sábado, 24 de dezembro de 2022

crônica da semana - Natal, bola e zaire

 E por falar nisso...Cadê o Zaire?

Procurei e não achei. É que o país mudou de nome e agora se chama República Democrática do Congo. Resulta que o antigo Zaire entra aqui na minha história de Natal por causa, ora, ora, em tempos de Copa do Mundo, por causa da bola.

Fosse eu hoje, pedir um presente de Natal, quereria, sem um par sequer de dúvidas, uma bola. Nenhuma brincadeira de rua, produção qualquer da Estrela, jogos estes ou aqueles, do ludo à dama dos tabuleiros na praça, me deram maior prazer, imensa satisfação, que uma bola. O futebol é minha alegria desde que tempo. E em detalhe: gosto mais de jogar do que ver jogos de bola, seja apreciando ao vivo ou pela televisão.

Era, no entanto, naquele jogo da copa, um molequinho esperto se metendo no meio de uma vuca de torcedores que se aglomerava na frente de uma loja na Pedro Miranda, para assistir ao jogo do Brasil contra o Zaire em 1974. Em cores.

Marcou, aquela minha parada na calçada para espiar. Uma porque o Zaire representava ali o primeiro país da região centro-africana a participar de uma copa no mundo. E outra, porque era numa TV colorida e naqueles tempos, remosos que só, TV à cores era coisa rara aqui na barra.

Na vila em que eu morava, na Mauriti, era só no preto e branco, numa ou noutra casa, ainda se esnobava com aquela peça de acrílico colorida montada sobre a tela, comprada de um homem que entrava na vila de vez em quando oferecendo aquela tentação para matizar o televisor. Quem não reunia numerário nem pra comprar do homem, inventava moda colando papel celofane na tela. E salteando as cores. Quando tinha jogo, sapecava um verde pra dizer que era a grama do campo. Em casa, sequer TV tínhamos. Nos batíamos de janela em janela na interação amiga da televizinha. TV em cores para assistir à copa naqueles tempos, era difícil. Só quem tinha era o pessoal que morava na pista. Li em uma página da internet que, depois de levar uma peia de 9 x 0 da Iugoslávia e um singelo 3 x 0 do Brasil, o time do Zaire foi ameaçado até de morte pelo governo autoritário do país. Voltaram vivos para a África, mas ainda, segundo a página, viveram o resto da vida, marcados, sem glória e na pobreza.

Pelo menos em mim, a pena era leve. A vida dura nos tirava o básico e qualquer satisfação mais elaborada. Mas a bola, no Natal, mamãe não deixava faltar. Depois de ter cometido o pecado de  me presentear, certa vez, com o ludo, mamãe dali pra frente não errou a pontaria. Era certeira na bola. E eu, ó, ficava era num pé e noutro de alegria. O objeto de desejo de todo moleque era ter uma bola Dente-de-leite. Custou. Antes, me diverti com a bola Pelé, com a bola Rivelino e outras não colunáveis que a um chute mais potente, variavam pacas. Uma outra categoria de bolas também enchia os olhos da molecada: os pneus. Eram bolas para além das travinhas nas calçadas e peladas na rua. Exigiam campos de verdade. Do Asas, Trabalhista... O mais procurado era o pneu nº5. Pelo valor, nem era contemplado como bem individual. Pneu se conseguia na coleta, com o patrocínio das mães fora de cogitação. A turma que quisesse ter um, tinha que vender muita garrafa, sucata de metais, fazer carretos...

Quando enfim, ganhei minha Dente-de-leite, tratei dela com muito carinho. Toda vez, lavava, enxugava, guardava debaixo da minha rede. Sonhava com ela. Durou mais do tanto comum, e já no finzinho, meio ovalada, ainda ganhou alguns remendos com faca quente. Sem mais ter o que dar, saiu da vida nos campinhos de caroço de açaí para entrar nesta história junto com o Zaire.

Daqui a pouco vou lá embaixo. Comprar o meu presente de Natal. Adivinhem o que será ...

 

sábado, 10 de dezembro de 2022

crônica da semana - copa arizona

 A copa das copas

Dizendo assim, hoje, é difícil acreditar que houve na história do desporto paraense, um torneio de futebol de considerável envergadura, que mobilizava penca de times de bairro, aqui de Belém (não sei se ocorria em outros lugares) e que era, ora mire e veja, era patrocinado por uma marca de cigarro.

A copa das copas foi a Copa Arizona, com certeza.

Um evento esportivo, alguém consegue imaginar, inspirador de corpos atléticos e saudáveis, bancado pelo inimigo número 1 do pulmão?

Pior que era. Um senhor evento. E que, a bem da boa prosa, contava com uns quantos atletas que, perfeitamente integrados à filosofia do patrocinador do torneio, não davam essa bola toda à ortodoxia do corpo são e mente sã.

Ao contrário do `Peladão, que tinha o Fuzuê, o Lá vai a bola... famoso também na época, que era descalço, jogava-se a Copa Arizona de chuteiras. Havia uma ordem na organização. Arbitragem contratada, todos os times uniformizados e com equipes técnicas e de apoio bem compostas. Os jogos se realizavam no gramado bem cuidado do campo da Escola de Educação Física. Era bem bacana a competição. Dava alegria e revelava talentos. A movimentação marcava o fim de semana. Aqui da Pedreira, eu lembro bem do Asas do Brasil nos representando em mais alto nível. Não tenho certeza, mas me parece que o Natal também fazia uma ferida nos confrontos. Os jogos se realizavam durante o dia todo, cobriam dois, três finais de semana com partidas disputadíssimas até chegar à grande final.

Eu e minha patota da Mauriti éramos fanchões na torcida. Enquanto tinha jogo, estávamos lá na arquibancada da Escola, que dá pros lados da Vileta. Folgávamos em pegar detalhes. Muitos dos jogadores da Pedreira, conhecíamos, jogávamos com eles nos segundos quadros da vida em treinos que antecediam o torneio, pelos campos do Asas, do Trabalhista, do Sacramenta. Tudo passado na casca do alho. Só nó cego. Eram boleiros dos melhores, mas avessos a disciplinas ou condutas espartanas em favor do sucesso. Ali pelos arredores do Areal, quando acabavam as partidas de preparação, era rápido que formavam os grupinhos para animados folguedos em mesas dos mais escondidos botecos da passagem do Arame, ou da baixa da Dr. Freitas. E tome um gole gelado, uma branquinha, o maço de Hilton no bolso e otras cositas más até altas horas da madruga. Minha turma como era menor de idade e mais da bandalha e da molecagem do que dos proibidos e desaconselháveis, peruava ao largo nas primeiras horas da noite, identificava os craques mais saidinhos e depois ganhava o rumo de casa porque a mãe marcava em cima. Deu dez horas...

O que conta é que no dia do jogo oficial lá na Escola de Educação Física, sabíamos o que as feras haviam aprontado pela baixada.

E nem era segredo. Lá mesmo, no calor da hora, pleno jogo correndo solto, numa batida de lateral ou no intervalo do primeiro para o segundo tempo, flagramos mina de vezes, nossos ídolos, chegando às bolsas capangas, apanhando de lá o maço de Hilton, Arizona ou um Gaivota, que seja, e saindo relaxado à beira do gramado, ao prazer da boa tragada. Quando não, dando goles clandestinos em água que passarinho não bebe. De volta ao jogo davam show, desarrumavam as táticas das onzenas adversárias mais afinadas.

O comercial do cigarro, que tinha cenário de um deserto avermelhado, cavalos porrudos e caubóis com cara de pupunha dizia que os homens se encontravam no Arizona. Minha patota se encontrava todo fim de semana, na arquibancada da Escola de Educação Física, enquanto durasse a copa das copas. A gente não tinha cavalo. Se batia da Pedreira para os longes do Marco era tirando no pé mesmo.

sábado, 3 de dezembro de 2022

crônica da semana - hits da copa

 Os hits da copa e dos boleiros

O meu pandeiro rebate no gol/E na defesa bate o tamborim...

Estes versos são do amazonense Chico da Silva, o mesmo compositor que criou o hit parintinense “vermelho, vermelhusco, vermelhão”. Cantei e toquei dentro dos meus limites de afinação e harmonia. Publiquei na minha time line e os amigos mais aqueles de indulgentes, até curtiram. Quis fazer uma presença no calor do momento-futebol-total-de-copa, que vivemos. Mas publiquei também porque gosto pacas da arte do Chico da Silva. Ele me torna o tempo. “Esquadrão do samba” foi gravado em 1978, época em que eu era caixeiro da taberna Santo Onofre, na Marquês, ali ao pegado da antiga recapagem de pneus. Ouvíamos o samba no radinho que o dono da taberna sintonizava toda manhã no ‘Mais mais’ da AM preferida dele. A composição tem a peculiaridade de estabelecer relação entre o samba e um time de futebol, atribuindo aos instrumentos, funções e posições que jogadores assumem em campo.

Há vagas, por agora, para retomar músicas que trazem como tema o futebol. Mesmo porque, este ano, tá vasqueiro. Eu da minha parte não conheço nenhuma marchinha ou um bambambam famoso que tenha gravado uma música para este torneio do Catar.

Como não sou de pedra concreta e impenetrável, não posso fazer que não vejo o fut rolar todo dia na TV. Dou ibope. Conta na conta, que sou boleiro e tenho na sacolinha sentimental de guardados, a minha melhor copa do mundo, aquela que marcou.

Inclusive pela prodigalidade da trilha sonora, foi a de 1982.

Teve clássico do Moraes Moreira filosofando sobre o balanceio do filó e o calcanhar de Sócrates; Júnior, discreto, viu e cantou o Canarinho verde; Luiz Ayrão cravou no ‘dá-lhe dá-lhe bola’ um refrão gramaticalmente ousado. E tantos craques... o Telê. O melhor time que já vi.

Por aqueles dias, calhou de rolar também, a colônia de férias da Escola Salesiana. Era um convênio que o padre fazia com a LBA, antigo órgão assistencial do governo e que de vez em quando, despejava uma graninha na periferia, com iniciativas limitadas. No caso aquele, férias da molecada. Para nós que orbitávamos as esferas de confiança do padre, era a chance de atuar numa função educadora e ao mesmo tempo, fechar uma remuneração.

Naquela ocasião, montamos um quadro de responsa. Especialistas em várias modalidades de esportes, instrutores de arte, músicos e atores já consagrados contribuíram com a proposta do padre de trazer um lazer mais qualificado para a Sacramenta. Foi incrível! Eu, como conhecia o espaço, ajudei na disponibilidade de estruturas da Escola. Dentre elas, o estúdio da rádio cipó. Coordenei a programação durante toda a jornada, dando informes e comandos para o dia e, na torcida pelo nosso escrete canarinho, subverti a vocação funcional da rádio com intervenções que traziam a garotada à participação. Realizava competições de calouros exatamente usando as músicas que falavam da copa. O prêmio era uma entrada adicional na fila do pão doce com caldo de cana, na cantina.

Originalmente, não era lotado no estúdio. Como eu fazia Voleibol na ETFPA, tinha as manhas e as teorias, iniciei a colônia em quadra. Ocorre que tínhamos uma combina, os instrutores, de todo dia, ainda no escuro da madrugada, traçarmos um fut-moleque-doido, antes da chegada das crianças. Na primeira dessas partidas, recebi uma entrada que rebolei lá adiante. Na queda pisei em falso e torci o tornozelo que nem o Polêmico Neymar.

No mesmo dia, mandei uma benzedeira puxar. Depois, o padre achou por bem me tirar da quadra e me aproveitar na rádio. Melhor. Todo dia punha a vitrola pra tocar o samba do Chico da Silva e os hits da copa.