terça-feira, 28 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

Meu presente em todos os Natais

"olhos de mar, de maré grande, equinociais"



sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

crônica da semana

Meus  ricos sonhos de Natal
Alguém, por esses dias veio me visitar. Pôs os olhos nas minhas coisas e desejou tê-las para si. No meio do caminho, desistiu do intento. Não tenho coisas desejáveis.
Dessas futilidades ansiadas pelos espíritos mundanos e pelas demandas cotidianas; que poderiam ser classificadas, com muita generosidade e um bom desconto na avaliação, como sendo bens materiais, tenho em casa, uma TV, o meu computador, um (ex) celular que liga, recebe ligação, tem um radinho e só, um (ex) aparelho de DVD com funções mínimas e minha bike que está com o pneu traseiro vazando pelo bico. Nada muito ostensivo ou que possa deflagrar cobiças incontroláveis.
Não tenho nada mais valioso além de meus sonhos.
Sem eles, sim, empobreceria irremediavelmente.
Meus sonhos encerram-se em objetos simplesinhos, austeros, e que me fazem ser mais rico e mais plenamente feliz do qualquer magnata endinheirado.
Reduziria o meu capital emocional se de mim fosse subtraída, por exemplo, a minha máquina fotográfica Nikon, com lente 50mm, semi-automática, fotômetro de velocidade e base metálica (bem no estilo Leica do Sebastião Salgado); ou a minha Olivetti Lettera 32 na maletinha, com tipos revisados e atualizados ao abecedário brasileiro (ambas datadas de 1993).
Amofinaria se me faltasse meu Di Giorgio, que é o meu alento, o meu acalento e o meu orgulho quando reconheço o quanto ‘é bom tocar um instrumento’. Com o meu violão, minha casa sempre canta.
Perderia muito da energia que me move se fosse apartado dos meus livros autografados: Veríssimo, Inácio de Loyola Brandão, Ruy Castro, Marcos Bagno, Juracy Siqueira, Edvandro Pessoato... E outros tantos que não estão autografados, mas que um dia ainda o serão.
Ficaria pê da vida se me separassem da minha coleção de vinhos de 5 Reais e do velho “Old Parr” deixado como herança pelo Dr. Antônio Carlos desde a última celebração litero-etílico-musical que fizemos aqui em casa.
Meu universo se contrairia irreversivelmente se os fragmentos do meteorito Bendegó, uma pedra que caiu do céu em 1784, na Bahia, se desintegrassem, por completo, jogados em alguma poça ácida de beira de rua.
Teria sido, meu coração, ferido de morte se a malinação fosse tão insana a ponto de levarem o troféu do meu compadre, conquistado no Festival da Canção de Bragança; a minha imagem de São Francisco; o estojo em miriti e o disco de brega cult da Lia Sofhia; a sacolinha da Laqua di Fiori com as mais fascinantes lembranças da minha mãe; meu caleidoscópio que trouxe de Ouro Preto, quebradinho de um lado e, por isso, revelando os segredos das cores múltiplas; As medalhas do Argelzinho, no esporte, e uma especial como melhor aluno da Segunda B do Ângelo Frozi; meu globinho de acrílico barato; o roque-roque bem humorado e cheio de auto-estima; meu candeeiro virgem e expressivo; minha luneta sempre voltada para o infinito da parede; o Dicionário de Idéias Afins, meu companheiro de anos e anos no auxílio à estilística e a variações idiomáticas; meu vidrinho de Cheiro-do-Pará; o colírio para o incômodo do olho seco; meu telefone de disco; meu chapéu coco, minha coleção com os minerais mais comuns na crosta terrestre, com fósseis de Bragança e de outros lugares que não me lembro, com cascalhos vermelhos da beira do Xingu; minha machadinha neolítica de valor antropológico inestimável; as artes e os crachás que trago de um tempo passado como evidências de glamour e afetação, exatamente nesta ordem.
Graças ao bom Deus, neste Natal, meus sonhos resistem. Apesar dos reveses de uma indesejada visita, continuo muito rico.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

crônica da semana

Minha amiga

Quando a porta do elevador abriu, ela já estava a minha espera com um radiante sorriso. Nos  apresentamos formalmente e nos cumprimentamos com um afetuoso abraço. A seguir, me ofereceu café, pão torradinho, água e frutas. Sabia que eu tentava desde bem cedinho chegar a Belém, varando pelos furos da Ilha das Onças e estava com fome.
Quanto vale o que escrevo?
Minha amiga é leitora da coluna há alguns anos. É uma jovem senhora que já deu a sua preciosa contribuição para o serviço público do Estado e hoje redescobre mundos, como aposentada. Enquanto eu tomava café, nos ensejamos descobertas sobre cada um. Eu falei da satisfação danada que todo autor tem quando conhece uma pessoa que se identifica com o que ele escreve. No meu caso não era diferente. Estava pávulo, pávulo. Ela me revelou como aquele nosso encontro foi se construindo, se fazendo possível. Contou da sua fase de desapego e o que, exatamente, um aparelho de som Polivox tinha a ver comigo e com aquele momento. As coisas não eram assim tão reconhecíveis, explicou. Aquele instante foi orquestrado por essas forças, por esses movimentos desregrados, por essas intuições que permeiam céus e terras. Portanto nada era assim tão puramente racional e nem tão desequilibradamente emocional. Mas era por aí. Provinha de uma fé amplificada e da liberta, mas humilde conexão com Deus (e aí ela me mostrou uma música do amapaense Zé Miguel em parceria com o poeta Joãozinho Gomes que está até hoje, ó, aqui no meu cocuruto, animando os meus dias. E olha lá, heim, o que fazem os poetas, ah, esses poetas! A canção tem uma melodia linda, um poema certeiro que faz uma imagem da Terra como sendo uma ‘conta no colar de Deus’. Versos inspirados, conectados com a divindade, por certo).
Quanto vale o que escrevo?
E ela, a minha amiga, com uma voz flagrante, instantânea, bem postada, deliberadamente alegre, me guiou, com cândida superioridade aos humanos e possíveis caminhos que nos levam a entender melhor o amor pelo planeta, o zelo pela humildade, a pretensão pela felicidade... a livre e poética conexão com Deus. (Nessa hora, uns quantos passarinhos, provas da existência de Deus, como nos assegurou o santo de Assis, pousaram na janela e fizeram uma afinada trilha sonora para as nossas confissões).
Minha amiga tem uma alma rica. E tenho certeza que ela é feliz. Mora num apartamento cuidadosamente decorado, confortável, mas menor, bem menor do que seu coração. E pra falar a verdade, fiquei assim que nem mané besta, só admirando aquele lugar. Chegou uma hora que não resisti e tive que elogiar a casa dela. Na verdade, um lar abençoado pelo fogo vivo do planeta: a seiva mineral da terra está ali emanando energia em cada canto da casa, em texturas, em geometrias, e em cristalizadas relações forjadas pela genética das rochas plutônicas. E cada arranjo (de pedra e ambiente, de ambiente e gente, de gente e arte, de arte e céu, de céu e terra, de gente e terra), cada arranjo mais harmonioso que o outro.
Confessei uma pendência antiga de não ser amigo de ninguém que morasse em prédios, naquelas alturas onde eu pudesse ver a minha cidade lá de riba. Ela me levou então para conhecer as sacadas, os mirantes da casa. Fiquei um tempo ali, emocionado, reconhecendo os cantinhos da minha cidade.
Um detalhe é muito forte na expressão de minha amiga. Ela fala com os olhos. Mas não deflagra freqüências audíveis, decifráveis ou dedutíveis. Dos olhos dela, “surgem sóis”. Provedores, benditos, acolhedores e definitivos sóis.
Quanto vale o que escrevo?
Vale um dia feliz cheio de luz.

sábado, 11 de dezembro de 2010

crônica da semana

O Natal da minha Aldeia 

As festas estão aí, na porta. Como o ano passou rápido! A gente tá bem assim, né, distraído, e quando se espanta, já é Natal. Aí, é um corre-corre, um conversar baixinho com a grana do décimo, um isso de perdões elencados, um aquilo de boas ações agendadas. Tudo rolando ao mesmo tempo, com a pressa obsequiosa e austera que o momento exige. Os espíritos vão se alinhando à luz. A candura se aproxima como quem não quer nada. As lampadinhas enroladas nas mangueiras animam a cidade. Quero receber este Natal leve que nem o levinho algodão. Livre de pensamentos maus. Tô preparando aí umas crônicas só o creme, falando apenas coisas do bem. Valorizando palavras legais como amizade, chocolate, jogos de luzes azuis, paz, amor, filhos agarradinho, música calminha, brigadeiro, pôr do sol, chuvinha fina que nem neve, sorvete com bastante cobertura, sapatinho na janela, show do Roberto Carlos, manhã, estrela, céu, lua, Jesus menino.Mas antes que o espírito natalino baixe sobre mim alienando minhas queixas, vou fazer um desabafo. Gente da minha alma, vamos cuidar do nosso lixo. Nenhuma felicidade se sustenta na sujeira. Olha essa:Sábado passado teve uma festa aqui na Aldeia Cabana. Fico na bronca porque este espaço, à época que foi criado, sob inúmeros protestos, diga-se, tinha fins nobres, afinados com o interesse público. Mas deu uma desviada. O que se vê por aqui é o nosso direito de ir e vir ser cerceado porque vai ter a festa do seu fulano de tal que fecha a rua e cobra ingresso para o divertimento (dos que pagam, né, porque a gente que mora ao pegado, fica se remancheando pra cá e pra lá na cama, sem dormir com a barulheira até a alta madrugada).  E assim, não vejo um tico de inclusão nessas festas (até porque cobram ingresso a um espaço público, são mais do que exclusivos). E olha que já tivemos momentos memoráveis na Aldeia, como a Bienal (tão cruelmente esquecida) de música, que no mínimo pregava a diversidade melódica, ao invés dessas mesmices que somos obrigados a consumir no frágil refúgio do lar; a orquestra sinfônica. Gente, a Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz, já tocou na Aldeia. Grupos afros, Chico César, Gilberto Gil. Muitos foram os eventos cidadãos (porque foram de grátis e não fecharam a rua) que abrilhantaram o espaço da Aldeia Cabana de Cultura Amazônica David Miguel. Mas agora... A gente não pode passar, não pode dormir, não pode pagar, éraste, tá ralado. E o que é pior...O lixo no dia seguinte.Vá lá que seja. Pode-se argumentar que para ser sustentável, o espaço tem que gerar receita. Tudo bem. Mas se eu fosse gestor da Aldeia, colocaria bem direitinho uma condição essencial: tem que deixar o lugar como encontrou.No domingo, quando saí de casa pra comprar pão, pê-da-vida porque não dormi que prestasse, passei pela Pedro Miranda. Meu Deus! Uma zona. Lixo pra todo lado. Um mar de porcarias deixadas pelos popsugismundos. O que me chamou a atenção é que toda a parafernália da aparelhagem foi retirada, todo o material de bar foi removido (que eles não são bestas nem nada), mas o lixo ficou. O lixo era todo nosso. Penso então: não adianta o poder público alardear avisando que quem entope canal é o lixo. Isso é pura hipocrisia. Naquele dia, aquele entulho foi todo para o canal da Pirajá ou para as galerias subterrâneas, com o aval do poder público. Lá pelas dez horas, o vento deu, inocentemente, a sua contribuição e espalhou os resíduos. À tarde, a chuva das três completou a derrota. E os irresponsáveis que arrumaram isso tudo, ó, tremeterrando em outra freguesia e se lixando pro nosso Natal.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Furo

Caros amigos,
perdoem-me, por favor
Disse aqui que o Paul McCartney era um 'guitarrista canhoto',
numa crônica, no início do mês de novembro.
Um leitor, atento, me corrigiu: ele é baixista.
Até já havia reparado o erro
mas aí, a crônica já estava publicada...
Não tem desculpa. Foi mancada mesmo.
Mas estou aqui, humildemente, me retratando.
É verdade que 'o cronista, assim como o poeta, é um fingidor'
mas, contra fatos, não há argumentos.
Obrigado pela compreensão.
E claro fique, que estou sempre aberto às críticas e correções.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Las niñas


Luzia foi uma mulher maravilhosa. Lutadora. Saiu do Acre com quatro filhos agarrados à barra da saia, desembarcou do Domingos Assmar, no porto de Belém com nenhuma esperança. Mas não desanimou. Não se abateu. ‘Virou, mexeu, pintou os canecos’ e conseguiu criar todos os pequenos. Era professora formada, mas trabalhou um tempo com carteira assinada (pouco tempo), como caixa, na antiga padaria Aveirense que ficava de confronte ao Museu, depois ganhou a ruas de Belém, vendendo de um tudo. Se batia, também, com uma barraquinha de confecções na feira da Pedreira (em frente ao Bazar Brasil, como dizia a propaganda da rádio cipó). Embora tenha encontrado tantas dificuldades pelo caminho, minha mãe cumpriu a nobre missão de garantir a vida aos filhos. Agora em 2008, faz dez anos que minha mãe nos deixou. Mas para mim, mamãe não morreu, não. Luzia vive, e muito intensamente, no que sou. Está na minha batidinha diária, no meu entendimento sobre a conquista de cada palmo de vida, está na resistência e na luta contra as porqueiras e as tosses que tentam nos roubar o fôlego. Está na minha mania de andar a pé pela cidade e dita, no meu cocuruto, muitos dos dizeres e fraseados que uso nas minhas prosas aqui na coluna . Sinto minha mãe por perto a me guiar e a me aliviar a alma. Por isso, como dizia a Luzia: “tanto faz José como Cazuza, o que importa é que por onde se enxerga, sempre vou indo muito bem”.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Crônica da semana

E tem o lado B (a ressurreição)

Aqui no jornal, tenho umas quantas crônicas que arrebentaram a boca do balão. Uma delas foi a que escrevi sobre o filme “Durval Discos”. Muita gente se identificou com o texto. A motivação para o envolvimento com a crônica reside no fato dela falar do sacerdócio que é ouvir (ou providenciar as condições para) discos em vinil.
Calhou que este mês de novembro marcou um reencontro com os meus discos. Meu aparelho ficou sem agulha um tempão. Depois que consegui comprar uma agulha pro meu toca-disco, deu-se outra bronca. O ‘prato’, depois de tanto tempo parado, pifou. Fazia um ruído de motorzinho funcionando, mas...nada. Foi um momento tenso aqui em casa. Eu e minha mulher querendo desesperadamente, fazer o bichinho funcionar. A agulha, bacana, decodificando legal os sulcos do acetato. Mas o aparelho sem força. Tentei até rodar com a mão. Deu um resultado em slow, mas não colou. Amofinei. Liguei para amigos especialistas, me aconselhei com gente do ramo, controladores de som ortodoxos; troquei a borrachinha de tração... Até que um dia, meu amigo Waldeci Lazameth veio aqui em casa munido de um jogo de chaves de fenda, desatarrachou aqui, ali (e depois atarrachou) alguns parafusos, virou, mexeu... e o disco rodou. Pai d’égua!
O meu aparelho de som não é uma peça física, somente. Ele é um testemunho imaterial substancioso, essencial. Muitos dos fatos mais relevantes da minha vida foram embalados por uma trilha sonora vinda dos meus vinis. Constatei isso no domingo seguinte à ressurreição do meu três-em-um. Fizemos, em casa, exatamente como fazíamos antes, quando o Argelzinho tinha dois anos e pouco e brincava com os heroizinhos de plástico pelo chão da casa e Amaranta Maria era uma bebê que dormia que era uma maravilha na rede sem varandas. Fui pra cozinha inventar um cumê. Minha mulher cuidou da casa e de umas roupas no tanque. Ambos turbinados por umas latinhas de cerveja, encaminhamos as obrigações do lar animados pelo som que vinha lá do quartinho. E foi assim, meio que automático: Pink Floyd de entrada. Depois, uma sessão de Janis Joplin, Queen, umas e outras do Led Zeppelin. Para acalmar os meninos, que não são mais nenenzinhos de ficar nos cantos, e que agora reclamam que o barulho os impede de ouvir a programação da TV, uma seqüência de pura nostalgia pueril. Balão Mágico, a música do Arrigo Barnabé com que eu ninava o Argel em embalos ritmados na rede... Eles, até prestam atenção uns instantes, mas a seguir, trancam-se no quarto e nos liberam ao nosso barato. Aí a gente repete um exercício emocional praticado há anos. Cartola, Custódio Mesquita (‘nada além, nada além que uma ilusão’), Festival da Fcap com a urbanidade de Edir Gaya (‘José de tal estatelou-se no asfalto’) e a emoção bucólica de Alfredo Reis (‘quando as águas retirantes partem pro mar’) e... Chico. ‘Todo Sentimento’, que é a música que me impõe a missão de lutar pela vida (lembra minha mamãe e amigos que perdi). A gente chama os meninos para o almoço. Nessa hora, raridades: Campanha da Fraternidade de 1976, Zezinho Maranhão (‘de quebra o amor é pouco/ e eu fico louco/por você rainha’), The Rolling Stones. Todos em compacto, para os meninos conhecerem este formato minimizado do sucesso. Depois do almoço e algumas latinhas consumidas, os meninos vão se aquietar e a gente reitera compromissos: “Amo uma mulher clara/que a mim me ama sem pedir nada”. Os meninos perguntam por que o papai tá chorando, mãe? Nada, não. Chora de feliz, porque o aparelho de som voltou a funcionar e agora pode, de novo, ouvir as músicas da vida dele.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Neocaminheiro

Comecei a caminhar. Já estou nessa pisada há uns quinze dias. Acordo de manhãzinha, antes do sol aparecer, e ainda em tempo de ver a estrela Dalva luzindo poderosa, acima do horizonte.
É a minha resposta a uns ‘pobremas’ que me espreitam sorrateiros. Uma alteração na pressão, aqui, outra ali, e de novo, e a bicha nada de tornar pra’queles saudosos 13 por 7 do bem. Daí, tive que apelar para um remelexozinho no corpo e na vida.
Sempre resisti. Brincava, como todo machinho presunçoso, dizendo que meu esporte preferido era levantamento de copo e que a minha soberba muscular se dava no extremo anterior do pé direito, ali, perto do dedão (para ser mais exato, o ladinho do pé que embala a rede). Não me animava mesmo. E a pança, só crescendo, e o ócio reinando, e o metabolismo alterando. Não tenho bugs. Mas tenho a impressão que, com metro e meio de altura, pesando 68 mil gramas, só não vivo dando passamento pelas partes, por obra e graça da providência divina. Por aí a gente tira, um gordinho-baixolinha-preguiçosinho-sortudo. Tô assim, com um perímetro tão anatomicamente desleixado, com as arestas de tal forma aparadas, que se eu cair, eu rolo, numa evolução digna da mais arrojada coreografia ‘mister bolinha’.
Diante desses apelos, atendendo a pressões (principalmente a arterial) me convenci de que preciso perder uns quilinhos. A minha bronca, ressalte-se, não é estética (porque se assim fosse, teria que chamar a mamãe para fazer outro eu), estou mesmo é interessado em dar minha contribuição necessária e verdadeira para a manutenção da vida. Adoro viver. Preciso (tenho alguns livros aí pra lançar...).
Sucede que nos últimos dias, mudei minha rotina. Vivo mais (acordo às cinco da matina, né), e melhor. E com esse negócio de madrugar, acabei percebendo detalhes de um mundo meio esquecido, mas de toda sorte encantador. O amanhecer é escandalosamente bonito com aqueles tons e contratons de azul e laranja (tá certo o Roberto Carlos naquela canção “o amanhecer é lindo laraiá laiá laiá”). Sabe aquela coisa de passarada? Daqui de casa, consigo discernir pelo menos 10 cantos diferentes de passarinhos. Todos muito animados para o dia. Além dos delicados gorjeios ainda dá pra identificar também o cocoricó de um galo perdido no ermo (olha só, gente, por falar em galo, me vem à cabeça um inconformismo. Não conheço ninguém que crie um galo. Não encontro com um galo sequer ciscando por aqui pelas redondezas, não ouço histórias de galanteios de galo nenhum dirigidos, sem decoro, a galinhas fogosas entre-quintais. E toda manhã me pinta a onipresença deste cocoricó sincopado. Éraste, parece uma coisa!).
Uma missão que foi aceita meio que na marra, essa da caminhada matinal. Mas que tem resultado em momentos de oportunas reflexões e de reavaliação de condutas corriqueiras. Não sou subordinado a traçados impositivos. Meu itinerário é arbitrário, a minha direção é anárquica. Isso me torna livre. Nessa hora não há conflitos com o espaço (no início, atravessava a rua intempestivamente, subia o meio-fio, cortava caminho... Pra que isso, já?). Para caminhar a gente precisa estar livre para poder se relacionar harmoniosamente com a geografia da nossa batidinha urbana...Coloco meu tênis, meu fone de ouvido e vou bater no rio Murucupi. Falo com aquela árvore extraordinariamente simétrica que separa o rio da mais nova invasão da Vila dos Cabanos, pergunto pra ela como está a sua simetria, a vizinhança e volto...caminhando e aprendendo. E essa experiência de releitura do cotidiano rebato, com espírito renovado, para o resto do meu dia e fico na paz.

domingo, 21 de novembro de 2010

Crônica da semana


Liga, desliga, liga

Em outubro deste ano começou a vigorar o Estatuto da Igualdade Racial. Trata-se de uma ferramenta legal com o objetivo básico de corrigir os passivos sociais contraídas ao longo de nossa história com a exploração e a discriminação da população negra do país. Segundo o presidente Lula, “A dívida é enorme, mas não pode ser paga em dinheiro... A moeda para reparar as consequências históricas da escravidão é a solidariedade...Finalmente temos uma lei que contempla os negros”.
Acompanhei alguns debates na TV sobre este tema e fiquei atento aos sentimentos. Alguns ativistas do movimento negro festejaram. Outros frustaram-se. Esperavam mais. Viram no estatuto regras ainda acanhadas, sem pegada.
Gostei dos debates. É salutar a gente compreender as inquietações e as calmarias que regem os espíritos. Alguma coisa fica, mesmo sob acidez dos embates. Para mim, ficou uma realidade ainda dissimulada, cheia de obviedades instáveis. Coisas que nós, por achar que vivemos no paraíso da tolerância racial, nem ligamos. Largamos às comodidades diárias.
Mas se a gente for reparar direitinho... Domingos Jorge Velho continua a destruir Palmares por aí...
É só correr os olhos pelos estudos recentes: “É fácil concluir dessa pesquisa do professor da USP que a questão racial tem mais peso do que a financeira. Os negros podem usar exatamente os mesmos direitos de um branco e ainda assim o resultado não será igual. 27% dos negros que contratam, segundo a pesquisa, são absolvidos; no caso dos brancos, a taxa de absolvição chega a 60% (sobre o desfecho de processos judiciais).
As condições em que os negros exercem sua cidadania precisam ser reconhecidas por todos como anômalas. Cálculos do IBGE indicam que 44,2% da população brasileira, ou mais de 65 milhões de pessoas, são "pretos" ou "pardos" . No entanto, nas esferas de influência a presença negra é restrita, para não dizer nula.
Apesar de o Brasil ter 65 milhões de negros há muitas injustiças ... Os negros são a maioria dos analfabetos, dos menores salários, nas prisões, nas favelas e nos subempregos... e são minoria nas faculdades, entre os empresários, os heróis reconhecidos, os governantes, os bispos, generais, almirantes, brigadeiros e na mídia...” (Edison Barbieri, revista “Mundo e Missão”).

A gente nem liga pra isso. O nosso mundo é muito maquilado. Temos aquela coisa do deixa-pra-lá, o desprendimento característico do povo cordial. Todavia, uma vez que a gente abstrai a questão, no momento que a gente presta reparo com mais cuidado nas estatísticas do trivial, percebe que na aula de balé não tem nenhuma menina negra e até aquela que freqüentava o grupo até um dia desses, nunca mais veio. Constata que poucos meninos daquela escola particular famosésima porque aprova uma penca de gente em medicina, são negros, e aqueles que freqüentam a escola logo são apelidados de Obama. Admite que das 513 cadeiras do congresso nacional, apenas 22 foram ocupadas por negros neste último pleito... Procura um governante, um cardeal, um médico doutor cirurgião aquilatado, uma atriz boazuda da novela das oito, uma modelo da Mirinda, um magnífico reitor, e vê, como somos muitos no Brasil, e pouquinhos nos círculos do poder e da exposição. Aí, a gente liga pra coisa. Rola uma preocupação com a ansiada democracia racial.
Os apelos são muitos, muitos são os desvios. E corremos a todo instante, o risco de desligar os nossos comandos de construir um caminho de oportunidades iguais no Brasil. Talvez a razão do Estatuto da Igualdade Racial mesmo seja a de nos manter ligados.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Crônica da semana

Feche os olhos e sinta...
O pagamento pode ser feito com cartão em até 15 vezes, no cash, transferência, depósito bancário, só não aceitam vale transporte e borrachudo. Ah, eu queria. Queria ir. Deixa eu ver...Dia 22...Umbora ver, né, vou jogar na Mega-Sena essa semana...Umbora ver...
Olha aí, gente. Ainda dá pra ir. Não no dia 21. Para este dia não tem uma vaguinha sequer. Mas para o dia 22, tem. Para quem quiser, tem o camarote VIP Laranja por vigorosos 1.400 Reais, com direito à camiseta, comida, bebida à vontade, status e presunção. Mas se a mordomia laranja estiver azeda, pode-se partir para uma opção mais docinha. Com o módico investimento de 530 Reais, adquire-se um ingresso para a Arquibancada Azul, aliás, o menor desembolso possível a quem quiser ver Sir Paul em São Paulo.
Pesquei na internet, os dados aí de cima (o que não quer dizer que as informações sejam 100% verdadeiras. Sabe como é a internet, né. Tenho dúvidas sobre o direito ao ‘status’ e à ‘presunção’). E só pra justificar a minha vontade, capturei o release do show também:
“Paul McCartney volta ao Brasil, após duas passagens pelo país em 1990 e 1993, como parte de sua turnê Up and Coming. Desde o lançamento da turnê em março, o ex-Beatle já fez 25 shows na Europa e nos Estados Unidos para cerca de 500 mil pessoas. O repertório do show, com duração de cerca de 3 horas, privilegia hits dos Beatles, além de canções feitas por Paul para The Wings e sua carreira solo”.
Não pensem que estou fazendo alarde ou franqueando uma propaganda para uma estrela das estranjas (ele não tem precisão disso). Ou que eu estou por demais entusiasmado com o show deste cidadão britânico. Penso ser justo, nessa hora, só. Fora a simpatia incomum aos pop stars internacionais, é o Paul McCartney, né, gente. Umas das pedras angulares dos Beatles. Uma luz insuperável, um brilho inesgotável. Um artista que anima gerações com suas canções. Um jovem senhor de 68 anos (e não tem quem diga, aliás) que ao longo da vida tem nos provado por A + B, que a música é uma linguagem universal.
Embora tenha uma pródiga carreira solo, é inevitável ligar este guitarrista canhoto, aos Beatles. E no show de Porto Alegre, Paul, com uma postura que considero de profunda humildade (porque tem um acervo particular invejável de canções e poderia iniciar o show com qualquer uma das suas), fez exatamente o que uma platéia espera do seu ídolo. Não negou a origem e mandou um sucessão da banda de Liverpool (“All my loving”, que aqui no Brasil ganhou uma versão que até hoje, foi-não-foi, a gente se vê cantarolando: “feche os olhos e sinta/um beijinho agora”).
E é um som tal, de um tal jeito especial, de uma estrutura mágica, de um formato simples e envolvente; de uma textura corriqueira e grandiosa. Um fenômeno. Uma música universal e eterna.
Meus meninos, uns anos atrás, descobriram os Beatles. Ninguém mandou. Não foram adestrados. Estimulados. Nada. De repente, comecei a ouvir em casa coisas do status de “Twist and Shout”. Depois, DVDs, livros. Letras de música. Hoje é um som que faz parte da vida deles (é o lance da eternidade). Eu acho é bom.
Por falar nisso, a faixa etária permitida para o show do Paul McCartney é a partir de 14 anos. Dá para os meus pequenos irem. Ah, essa Mega de sábado, quem sabe...Quem sabe. Morumbi, nos aguarde. Mas se não rolar, não há crise. “Let it be”. A gente corre para o meu três-em-um, coloca um vinil que eu tenho ali dos reis do iê iê iê, escolhe a faixa... “Close your eyes and I’ll kiss you”, fecha os olhos e...Sente. Tantas e belas canções.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lolita


Quando te vejo
aquilo em mim
faz trim!
Bamboleio
dos pés a cabeça
toda desalinhada,
toda desencontrada,
e me ofereço pra ti.
Acho que canto,
mas na realidade,
murmuro tagarelices
de atrapalho.
Falo línguas estranhas,
estrangeiras.
indecentes.
Sufocadas de fumo,
fumaça.
Tensão,
tesão.
Sou incerta,
quando te vejo.
Sou servil
ao gemido viscoso
do pecado,
fluindo ao sul do que sou.
Quando te vejo,
sou nociva.
Sou insensatez.
Fogo juvenil.
Nabokov palidez.
Sou Lolita,
embriaguez,
tonta de vontade
de te dar a minha
ambiciosa doçura.
Quando te vejo,
jorro descontroladas
maravilhas íntimas.
Incandescentes,
vulcânicas, indomáveis.
E enlouqueço.
Quando te vejo,
eu escureço do dia.
Eu me apresso na vida.
Rodopio sadia,
a saia vadia e
saio orgulhosa;
Me viro provocante;
Me atiro vaidosa;
Me apego ofegante;
Me aqueço dengosa e
me esqueço de mim.
Quando te vejo,
desmaio em pensamento,
sobre ti.
Desvalida,
carente, abandonada.
E vou às nuvens.

quarentão


Viva!!!!!
sou quarentão outra vez
com a chegada da amiga Ieda,
somam-se agora 40
os seguidores do meu blog

Te cuida, paulo Coelho

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

No Brasil il il il il


"Close your eyes and I'll kiss you "

sábado, 6 de novembro de 2010

Vacuus Cotidie (intervenção de Larissa Costa)



Visto vestes sociais
Só assim
Consumo como tantos
Quantos
Os que descambam
Desamparados da sorte
Para a falsa moral
Os que vendem tudo
O que temem
Tendo sempre o nada
Que se come como ilusão
Dentro de casa

Os que choram lágrimas
Solidárias
Pelos filhos de suas mães
E pelos pais de seus filhos

Os que bebem uisquinhos
Benzidos pelo
Próprio deus

Os que usam máscaras
Para se ocultarem
Da culpa

E eu,
Eu
Visto vestes sociais
Como tantos quantos

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Crônica da semana


De conversa
O sol desponta acanhado atrás da igreja de Aparecida. Vento matinal vindo de banda. Não sei se é um vento frio. Engana. Não incomoda. Perde-se obliquamente por entre os despertares da Pedreira. Noite mal dormida. De verão. Noite de sol e mormaço. Só agora de manhãnzinha é que melhora. Para chegar aqui, quantos doces e interiores mares naveguei.
Agora a terra me é firme. Ao nascer do dia, a brisa nordeste traz algum conforto, uma friagem dissimulada, mas estimulante. As estrelas sumiram. Noite ansiosa. Curta e quente. A gente já acorda procurando um suquinho, um caldo de cana com uma pedra de gelo deste tamanho dentro, água friinha pra beber e que a gente pode encontrar nos labirintos do mercado a essa hora do dia junto com tapioca e café. O amanhecer me põe face a face com a Pedreira. Gosto de ver a Pedreira acordar...
A feira e o sonoro dos postes. Horóscopo e o noticiário do bairro. A garrafa de café do seu Jorge e as confecções alçadas por um bastão que tem um ganchinho na ponta até o cabideiro lá em cima. Vai ter camisa de botão/bermuda desfiada na coxa. Estampas e malhas. Revistas espalhadas pelo chão. Publicações de antigamente. Status com a Úrsula Andress na capa. Gramática sem as reformas. Sintasses. Sintakses. Sem táxis. Sinta-se. Sente-se. Parada de ônibus. Gente na sombra do poste. Químicas transubstanciadas pela alvorada. Vinis encaixados juntos à parede. Calcinhas de algodão com florzinhas. Camisas de clubes empoeiradas de ontem. Retratos teens amarrotados. Jovens craques do passado. Pedinte esquelético acordando. Lixo num canto. Lixo noutro. Elegância pra comprar pão com a roupa de dormir. Cadê a padaria daqui? Gato miando miau vara pau. Cachorro latindo au au seu Juvenal. Rimas. Banana exposta na esquina. Cheiro de gasolina e um cruzamento vitorioso: Barão. Barão do Triunfo. Estirão visto do io ao chio. Baixada da Lomas. Alto da Mauriti. A planura da Praça Eneida. Terras com começo meio e fim. Vendedores de jornais em genuflexões ritmadas. Arruma em cima. Empilha. Despacha. Manchete. Semáforo. Passa carro. Passa gente. Olhos apertados. Breados. Remelentos de preguiça e saudade. Farinha. Farinha. Lote de tomate, batata e cenoura no rés do meio-fio. Água. Água. Azeite. Atchim! Pimenta do reino à retalho.
O reino proibido de Shangrilá e a diversão noturna remanescendo em caras coloridas e bêbadas de pó compacto. Arremedos de felicidade aquecidos por um cult brega amplificado e uma cerveja degelando esquecida na mesa.
Olhos encandeados pelo dia. Minha aldeia e a cidadania cabana suspensa em arquibancadas solitárias e desengonçados vãos livres. Espigões opulentos na vizinhança. Sossegos e sussurros de amor do lado de lá e do lado de cá da rua. Fachadas indiscretas auto-explicativas com florais estendidos no quarador e um segurança mudo na porta. Amor, amor, amor, me abrace, me sufoque de amor-amor.
Josino Viana. A lembrança do Síriá meu bem Siriá de junho e a venda compulsória dos votos para miss caipira. Um igarapé nascendo lá atrás cortando a Itororó e desembocando na Pirajá. Seixos branquinhos de ouro valiosíssimo, enriquecendo a memória. Lá por trás. E as brincadeiras proibidas...Pó, rouge, baton. Baton. Que bom!
Gosto de amanhecer na Pedreira. Chegar cedinho. Ver o bairro acordar. Pam pam pam. Quem bate? Portão e ansiedade. Sorriso nos lábios. Homem feliz. Alma revigorada. Renascendo para mais um sábado. Férias. Folga. Um friozinho enganoso. Acordes de um sintetizador cafonérrimo no fone de ouvido. O Passado é uma parada. Pam pam pam. Quem bate? Papai. Papai chegou. “A essa hora, pai. Em pleno sábado!”

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Homem de pouca fé

A porta entreaberta
A janela, o céu azul
Um ruído tão longe
Algum cão que ladra
Discussão nos becos
Livros sobre a mesa
Latas de cerveja
O menino que chora
Um mendigo que implora

Pedaços de fé se perdem
Fogos de artifício
Bombas pacíficas
Homem sem trabalho
Bêbado à sarjeta
Terra à vista
Risos ... Risos
A moça do poeta
A coisa tá preta

Entrando em coma
Tem gente que teima
Ainda em viver
Salve-se, então
A si mesmo
O quê, por quê?
Não vi
Não ouvi
Quero de novo
Na porta entreaberta...
Salve-se quem?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Upa, neguinho!



Hoje, se eu for conferir direitinho a breve fieira de amigos que tenho, vou encontrá-lo entre os pri:
O meu neguinho.
Uma bênção de Deus que me veio no dia 20 de fevereiro. Chegou numa terça de carnaval de 1996. Nasceu um teba d’um menino. Três mil oitocentos e noventa gramas, 5,20 decímetros, olhos cor de mel, acesos, acesos, audaciosos. Ar imponente.
E tão imponente que quando chegou ao quarto, ficou lá, todo enroladinho de frio, em silêncio, esperando que, ora, ora, os pais providenciassem o óbvio (carinho, calor, afagos, proteção e, é claro, um leitinho, né!). Não chorou.
A primeira pessoa a pegá-lo no colo foi minha comadre Valéria Nascimento. Disse um benza Deus! pela saúde do bebê, caminhou um pouco com ele, levou-o à mãe (ainda grogue da Cesariana) e depois foi me orientando, me ajeitando os braços aqui e ali para que eu pudesse receber no colo o meu amado filho. Foi quase um ritual de preparação. Uma cerimônia deslumbrante anunciando um terno e duradouro abraço. Foi a primeira vez que nos abraçamos e trocamos certezas.
Nunca mais paramos.
No dia 20, meu filho Argel, faz 13 anos. Já é um rapazinho. Cheio de vontades, de idéias próprias e planos individuais. Já anda até namorando, dizem as línguas delatoras (ora quem? A irmã Amaranta, claro!).
Saca as coisas com esperteza, é de certa forma vaidoso, meio metidão, mas atribuo este detalhe à idade ou até mesmo a uma opção de vida que descarta (com um pingo de razão), a humildade total (embora eu veja nele, algumas vezes, traços do meu desbotado desapego franciscano). Mas eu acho que o motivo da pose é mesmo por causa daquele olhar devastador que ele tem (ah, e de otras cositas más).
É um menino que já interpreta o mundo. Argelzinho não perdoa o Bush por causa da invasão do Iraque.
Ultimamente andou se preocupando com a origem das coisas. Se pegou com o livro do Marcelo Gleiser “A Dança do Universo” e está experimentando as sensações primitivas de querer o tudo sem saber o nada. Conheceu Anaximandro, os gregos pioneiros e as idéias primeiras da existência do mundo. Tem uma versatilidade musical que me orgulha: acho um barato quando ele põe o disco na vitrola e vem lá do quartinho, cantando junto com o Orlando Silva “Nada além/nada além de uma ilusão...”. Reconhece o valor das mais maravilhosas músicas do mundo.
Embora tenha estes repentes, é um garoto normal que me irrita com os games de violência no computador e com as ditas mal’criações diárias. Dorme...Dorme... Se não chamar, vara pela tarde. É enrolão no dever de casa, mas tem um papo (puxou pra avó Luzia) de convencer até a minha (antiga) professora de Educação para o Lar.
Bate um bolão de meia-esquerda, e com a minha experiência de anos e anos como centro-avante artilheiro do glorioso Internacional da Mauriti, acho que o garoto leva jeito. Tá no rumo do Milan.
Tem as virtudes e os defeitos eventuais da idade. Mas me encanta e me emociona muito a idéia certeira de como ele vê a nossa relação: mostra-se sempre como amigo, como filhinho. Me aceita, me perdoa, me ampara e me levanta quando caio.
Percebo que reconhece que aquela certeza do primeiro abraço (de segurança, de cumplicidade, de carinho, de proteção) é muito mais necessária a mim, agora, do que a ele.
Às vezes o medo se apossa de mim e pergunto: E aí, Argel, mesmo quando estiveres maior, homem feito, tu ainda vais abraçar, beijar, amar o teu pai? E ele responde: claro, Raimundo (sempre me chamou pelo primeiro nome). Tu és meu pai, e eu sou teu filho e teu amigo.
E um amigo que posso contar para sempre, eu sei. Deus te faça feliz, meu filho.