O completinho desenho
Uma coisa é certa, chega dezembro, é uma correria só. Confraternização pra cá, happy hour pra lá, a gente sempre arranjando um motivo pra tomar uma. Fechamento das coisas no trabalho, dissipação de uma arengazinha com um grande amigo, reprimendas ao fogo do consumo ante o colorido da João Alfredo e uma parada para ver o pôr do sol no Veropa. Eu tô meio azuruote, digo mesmo. Aqui na coluna, tava numa de escrever sobre as aventuras da mamãe, nera, parei na quitanda, a nossa “Suécia bacana”, mas tem tantas lá outras paradas absurdamente atraentes de Luzia que num bom termo e na paz das recordações, ainda torno a contar. Depois, desandei a falar de uma sorte inopinada que se derramou sobre mim, que foi legal pra caramba, mas, ao mesmo tempo, me pôs uma pulga atrás da orelha e me levou a prestar mais reparo nesses papos cataclísmicos. Pensei cá com meus botões: será que o bom pai viu que eu não tinha levado nada patrasmente e agora, na batida da campa da humanidade, resolveu prodigalizar-me em benesses e dádivas? “Já vai tudo levar o farelo, mesmo”, deve ter admitido o pai, “então vai lá um tantinho para o Mundico, pra ele não sumir assim, zerado”. Ah, mas que peninha, que este já é um tema encerrado. Do mesmo jeito que veio, a bendita da sorte se foi. Como testemunhais vós, ao ler estas linhas, não ganhei na mega-sena.
E sim, no meio dessas possibilidades temáticas, ainda tenho que me aviar pra desenvolver um riscado legal sobre o fim do mundo que ocorreu ontem (mais um motivo pra detonar uma gelada. Podemos juntar a petizada da Geologia para uma avaliação crítica do cataclismo, e, por que não, para uma oportuna bebemoração pela garantia de mais uns milhõezinhos de anos de formalidades funcionais para o planeta. Bori?). E...Meu pai do céu, tem o Natal à porta! Um cronista é o retrato de seu tempo, estamos no Advento, e seria de uma presunção descartável, da minha parte, não tecer um teretetê assim sobre a chegada do menino Jesus, sobre o espírito natalino, e sobre a pilha de anseios e desejos que espero encontrar apertadinhos dentro do meu sapatinho na noite do dia 24 para o dia 25.
Minha lista é bem zinha. Um issozinho de mimos. Vão ficar amassadinhos, não porque são amplos e caros, mas porque o sapato é 37 e minhas vontades são densas, baratas e facilmente encontradas no mercado. Têm pouca extensão, mas transbordam em intenções.
Como sempre, o básico: tico-tico, dengos e nheco-nheco dos meus filhos; compreensão, zelo, carinho (paciência, muita paciência, porque vou te contar, sou mesmo um entojo só, vivo perturbando os outros por causa da banda da minha chinela que nunca acho e ronco pra dedéu) de minha mulher; aconchego, risos, verdades e a presença dos meus amigos. Coisinhas poucas, no meu sapatinho. Mas que têm o tamanho, a cor, o desenho completinho do amor.
E pra beber, não vai nada? Bom, tenho um legítimo Albariño que trouxe da Espanha que está guardadinho, só esperando a noite de Natal. Dessas coisas do mundo que não acabou, fiz uma extravagância e vou me engalanar numa roupa nova que eu mesmo me dei de presente. Uma camisa que invejei da minha amiga Hevilinha. Estampa riquíssima com a capa do álbum “The Dark Side of the Moon”, uma obra prima do Pink Floyd (as músicas e a capa do disco, observo) e a expressão de um sonho. Uma viagem prismática. Espectral. Musical. Uma camisa pode representar muita coisa...
Fora a minha (sentimental) listinha, a tal extravagância no look, e o vinho espanhol, nada mais de concreto e vulgar me apraz neste Natal. Não quero desapontá-lo, mas espero que Papai Noel me entenda.