terça-feira, 30 de novembro de 2010

Neocaminheiro

Comecei a caminhar. Já estou nessa pisada há uns quinze dias. Acordo de manhãzinha, antes do sol aparecer, e ainda em tempo de ver a estrela Dalva luzindo poderosa, acima do horizonte.
É a minha resposta a uns ‘pobremas’ que me espreitam sorrateiros. Uma alteração na pressão, aqui, outra ali, e de novo, e a bicha nada de tornar pra’queles saudosos 13 por 7 do bem. Daí, tive que apelar para um remelexozinho no corpo e na vida.
Sempre resisti. Brincava, como todo machinho presunçoso, dizendo que meu esporte preferido era levantamento de copo e que a minha soberba muscular se dava no extremo anterior do pé direito, ali, perto do dedão (para ser mais exato, o ladinho do pé que embala a rede). Não me animava mesmo. E a pança, só crescendo, e o ócio reinando, e o metabolismo alterando. Não tenho bugs. Mas tenho a impressão que, com metro e meio de altura, pesando 68 mil gramas, só não vivo dando passamento pelas partes, por obra e graça da providência divina. Por aí a gente tira, um gordinho-baixolinha-preguiçosinho-sortudo. Tô assim, com um perímetro tão anatomicamente desleixado, com as arestas de tal forma aparadas, que se eu cair, eu rolo, numa evolução digna da mais arrojada coreografia ‘mister bolinha’.
Diante desses apelos, atendendo a pressões (principalmente a arterial) me convenci de que preciso perder uns quilinhos. A minha bronca, ressalte-se, não é estética (porque se assim fosse, teria que chamar a mamãe para fazer outro eu), estou mesmo é interessado em dar minha contribuição necessária e verdadeira para a manutenção da vida. Adoro viver. Preciso (tenho alguns livros aí pra lançar...).
Sucede que nos últimos dias, mudei minha rotina. Vivo mais (acordo às cinco da matina, né), e melhor. E com esse negócio de madrugar, acabei percebendo detalhes de um mundo meio esquecido, mas de toda sorte encantador. O amanhecer é escandalosamente bonito com aqueles tons e contratons de azul e laranja (tá certo o Roberto Carlos naquela canção “o amanhecer é lindo laraiá laiá laiá”). Sabe aquela coisa de passarada? Daqui de casa, consigo discernir pelo menos 10 cantos diferentes de passarinhos. Todos muito animados para o dia. Além dos delicados gorjeios ainda dá pra identificar também o cocoricó de um galo perdido no ermo (olha só, gente, por falar em galo, me vem à cabeça um inconformismo. Não conheço ninguém que crie um galo. Não encontro com um galo sequer ciscando por aqui pelas redondezas, não ouço histórias de galanteios de galo nenhum dirigidos, sem decoro, a galinhas fogosas entre-quintais. E toda manhã me pinta a onipresença deste cocoricó sincopado. Éraste, parece uma coisa!).
Uma missão que foi aceita meio que na marra, essa da caminhada matinal. Mas que tem resultado em momentos de oportunas reflexões e de reavaliação de condutas corriqueiras. Não sou subordinado a traçados impositivos. Meu itinerário é arbitrário, a minha direção é anárquica. Isso me torna livre. Nessa hora não há conflitos com o espaço (no início, atravessava a rua intempestivamente, subia o meio-fio, cortava caminho... Pra que isso, já?). Para caminhar a gente precisa estar livre para poder se relacionar harmoniosamente com a geografia da nossa batidinha urbana...Coloco meu tênis, meu fone de ouvido e vou bater no rio Murucupi. Falo com aquela árvore extraordinariamente simétrica que separa o rio da mais nova invasão da Vila dos Cabanos, pergunto pra ela como está a sua simetria, a vizinhança e volto...caminhando e aprendendo. E essa experiência de releitura do cotidiano rebato, com espírito renovado, para o resto do meu dia e fico na paz.

2 comentários:

  1. Olha que lindo tudo isso!
    Isso me lembra que eu preciso acordar praa visa tambem, e matar toda essa minha preguiça que se agarra em mim...
    Beijocas! Saudade!

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  2. Em se tratando de saúde, vc está no caminho certo, principalmente quando conversa com a árvore. Falando em galo, aqui no meu prédio tinha uma criatura que tinha um belo exemplar, imagine. Os vizinhos tiveram que aturar a ave despertador por um bom tempo (rs). Parabéns pela crônica, bom dia.

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