sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Salve o poeta



GRÃO DE ESTIMA

Do fundo d’alma, obrigado
por esse gesto de amor
que levarei aonde for
dentro do peito guardado.
Num mundo tão conturbado,
onde viver é um perigo,
uma palavra de amigo
a fome de amor dizima
que um pequeno grão de estima
vale por mil grãos de trigo!

(Antonio Juraci Siqueira)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Habitat


É dor a minha casa
Comigo moram
Além da solidão
As suas seis irmãs

A tristeza
A pobreza
A loucura
A noite
A febre
E a morte natural

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

o meu primeiro poema (quando eu tinha 16, 17 anos) rico em rimas pobres e que virou canção

Desexistir

Desexistir o fogo às damas
Ou então repetir as feras humanas
Desexistir os corpos minguados
As casas caídas
Corações favelados

E morrer e lembrar
Um passado distante
E calar das angústias
Até desesperar

Inventar liberdade
Ser o dono do chão
Repassar este sonho
Até desesperar

Ver dos montes
A vida
Como vento passar
E matar a vontade
De outra vez guerrear

E viver e lutar
E lutar e perder
Suportar existir
Até desesperar

Ver o sol se abrir
Outro dia raiar
A beleza da rosa
A leveza do mar
E abrir a janela
Ver o sonho passar
Existindo na vida
Até desesperar

Desesperar na penumbra do sol
No espinho da rosa
Na fúria do mar
Desesperar no encontro das ondas
No alvoroço das águas
No inferno em que está

Dorme ao sol, some no mar
Desexistir, só se desesperar

sábado, 16 de outubro de 2010

soneto do poeta Orivaldo Fonseca

O LADRÃO


Quando o amor bate à porta, e é madrugada;
E se o frio te percorre o corpo inteiro,
Fica quieto e reduz teu candeeiro,
Não te movas por nada. É uma cilada.

Mas se o amor insistir em ter entrada,
Sob a jura de ser bom mensageiro,
Não o escutes, o amor é traiçoeiro.
Roubará teu sossego e tua morada.

E, contudo, se o amor te achar no sono,
Se vier surpreender-te adormecido,
É chegado teu fim. Tudo é perdido.

Viverás condenado ao abandono.
De ninguém, nem de ti, serás mais dono.
Não relutes, paciência, estás vencido.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia do professor


É-TÊ- ÉFE-PÊ-Á!
Resisto ainda, em chamá-la de Cefet. Para mim ainda é Escola Técnica, ou, na intimidade, simplesmente Escola.
Entrei na Escola Técnica Federal do Pará em 1979, e mesmo em tempos de severa repressão, ali, encontrei as traduções possíveis para a liberdade.
Na Escola não tinha essa de fila para entrar, de ficar enclausurado na sala esperando bater a campa, de ser obrigado a assistir às aulas. A Escola era um território livre.
Sem nenhuma forçação de barra compreendi, na Escola, aquela máxima de ‘ter liberdade com responsabilidade’.
Tinha prazer em ir para a Escola (o que não quer dizer que não tenha declinado de assistir a algumas aulas). Os apelos eram muitos: a bola no campo; a reunião clandestina do movimento estudantil, lá na ceasa; o violão e um papo cabeça nos escaninhos sombreados pelos buritizeiros; a unha com chope de uvita, no portão da Estrela; os jogos estudantis, onde assombrávamos com o nosso grito de guerra : É-TÊ-ÉFE-PÊ-Á!
E, sim, sim, as substanciosas aulas construídas pelo talento cênico de Cláudio Barradas; Pela elegante sintaxe de Alfredinho e pelo humor cartesiano do Cascaes; Pelo rigor científico do Campbel e pela harmonia química de Olinda; Pela postura escandinava da Waldize e pela sensibilidade sociológica de Ana Aragão.
Especiais foram os ensinamentos oferecidos pelos meus mestres Teodoro, Maia, Cristino, Vilaça e pelo saudoso professor Alfredo, pioneiros e verdadeiros heróis na árdua tarefa de implantação (e sobrevivência) do curso de Mineração.
A minha turma, desde o dia em que chegamos para a primeira aula de Desenho, varando um corredor de vaias, por causa das nossas réguas tês cheias de penduricalhos, até o último, quando fizemos um beneficente pedágio, na Almirante Barroso, à cata de recursos para uma justa comemoração inspirada por doces lapadas de Coquinho, continuou a mesma. Esta longevidade foi determinante para que ali fossem construídas férteis amizades.
Da minha turma guardo uma eterna gratidão. Naqueles Tempos difíceis encontrei, na PT-15-7C, braços fortes que me ampararam até o final do curso.
Por esses dias, recebi um e-mail que me emocionou. Foi enviado pelo Maia, meu professor, me desejando um feliz Círio. Li o seu e-mail, lembrei dessas coisas, senti saudades, e me voltei ao compromisso, que aprendi na Escola, de sermos solidários uns com os outros.
No domingo, roguei a Santinha para que um atrevido solavanco no coração não ganhe o poder de abater um herói de tamanha envergadura.
Saúde, mestre. Torço por ti: É-TÊ-ÉFE-PÊ-Á!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma homenagem à Neusa Rodrigues de Abaetetuba


Sobre O Artesão e Sonhos
Quero falar das maravilhas que se encerram em O Artesão dos Sonhos, conto agraciado com a Menção Honrosa no IX Concurso de Contos da Região Norte, promovido pela UFPA.
Uma tragédia ribeirinha costurada com os tenazes fios do suspense e matizada com o gracioso lirismo caboclo. Um drama centrado na (desconcertante) imagem do artesão Cazuza exposta em silencioso recorte de jornal.
Quero dizer da belezura que é o texto de O Artesão... quando revela, em passagens elegantemente elaboradas, as dores causadas pela morte de Cazuza. Mas não tenho a pretensão de me esmerar em viagens explicativas para a obra, mesmo porque, por ser iluminado pelos fachos de Zé Fogueteiro, o conto explica-se por si.
Convido as pessoas de bom coração, portanto, a lerem o conto. Ele faz parte da coletânea publicada pela UFPA em edição que pode ser encontrada no campus do Guamá e no Núcleo de Artes, na Praça da República.
O conto expõe, sutilmente, um mosaico de emoções arquitetado no palavreado que vinga na baixa do Tocantins.
A autora, Neusa Rodrigues, mira-se no espelho do dialeto abaetetubense e se arvora por um caminho que vai muito além do proselitismo da língua. Assim, nos brinda com impressões, com imagens, com dores e sabores. Neusa na literatura, é cor, é som, é luz. É quase cinema.
E ali, nos dizeres dos personagens, nas onomatopéias da vida, ali, eu vi Cazuza riscar o miriti com precisão, e ali, vi o charme do dialeto afrancesado, e ali, como todo crente, eu vi a ilha da Pacoca virando um mundo encantado de luz. E ali, eu vi, na morte do artesão Cazuza, que sonhos, não se resgatam. Sonhos se conquistam, se realizam. E vi também, que o som da esperança: Fiásss...Pei! Pei! Pei! O foguetório da vida, pelo menos para nós, que escrevemos sobre ela (mesmo quando falamos sobre a morte), Fiásss...Pei! Pei! Pei! Ele, o espocar dos sonhos, encanta exatamente, por vir liberto das aspas.
Em O Artesão..., Neusa faz referências a modalidades particulares de utilização da linguagem, ao acervo histórico, religioso, aos costumes de nosso povo, em medidas, de tal grau envolventes, que nos transportam para as cenas. Esta prática literária, por vezes, é rotulada de Resgate Cultural. Um tipo de classificação que, fiel às nossas travessuras lingüísticas, eu ‘disconcordo’. Porque, ora, ora, só se resgata, só se recupera, aquilo que se perdeu. E nós, não perdemos absolutamente nada. O Artesão... nos mostra isso.
Não perdemos, e nem perderemos. A nós, que tratamos com os ‘causos’, com a história (não aquela desgastada, no passado, mas esta aqui, viva no presente e promissora, no futuro). A nós que utilizamos a palavra como forma de resistência e como garantia de felicidades, de amores, de prazeres, canto e música, a nós, não nos cabe resgatar. A nós, nos cabe viver, e quem sabe, sob a leveza e o colorido das peças de miriti do artesão Cazuza.
É bater e ver. Quando leio (e eu leio, leio, releio...) O Artesão dos Sonhos, sinto um orgulho danado de ter sonhos com as cores e o sotaque do paraense da beira.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Salve Rainha



Mãe de Deus, volvei para mim, teu olhar. Para mim que vivo num pé e noutro para atravessar a baía e descalçar o coração, com fé. Para mim, que não posso ouvir o teu hino que me dano a chorar, nem beijar a tua imagem na folhinha do mês, nem contemplar o teu semblante gravado na minha bolsinha de moedas, nem acariciar teu rosto desenhado na capa do livreto da novena, que o teu amor me arde, e me lacrimeja os olhos, ó mãe clemente.
És o meu auxílio, ó dadivosa, e te procuro debaixo deste sol das dez, mergulhado no fervor desta multidão, com tanta esperança, que nem importa qual promessa estou a pagar.
Se foi aquela quando te vi as pupilas agigantarem-se e descolorirem a tua íris explodindo o caleidoscópio da tua alma em mil pedaços de dor...
(E assim, lentamente, se foi para sempre a luz dos meus dias – Luzia – Foi assim, aos poucos, que o fogo provedor dos teus olhos foi se apagando, que o silêncio desbotado daquela hora foi sendo, compassadamente, transportado para além da minha compreensão. Foi então que, tragado pela escuridão, mergulhei no mar de insuportáveis sofrimentos. E foi assim que a minha fé fraquejou, cambaleou e largou-se às sarjetas frígidas da descrença - Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos, a nós volvei... Até que um dia, te encontrei novamente nos olhos graúdos de meus filhos: esperanças e motivos para recomeçar. Encontrei novamente a vida pulsando, querendo, voltando...Pelas ruas de outubro, de Belém, de revelações. Mamãe, mamãe...Mãezinha do céu, eu reaprendi a rezar).
...Ou a promessa foi por aquela outra vez em que eu caí sobre uma lata de conserva, quando eu era bem pequenininho, lá no seringal São Miguel, na planície do rio Acre, e um talho deste tamanho quase aparta a minha perna, e haja borra de café, pra sarar. E haja providência. E haja rogos e pedidos.
E quantas outras promessas eu devo estar pagando agora, ó piedosa mãe!
Sei apenas ó dulcíssima, que, agora, não é a certeza da morte que me dói, e sim, a dúvida do desterro, da separação, da distância, da saudade. E eu, filho exilado, te procuro na tua canção (‘Salve Rainha, mãe de Deus, és senhora nossa mãe...’), no teu coraçãozinho de prata guardadinho na caixa de sapatos, na tua fotografia tão nítida, que a luz do dia me deu. Te procuro no mal secular que eu te fiz, no pouquinho de amor que eu te dei, no muito que é o desejo de te ter perto de mim. Te procuro na tua face serena de mãe como naquela noite em que a eternidade nos visitou...Aquela noite... Aquele silêncio, aquele silêncio meticuloso, cruel, torturante...Que apagou teus olhos e te levou para sempre.
volta para mim, ó mãe, teu olhar confiante. Que eu quero me aninhar no teu colo (como um filhinho, como um filhinho). Que a emoção me consome quando os fogos te anunciam. Que eu quero afagar tuas mãos. (E minhas lágrimas escorrem pelo rosto e se espalham e somem, e orvalham desertos e hidratam fervores, levadas que são pela brisa amiga que vem da baía). Quero que me guardes, ó misericordiosa, pois o tempo é de conversão e te vejo chegar, pelas águas, tomada pelas dores do mundo, no meio de gente de tanta fé.
Que eu não sei quantas vezes, nem tempos, nem anos, ficaremos juntos, rezando para que a dor da saudade, esta saudade sofrida, inclemente, que consome os meus dias, passe.
E depois deste desterro mostrai-me Jesus, Para que nunca mais eu me sinta tão só.
Ora pro nobis, sancta Dei Genitrix.
O clemens, O pia, O dulcis Virgo Maria.
Amém.