segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Índios (Toninho da Funai)




Éraste, parece uma coisa. Olha essa: tava aqui, ante um teclado silencioso, tentando iniciar uma crônica...
Aí fui buscar um dia, lá em Altamira quando Antônio, todo satisfeito, mostrou uma música do Renato Russo. E não é que a música tocou agorinha, no rádio. Parece que a providência guiou o programador musical para que a lembrança do Toninho viesse para mim, mais pura, mais verdadeiramente agradável, embora intolerantemente saudosa.
A música que toca agora é “Índios”, gravada pela banda Legião Urbana no álbum “Dois”, em 1986.
O antropólogo Antônio Pereira Neto chefiava a Administração Regional da Funai, em Altamira, quando o conheci. Nos encontramos de verdade, mesmo, em Altamira, mas tínhamos um quê de andarilhos, de trecheiros, que nos aproximava os espíritos. E foi assim permeada de encontros reais e virtuais por estes rincões amazônicos, que a nossa amizade aconteceu objetiva e sincera.
Soube do Toninho, pela primeira vez, lá no oeste do Brasil. Ele trabalhava no Acre e eu, em Rondônia. A seguir, vim para Altamira e o Toninho já estava lá na Funai. Ali, entabulamos as nossas conversas mais espirituosas e partilhamos amizades grandiosas. Nesse período ocorreu aquela cena por tudo edificante, em que o Toninho cantou, ao violão, a canção do Renato Russo. Tantas emoções. Histórias de perseguição política, do redimensionamento da prática indigenista, do confinamento e do desaparecimento pelos ermos da floresta construindo um conceito de aproximação e contato com os índios. Quantos gritos guerreiros se traduziam e se reproduziam ali na voz do Toninho, naquela noite, às margens do Xingu. Naquele momento a vida grandiosa do Toninho se desvelava para todos nós. Naquele instante os espíritos da floresta guiavam o seu canto e nos mostravam que ali havia um homem inspirado (tal qual o mais belo índio, da mais bela tribo) e com muito amor no coração.
Acho que por estes caprichos naturais (ou sobrenaturais. Sabe-se lá os porquês das vibrações e vontades das ondas de rádio), a canção toca agora e reconstrói o momento. Uma coincidência. Mas um fortuito lance de bem, de conforto, de saudades aprazíveis, boas de sentir. Não me impressiono. Apenas o compromisso da lealdade pousa sobre mim e traz para o meu íntimo um orgulho deste tamanhão de ser digno da amizade de uma pessoa detentora de tantas e espetaculares virtudes (como tocar bem um instrumento).
Depois de Altamira, nos encontramos em Belém. Toninho, na Funai, e eu, batendo perna de pastinha na mão procurando emprego. Um período de sufoco que foi, graças ao bom Deus, breve e logo eu já arrumava as malas e me mandava para Macapá. Lá no meio do mundo, encontrei o Toninho novamente, super atento e entusiasmado com a certeza dos índios Waiãpi sobre a criação de uma humanidade de origem única, o que nos levaria a todos, sermos “parentes”.
Em Macapá, testemunhei a alegria de Toninho e da Lúcia Helena com a chegada da pequena Maíma Katu (e guardo com muito carinho a foto de Maíma recém-nascida no colo de minha mulher Edna. A chegada do bebê marcou muito para nós. Foi a partir daquele momento, daquele clima de renovação, que decidimos também, ter o nosso filho).
De Macapá, vim bater aqui em Barcarena. Toninho ficou ainda um tempo lá. Foi para Brasília e posteriormente, voltou a assumir a Regional da Funai em Belém.
Não pude vê-lo em Belém. Mas guardo, com muito carinho e respeito os momentos em que nossos corações se cruzaram pelos sem-fim da floresta. Guardo também a certeza de ter convivido com um “parente” competente, sensível, perseverante, valente. E que fez um bem enorme à nossa aldeia.

sábado, 28 de agosto de 2010

Ex-companheiro


Você penetrou em mim
Como um ferro fervendo
Como um vulto correndo
Como as gotas chovendo
Como um pé mais atrás

Você se apossou de mim
Como um bicho da mata
Como um menino bruto
Como o sol que ilumina
Como a brisa que ensina
Como um pouco do muito

Você se afastou de mim
Como a gata do cio
Como a água do rio
Como o grito da dor
Como o som dos que somem
Como o pão dos que comem
Como o nome dos homens.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Péssimo Mesmo

Descobri
Que quando quero ser
Uma gota no oceano
Morro afogado

Que aquela cândida
Colegial
De saia azul-marinho
É hoje
A sacana estudante
De calça jeans

Que os corações estão
Se solidificando frios
Como gelo

Que fazemos guerras
Uma atrás da outra
E, é certo,
Faremos a última

Não creio mais na promessa
Que vende Deus
Minha alma responde
Incrédula a tudo
O que vem dos homens
À dolorosa tortura
Que me persegue
E mutila minha fé
À má sorte
Que me rouba a chance
De pelo menos
Uma morte feliz

sábado, 14 de agosto de 2010

Opus Dei


As minhas mãos
Criam anelantes tentações
Modelam desarrazoadas juras
Deflagram intenções

Acariciam despudoradamente
A obra de deus

Viciam sentidos,
As minhas mãos,
Na rude missão
De roubar-te segredos puros
De desonrar futuros
De descobrir teus
Líquidos caminhos

Rumos inseguros,
Apontam tuas mãos,
Meandros ardilosos
Veredas impacientes
Nervoso destino
Moreno oceano
Esculpido por deus

As minhas mãos
Ávidas de ti

A tatear
Um credo silente
Indecente
Feliz

A desenhar um verso
Molhado
Que vinga
Que se anima
Com a graça
Que grassa
Generosa
Servil
Abundante
Gentil
Das doces maravilhas
Que explodem de ti

As minhas mãos
Perseguem
Arriscam-se
Nas armadilhas do pecado

As minhas mãos
Perdem-se em ti
Espraiam-se
Por sobre sedutoras delicias
Por entre insuperáveis sabores
Quedam-se ante
Revelações viscosas
Glorias fluidas
Que brotam das artes de deus

As minhas mãos
As tuas mãos
Os temores
Os encantos
Minhas defesas
E minhas culpas

As minhas mãos
Que afagam
Que, desconcertadas,
Modelam febris sensações

Que acariciam inadvertidamente
A face fria
Os olhos azuis
Os seios nus
O riso indecifrável
Distante
Opaco
Da arte de deus.

sábado, 7 de agosto de 2010

Envergonhado


Comentário da amiga Lorena sobre a minha crônica de hoje
que fala sobre o Dia dos Pais
E eu, claro, fiquei meio sem jeito
mas feliz, muito feliz


"Sodré, meu querido-queridíssimo.
Que coisa mais linda a crônica de hoje!
De novo, mais uma vez, fiquei toda chorosa.
"Égua, o Sodré é foda!"
Que lindo, que querido!
Feliz dia dos pais pra ti.
(E obrigada, sempre, pelas coisas que escreves)

Um carinho bem carinhoso."

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Manoel, o audaz


Bateu, sabe. Fez tóim óim óim aqui dentro da minha caixola. Liguei o Manuel audaz da canção, ao Manoel meu pai, lá do Xapuri.

Sei pouco sobre ele. Parte do que sei de meu pai é o que minha mãe contava quando eu era pequeno. Depois que cresci, procurei saber mais. Fiz duas viagens ao Xapuri. Na última delas, passei cinco dias no seringal em que nasci e acabei participando da rotina do campo (querendo ser audaz), acordando cedo, espalhando ração pelo terreiro, chamando os bichos pra comer: thu thu thu thu thu (e vinha pato, pintinho, galinha, até porco, cabrito, bode apareciam no quintal atrás dum petisco). Experimentei o desjejum do seringueiro montado com carnes, caldos e o que mais desse ‘sustança’. Fui pra lida. Pilei arroz, tirei mourão, colhi o milho (e sabia que isso, esse usufruto de uma rocinha, um carvão aqui, uma casa de farinha acolá, esse mínimo para viver como bom cristão era uma conquista grandiosa do homem da floresta. Muita gente tombou sob a mira dos poderosos para que eu estivesse ali colhendo folhas da hortinha nos fundos do barracão. Por causa dessa vitória histórica, eu fazia aquilo envaidecido, orgulhoso do meu povo acreano). Ganhei as ruas de seringa, nos altos dos igarapés, e risquei umas quantas árvores pelo caminho. Em cada uma delas, deixei fincada minha tigela na espera dos gotejos preciosos que a nós são oferecidos pela abençoada, pela laureada Hevea brasiliensis. Proseei com meus tios, meus primos, ao anoitecer; ouvi a cotação da borracha pela Rádio Nacional de Brasília e como um bom seringueiro, me aquietei antes do Cruzeiro do Sul tombar no horizonte. Adormecia sempre cansado e pensativo, acompanhando a fumacinha e a tisna que a lamparina desenhava no telhado.

domingo, 1 de agosto de 2010

Vollta às aulas


Ainda tem aquela redação "minhas férias"