não houve escolha: varamos, os acreaninhos, um bom tempo a adensar a coletividade que habitava aquela parede- meia. No pico da convivência, deu a conta certa de 10 moradores. Já pensou? Era muita rede atada. Um só banheiro. Cumê pra essa gente toda, meu pai! Além da alta e grave probabilidade de alguém atravessar na frente da TV em hora de diversão da vovó. Que sufoco!

Nada que a solidariedade, a esperança de um numerário que viria da herança do papai e, sim, sim, o amor envolvido, não superassem.

Por onde se enxergasse, tirávamos os dias na paz. Mamãe arrumou uma marretagem e contribuía no que desse das vendas para o orçamento do conglomerado. Sem luxo, passamos os tempos. Sobrevivemos. Fomos todos pra escola. Consegui uma ‘vaga do governo’ na Aparecida e minhas irmãs se arranjaram todas no Josino. Antes, passamos pela pedagogia da palmatória na aula particular da professora Lurdes, que ficava defronte de casa e a gente não podia nem faltar. Desemburramos com ela. Ao entrar na Aparecida, já sabia boa parte da tabuada e recitava um Ivo viu a uva na maior intimidade com as fricativas.

Durou pouco a minha soberba. Quando a gramática subiu o nível, eu desci a ladeira me embolando com notas baixas. Minha valência é que ao pegado da professora Lurdes morava um rapaz muito considerado na rua, mais ainda depois de fazer jus à boina dos universitários. Foi assim naquele ano (não sei se era desse jeito em todos os certames vestibulares do período plúmbeo militar). Os calouros que raspavam a cabeça ganhavam uma boina.

Pois bem. Conheci, com o calouro de boina, as formas nominais do verbo e descobri que o particípio passado do verbo imprimir era ‘impresso’. O rapaz de boina com muita paciência incutiu na minha cabeça conceitos que guardo até hoje sobre aquelas temeridades do tipo oração coordenada, predicação verbal, partes do discurso e os vários porquês. Me ensejou a salvação quando eu estava na biqueira de uma repitota de série, por causa dessas armadilhazinhas da língua. Graças a ele, passei arrastado, mas passei com um cinquinho na recuperação e me livrei de uns carões da mamãe.

Durante um tempão, ainda cumprimentava o rapaz da boina quando o via pela Pedreira. Fazia com que lembrasse de mim, dava pistas: as casas geminadas, do outro lado da rua, o particípio passado. “Impresso”. Meu cinquinho na recuperação, meu tio. Quando falava do meu tio, ele tornava. “Ah, sim, sim, lembro!” Eram amigos.

Por agora, nas minhas caminhadas pela Marquês, tentando um ganho de oxigênio, uma aeróbica que me dê mais qualidade de vida, passei na frente da casa dele e vi uma placa de venda.

Não o vi mais pela Pedreira.

Reflito que sequer tive curiosidade de pesquisar o sentido da expressão ‘espelho sem aço’. Ou mesmo, como seria um espelho com aço. Aquele, sei o que resultava no comportamento de minha avó. Um carão. E este, com aço, lhe aprazeria? O rapaz da boina teve muita paciência comigo, porque, confesso, por um tempo sustentei que o particípio do verbo falar era ‘falo’. Houve superação desde aquele condomínio de 10 pessoas numa casa de barro geminada. Houve tolerância e, estou certo, uma ponta de amor.

A herança não veio.

sábado, 2 de setembro de 2023

Crônica da semana - No Acre faz frio

 No Acre faz frio

Bem a calhar os últimos vagares dos dias. Esses instantes de conversas frouxas, leves, de mesa de bar; de tiradas espontâneas pra preencher o tempo ou dar liga para dedicar um raminho meu às saudáveis relações sociais. Foi na prorrogação da sessão de autógrafos do meu livro, sábado próximo passado, quando uma turma animada quedou-se aos saberes muitos e prazeres tantos de uma cerveja bem geladinha, ali pelas penumbras da 25. Ainda no pique, com energia (e sede) pra completar a festa de lançamento do Igarapé Piscina, meu oitavo livro. Conversa vai, conversa vem, e como o Acre integra um dos tópicos das minhas narrativas, alguém me perguntou se eu tinha morado mesmo, de verdade, em todos os lugares que cito no livro. ‘Até no Acre?’ Acrescentou, com curiosidade inquieta, uma voz feminina ao extremo da mesa.

Eu mesmo me espantei com a resposta. Não. Ao contrário dos lugares que pautam a minha saga Amazônica, no Acre, nunca morei não. Sou nascido, não criado e em circunstância nenhuma, domiciliado. O que é uma pena. Gostaria. E penso até que por não ter vivido naquelas terras, de forma compensatória, o lugar anima a minha criação.

Exatamente porque tenho poucas experiências vividas na vera, é que muito do que escrevo sobre o Acre é invencionice, entra na conta da minha lavra ficcional. Houve um tempo que eu dizia ser o Acre a minha Macondo, forçando, sem que minha cara tremesse, uma incabível comparação com a cidade fantástica criada por García Márquez no romance “Cem anos de Solidão”. Com todos os perdões do consagrado escritor colombiano, até acho justa a minha apropriação do nome da cidade. No contexto e no frigir dos ovos, entendo ter um sentido. Se a gente for pros lados da ilusão, da fantasia, da literatura pautada no absurdo dos fatos, é que nem: A história de uma chuva de peixe que eu reconstitui nos escondidos do seringal São Miguel, a partir dos relatos da minha avó e, por outra, o risco luminoso de um tiro, rasgando o céu, disparado das margens do rio Ina, saído de um 22 com cano serrado, e indo atingir São Jorge Guerreiro na plena lua cheia, são causos que saíram da minha pena e migraram para o imaginário alheio como verdades inquestionáveis.

Deixa estar que, por outras e pavimentadas vias, o imaginário alheio se deixa ir também. Na mesma conversa de bar, logo surgiram as impressões imprecisas sobre o Acre. A existência do Acre como federado da nação foi logo colocada em destaque. Asseguro. O Acre existe sim como unidade federativa deste imenso Brasil. Ouros termos sobem à tona misturando alhos e bugalhos. Fuso horário é menos? Chico Mendes e Marina Silva são como siameses ambientalistas à luz do dito comum; e o garoto que desapareceu por cinco meses e que tinha umas pinturas esquisitas tomando todas as paredes do quarto reforça aquelas tendências aos mistérios.

O crível e certo é que o Acre se alinha a um contexto cruel de um país desigual. Geograficamente apartado, socialmente discriminado, ambientalmente atacado. Sazonalmente árido. O Acre se apruma como uma entidade física, administrativa, real. Com seus encantos, sua revolução e sua brasilidade. Estamos na luta nós, os exilados e outros tantos nativos a buscar rumos neste mundo de disputas.

A mim, nos causos, me apraz idealizar um Acre, um pai, minha vó Raimunda, meu vô Firmino, o chá da miração, a seiva rica escorrendo do pé de pau, os cachorros rompe-ferro e rompe-mato, as lavadeiras no baixo dos barrancos chapinhando nas águas rasas, minha mãe lançando olhares esperançosos para o horizonte comigo no colo... Porque deles sou tão vazio como os vagares dos dias.

Ah, não fui residente, tampouco domiciliado no Acre, mas sei que lá faz frio. E também que uma viagem de avião de Belém para Rio Branco demanda um dia inteiro. Demora que só.