segunda-feira, 18 de setembro de 2023

crônica da semana - a onzena

 A onzena

A chuva ia, vinha e, às vezes, forte. Numa das amainadas daquele chove e molha do sábado à noite consegui chegar ao Hangar, me acomodar na mesinha número dois do Estande dos Escritores Paraenses, e aqui, ali, receber leitores, amigos e amigas para a sessão de autógrafos do meu novo livro Igarapé Piscina. Tudo muito bem, tudo muito bom, gente da mais fina estampa, companheiros e companheiras da lida poética, e da arte da boa prosa por perto, mas... Estava numa cuíra! Ocorre que nos anos outros contados em que me lancei em sessões de apresentação dos meus livros, na Feira Pan-Amazônica, era dada como certa a presença de pessoas muito queridas que me acompanham ali, rente como pão quente, na coluna de sábado, no jornal. Leitores que ainda adotam o modelo clássico de tratar a crônica. Preferem sempre o meio impresso, recortam, colecionam, chegam a fazer molduras e detalhes na margem do papel para aqueles textos que mais admiram. Destacam e indicam para amigos e parentes, mandam recados para o autor, por email. Assim, do jeitinho mesmo que eu fazia com as publicações em jornais e revistas do Veríssimo, Sabino, Ubaldo, Scliar e tantos outros ídolos que admiro na escrita simples e ao mesmo tempo elaborada da crônica. Meu aperreio era que, a noite estava se adiantando e nada dos fãs históricos chegarem.

Houve então de a chuva dar aquela trégua providencial, o público adensou no Hangar e quando dei fé, Dona Walda despontou no corredor. Meu coração sossegou. Aquietou-se envolto a uma névoa doce de contentamento. Dona Walda é leitora de anos. É dito e certo que recebia a edição de sábado, do jornal, sem falta e no calmo da manhã, juntava-se ao amado Fernando para ler a crônica da semana. E não só isso. Interagia. Interpretava os causos contados, refletia, tecia críticas generosas, atinava e se lhe aprouvesse, fazia contato comigo para que eu explicasse melhor esta ou aquela passagem. Não por acaso, a foto que escolhi para que marcasse a passagem de Dona Walda pela minha noite de autógrafos, mostra nossa atenção ao livro aberto e denota a natureza dessa relação literária amiga que temos. Nos demos ali a bons e férteis comentários sobre o que líamos à vez.

Sou um cronista que me reconheço dentro dos meus limites. Sei também que por vezes salto fora deles e, di rocha, crio textos que a mim mesmo causam admiração por causa de algum evidente refinamento. Outras vezes, nem tanto, só o caldo da sustância, do respiro literário. Variando nesta senoide, oscilando nos meus máximos e mínimos, penso alcançar a simpatia de um time que, assim, na graça e na brincadeira conto, de forma simbólica, como uma onzena de leitores. Faltavam dez então.

Os portões do Hangar se fecharam e eu fui pra casa me perguntando se a chuva não jogou contra meu time.

No domingo, voltei ao Estande para repor os livros e traçar um papo matinal com visitantes. E eis que cedo do dia Dona Dora me faz uma super e agradável surpresa. Veio como em outras e tantas oportunidades, com a família. Percebo que faz questão da companhia deles, é como se estendesse o apreço que me tem às outras gerações. Me apresentou a todo mundo, atualizou opiniões e cenários que já fazem parte da nossa ligação literária. Fiquei muito feliz de ver Dona Dora e como sempre, assim, com a família. É um recado de união, de convivência segura. Fiz questão de saber como ela superou esses anos de dor e inquietação que se sobrepuseram impiedosos após 2017, ano em que lancei “Janeiros” e que nos vimos pela última vez. Folgamos em nos sabermos resistentes, sobreviventes, vitoriosos. Fizemos um registro. Eu, o Igarapé Piscina, Dona Dora e toda a família, juntos, como deve ser.

Daqui a pouco, tô pelo Estande dos Escritores Paraenses de novo.

Nos vemos por lá. Ah, ainda faltam nove, do time.

 

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