sábado, 28 de julho de 2018

crônica da semana- água é vida


Água é vida
A minha primeira viagem de avião foi pela TABA. Era uma companhia de aviação doméstica (a sigla dizia ser os “Transportes Aéreos da Bacia Amazônica). A viagem foi uma visita que a Escola Técnica viabilizou para os cursos de Mineração e Metalurgia à Mineração Rio do Norte em Trombetas. Voamos num Hirondelle, um turboélice que transportava pouco mais de 40 passageiros e era competente para viagens de curta duração. A turma da Escola ocupava quase todas as vagas. Isso fez com que ficássemos muito à vontade naquela primeira experiência. Liberamos até os comissários do serviço de bordo, que aliás se limitava a apanhar a garrafa térmica com suco, acomodada no final do corredor e servir aos passageiros, de quando em vez. Do meio pro fim, a gente mesmo levantava, pegava a garrafa e distribuía a rodada. Era o único agrado naquele vôo, mas o suco de maracujá era genuíno Deixava até aquele cuizinho preto no fundo do copo.
Depois, nas minhas andanças por este Brasil varonil, conheci outras companhias. Varig, Vasp, Transbrasil. Era um tempo em que viagem de avião representava um evento. Era cara e tinha um quê de glamour. Dentro do avião a mordomia era grande. Bebida toda hora, lanchinhos, almoço de filé, tal e coisa e mariposa. A festa era grande quando chegava em casa com as bandejinhas intactas que eram distribuídas a cada escala que se fazia, ou oferecidas de brinde, conforme o pedido do passageiro. Bagagem, a gente podia despachar até 20 quilos, de grátis. Na mão, para quem possuía uma, era só a pasta Presidente mesmo. Andava por aí sempre bancado pelas empresas que trabalhava. Não tinha a dimensão, mas desconfiava, por alto, que era caro.
Daquela primeira viagem até hoje, o transporte aéreo mudou, bateu, virou e piorou bastante. Continua em terra e nas mais elevadas altitudes, muito caro. E o pior: se mostra como um serviço sensivelmente precarizado. Tem vôo que a gente só falta viajar em pé.
Até dia desses, ainda ofereciam uns bombonzinhos de café e a sem-gracice daquelas barras de cereal. Hoje, só água. E sem gelo.
Agora, se quiser comer, tem que pagar. E é uma grana boa. Um completo de suco e um pastelzinho tá pela hora da morte. O que se paga num copo de suco, daria pra comprar, tranquilamente, um alqueire plantado das mais doces laranjas tropicais.
Quanto às tralhas, inventaram essa história de bagagem de mão e o resultado é uma luta selvagem na disputa por uma vaga nas gavetas da cabine. Com evidente desvantagem para nosotros, os baixolinhas.
Essa pirangagem toda reforçou em mim o respeito, o cuidado, e o real valor que a água tem em nossa vida. Na viagem mais recente que fiz, estava azul de fome quando os comissários passaram com o carrinho oferecendo água (sem gelo). Para mim foi o mesmo que ofertarem um banquete. Dei o primeiro gole, mentalizei. Acreditei na transubstanciação. O estômago respondeu com inequívoca satisfação àquele maná. Um milagre prazeroso, nutritivo e saboroso, aquele copo d’agua. Passei a viagem toda rendendo aquela poção salvadora. Em pequenas porções fui fortalecendo em mim a certeza de que água é vida