sábado, 1 de dezembro de 2012

crônica da semana uma hora


Uma hora de tempo

Eu ia passando na horinha mesma em que o camarada relatava, ao telefone, o quanto esperou para que tal coisa assim-assim se realizasse. Segundo ele, uma hora de tempo. 
Mas eu piririquei de atinar no mesmo instante. Fiquei de cisma. Pasmei. Das expressões cotidianas esta reiteração é uma que mexe comigo. Balanço do io ao chio por causa dela. Menos pelo pleonasmo que reside em si que pelo caráter potencialmente pagão e destemido do emissor que dela faz uso. 
E, já que estamos no clima de reiteração, reitero: não tô arengando pela forma do falado, mas pelo conteúdo de quem fala (esta é, por vocação, uma coluna literária e não um perverso arrazoado gramatical no estilo Pasquale Cipro Neto). Então não me importa o deslize de linguagem (mesmo porque os deslizes, em não raras ocasiões, resultam em atraentes estilos). O que me bole é a composição, o conjunto da obra, é o que tem dentro do falante (o eu-usuário), o meio que ele transita, domina; como são suas noites, seus dias; como usa as horas de tempo que o Bom Deus lhe permite (e eu que não creio, rogo que lhe sejam abençoadas e pródigas). 
A gente vai se adiantando, vigiando e se apercebendo dos (des)caminhos e (re)caminhos da comunicação. Dos conflitos e conjunções, das distâncias e aproximações. Nem tão grassas, nem tão meras, no entanto reais, severas, impudicas, ferozes, desmioladas e longevas (como as horas que passam, passam, passam). 
Senão, vejamos: hora é uma forma de medirmos o tempo. Assim como o intervalo entre duas luas, como o fluir apertadinho da areinha na ampulheta, ou como o sofrer de quem espera amanheceres após amanheceres, por um bem... É uma medida do crono; é inquietação, como o desejar improbo; é exatidão, como o pulsar ortodoxo do átomo de césio. Esta forma que usamos, de contar o tempo em base sexagesimal nos impõe o desafio de entender o tempo limitado no número sessenta (tão difícil de digerir temporalmente, como de escrever corretamente: melhor seria nos batermos com duas meias horas de trinta). Não há como fugir. Seja suportada pelas doze badaladas do sino ou pelo cintilar de energia de uma partícula fundamental, é de bom tom reconhecer, aceitar e usar das horas, a serventias que elas têm, como sinônimas de tempo (daquele que se foi e do que há de vir). Acho elegante, no entanto, formar expressões híbridas, do tipo “a distância é em torno de duas horas de viagem”. Legal, temos aí uma gororoba da Relatividade. Einstein adoraria mixes desse porte (mas esta é uma outra parada que haveremos um dia de nos recostarmos). 
Voltemos, pois, ao falante. Penso que para desandar apurado e cheio de energia, na validação do tempo, há de se ter a pressa incivilizada e a ligeireza indecorosa. Não se diz “esperei uma hora de tempo” sob a candura melodiosa de um Beethoven no fone de ouvido. É uma frase guiada pela sofreguidão, pela pressão absurda no cocuruto, pelos amedrontadores reflexos de um tempo ratificado. Vejo tiques afogueados nesses versos populares. Imagino um cenário protagonizado por um eu-usuário que não se dá a bocados. Não se contenta com ticos ou migalhas. Um ser que quer comprimir a história, o caminhar natural dos eventos. 
Não se introduzem acintes pleonásticos, na rotina da língua, sem um quê de motivação underground, uma razão introspectiva (do eu). Não se diz “uma hora de tempo” acomodado ao toucador a delinear cílios, enrubescer faces, rosear lábios. Diz-se, tão exasperante tagarelice cofiando a barba, alongando bigodes, roendo unhas, e saltando pagão e destemido, para o futuro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário