sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Crônica da semana


De conversa
O sol desponta acanhado atrás da igreja de Aparecida. Vento matinal vindo de banda. Não sei se é um vento frio. Engana. Não incomoda. Perde-se obliquamente por entre os despertares da Pedreira. Noite mal dormida. De verão. Noite de sol e mormaço. Só agora de manhãnzinha é que melhora. Para chegar aqui, quantos doces e interiores mares naveguei.
Agora a terra me é firme. Ao nascer do dia, a brisa nordeste traz algum conforto, uma friagem dissimulada, mas estimulante. As estrelas sumiram. Noite ansiosa. Curta e quente. A gente já acorda procurando um suquinho, um caldo de cana com uma pedra de gelo deste tamanho dentro, água friinha pra beber e que a gente pode encontrar nos labirintos do mercado a essa hora do dia junto com tapioca e café. O amanhecer me põe face a face com a Pedreira. Gosto de ver a Pedreira acordar...
A feira e o sonoro dos postes. Horóscopo e o noticiário do bairro. A garrafa de café do seu Jorge e as confecções alçadas por um bastão que tem um ganchinho na ponta até o cabideiro lá em cima. Vai ter camisa de botão/bermuda desfiada na coxa. Estampas e malhas. Revistas espalhadas pelo chão. Publicações de antigamente. Status com a Úrsula Andress na capa. Gramática sem as reformas. Sintasses. Sintakses. Sem táxis. Sinta-se. Sente-se. Parada de ônibus. Gente na sombra do poste. Químicas transubstanciadas pela alvorada. Vinis encaixados juntos à parede. Calcinhas de algodão com florzinhas. Camisas de clubes empoeiradas de ontem. Retratos teens amarrotados. Jovens craques do passado. Pedinte esquelético acordando. Lixo num canto. Lixo noutro. Elegância pra comprar pão com a roupa de dormir. Cadê a padaria daqui? Gato miando miau vara pau. Cachorro latindo au au seu Juvenal. Rimas. Banana exposta na esquina. Cheiro de gasolina e um cruzamento vitorioso: Barão. Barão do Triunfo. Estirão visto do io ao chio. Baixada da Lomas. Alto da Mauriti. A planura da Praça Eneida. Terras com começo meio e fim. Vendedores de jornais em genuflexões ritmadas. Arruma em cima. Empilha. Despacha. Manchete. Semáforo. Passa carro. Passa gente. Olhos apertados. Breados. Remelentos de preguiça e saudade. Farinha. Farinha. Lote de tomate, batata e cenoura no rés do meio-fio. Água. Água. Azeite. Atchim! Pimenta do reino à retalho.
O reino proibido de Shangrilá e a diversão noturna remanescendo em caras coloridas e bêbadas de pó compacto. Arremedos de felicidade aquecidos por um cult brega amplificado e uma cerveja degelando esquecida na mesa.
Olhos encandeados pelo dia. Minha aldeia e a cidadania cabana suspensa em arquibancadas solitárias e desengonçados vãos livres. Espigões opulentos na vizinhança. Sossegos e sussurros de amor do lado de lá e do lado de cá da rua. Fachadas indiscretas auto-explicativas com florais estendidos no quarador e um segurança mudo na porta. Amor, amor, amor, me abrace, me sufoque de amor-amor.
Josino Viana. A lembrança do Síriá meu bem Siriá de junho e a venda compulsória dos votos para miss caipira. Um igarapé nascendo lá atrás cortando a Itororó e desembocando na Pirajá. Seixos branquinhos de ouro valiosíssimo, enriquecendo a memória. Lá por trás. E as brincadeiras proibidas...Pó, rouge, baton. Baton. Que bom!
Gosto de amanhecer na Pedreira. Chegar cedinho. Ver o bairro acordar. Pam pam pam. Quem bate? Portão e ansiedade. Sorriso nos lábios. Homem feliz. Alma revigorada. Renascendo para mais um sábado. Férias. Folga. Um friozinho enganoso. Acordes de um sintetizador cafonérrimo no fone de ouvido. O Passado é uma parada. Pam pam pam. Quem bate? Papai. Papai chegou. “A essa hora, pai. Em pleno sábado!”

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