A onzena
A
chuva ia, vinha e, às vezes, forte. Numa das amainadas daquele chove e molha do
sábado à noite consegui chegar ao Hangar, me acomodar na mesinha número dois do
Estande dos Escritores Paraenses, e aqui, ali, receber leitores, amigos e
amigas para a sessão de autógrafos do meu novo livro Igarapé Piscina. Tudo
muito bem, tudo muito bom, gente da mais fina estampa, companheiros e
companheiras da lida poética, e da arte da boa prosa por perto, mas... Estava
numa cuíra! Ocorre que nos anos outros contados em que me lancei em sessões de
apresentação dos meus livros, na Feira Pan-Amazônica, era dada como certa a
presença de pessoas muito queridas que me acompanham ali, rente como pão
quente, na coluna de sábado, no jornal. Leitores que ainda adotam o modelo
clássico de tratar a crônica. Preferem sempre o meio impresso, recortam,
colecionam, chegam a fazer molduras e detalhes na margem do papel para aqueles
textos que mais admiram. Destacam e indicam para amigos e parentes, mandam
recados para o autor, por email. Assim, do jeitinho mesmo que eu fazia com as
publicações em jornais e revistas do Veríssimo, Sabino, Ubaldo, Scliar e tantos
outros ídolos que admiro na escrita simples e ao mesmo tempo elaborada da crônica.
Meu aperreio era que, a noite estava se adiantando e nada dos fãs históricos
chegarem.
Houve
então de a chuva dar aquela trégua providencial, o público adensou no Hangar e
quando dei fé, Dona Walda despontou no corredor. Meu coração sossegou.
Aquietou-se envolto a uma névoa doce de contentamento. Dona Walda é leitora de
anos. É dito e certo que recebia a edição de sábado, do jornal, sem falta e no
calmo da manhã, juntava-se ao amado Fernando para ler a crônica da semana. E
não só isso. Interagia. Interpretava os causos contados, refletia, tecia
críticas generosas, atinava e se lhe aprouvesse, fazia contato comigo para que
eu explicasse melhor esta ou aquela passagem. Não por acaso, a foto que escolhi
para que marcasse a passagem de Dona Walda pela minha noite de autógrafos,
mostra nossa atenção ao livro aberto e denota a natureza dessa relação
literária amiga que temos. Nos demos ali a bons e férteis comentários sobre o
que líamos à vez.
Sou
um cronista que me reconheço dentro dos meus limites. Sei também que por vezes
salto fora deles e, di rocha, crio textos que a mim mesmo causam admiração por
causa de algum evidente refinamento. Outras vezes, nem tanto, só o caldo da
sustância, do respiro literário. Variando nesta senoide, oscilando nos meus máximos
e mínimos, penso alcançar a simpatia de um time que, assim, na graça e na
brincadeira conto, de forma simbólica, como uma onzena de leitores. Faltavam
dez então.
Os
portões do Hangar se fecharam e eu fui pra casa me perguntando se a chuva não
jogou contra meu time.
No
domingo, voltei ao Estande para repor os livros e traçar um papo matinal com
visitantes. E eis que cedo do dia Dona Dora me faz uma super e agradável
surpresa. Veio como em outras e tantas oportunidades, com a família. Percebo
que faz questão da companhia deles, é como se estendesse o apreço que me tem às
outras gerações. Me apresentou a todo mundo, atualizou opiniões e cenários que
já fazem parte da nossa ligação literária. Fiquei muito feliz de ver Dona Dora
e como sempre, assim, com a família. É um recado de união, de convivência segura.
Fiz questão de saber como ela superou esses anos de dor e inquietação que se
sobrepuseram impiedosos após 2017, ano em que lancei “Janeiros” e que nos vimos
pela última vez. Folgamos em nos sabermos resistentes, sobreviventes,
vitoriosos. Fizemos um registro. Eu, o Igarapé Piscina, Dona Dora e toda a
família, juntos, como deve ser.
Daqui
a pouco, tô pelo Estande dos Escritores Paraenses de novo.
Nos
vemos por lá. Ah, ainda faltam nove, do time.
Nenhum comentário:
Postar um comentário