sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Crônica da semana

E tem o lado B (a ressurreição)

Aqui no jornal, tenho umas quantas crônicas que arrebentaram a boca do balão. Uma delas foi a que escrevi sobre o filme “Durval Discos”. Muita gente se identificou com o texto. A motivação para o envolvimento com a crônica reside no fato dela falar do sacerdócio que é ouvir (ou providenciar as condições para) discos em vinil.
Calhou que este mês de novembro marcou um reencontro com os meus discos. Meu aparelho ficou sem agulha um tempão. Depois que consegui comprar uma agulha pro meu toca-disco, deu-se outra bronca. O ‘prato’, depois de tanto tempo parado, pifou. Fazia um ruído de motorzinho funcionando, mas...nada. Foi um momento tenso aqui em casa. Eu e minha mulher querendo desesperadamente, fazer o bichinho funcionar. A agulha, bacana, decodificando legal os sulcos do acetato. Mas o aparelho sem força. Tentei até rodar com a mão. Deu um resultado em slow, mas não colou. Amofinei. Liguei para amigos especialistas, me aconselhei com gente do ramo, controladores de som ortodoxos; troquei a borrachinha de tração... Até que um dia, meu amigo Waldeci Lazameth veio aqui em casa munido de um jogo de chaves de fenda, desatarrachou aqui, ali (e depois atarrachou) alguns parafusos, virou, mexeu... e o disco rodou. Pai d’égua!
O meu aparelho de som não é uma peça física, somente. Ele é um testemunho imaterial substancioso, essencial. Muitos dos fatos mais relevantes da minha vida foram embalados por uma trilha sonora vinda dos meus vinis. Constatei isso no domingo seguinte à ressurreição do meu três-em-um. Fizemos, em casa, exatamente como fazíamos antes, quando o Argelzinho tinha dois anos e pouco e brincava com os heroizinhos de plástico pelo chão da casa e Amaranta Maria era uma bebê que dormia que era uma maravilha na rede sem varandas. Fui pra cozinha inventar um cumê. Minha mulher cuidou da casa e de umas roupas no tanque. Ambos turbinados por umas latinhas de cerveja, encaminhamos as obrigações do lar animados pelo som que vinha lá do quartinho. E foi assim, meio que automático: Pink Floyd de entrada. Depois, uma sessão de Janis Joplin, Queen, umas e outras do Led Zeppelin. Para acalmar os meninos, que não são mais nenenzinhos de ficar nos cantos, e que agora reclamam que o barulho os impede de ouvir a programação da TV, uma seqüência de pura nostalgia pueril. Balão Mágico, a música do Arrigo Barnabé com que eu ninava o Argel em embalos ritmados na rede... Eles, até prestam atenção uns instantes, mas a seguir, trancam-se no quarto e nos liberam ao nosso barato. Aí a gente repete um exercício emocional praticado há anos. Cartola, Custódio Mesquita (‘nada além, nada além que uma ilusão’), Festival da Fcap com a urbanidade de Edir Gaya (‘José de tal estatelou-se no asfalto’) e a emoção bucólica de Alfredo Reis (‘quando as águas retirantes partem pro mar’) e... Chico. ‘Todo Sentimento’, que é a música que me impõe a missão de lutar pela vida (lembra minha mamãe e amigos que perdi). A gente chama os meninos para o almoço. Nessa hora, raridades: Campanha da Fraternidade de 1976, Zezinho Maranhão (‘de quebra o amor é pouco/ e eu fico louco/por você rainha’), The Rolling Stones. Todos em compacto, para os meninos conhecerem este formato minimizado do sucesso. Depois do almoço e algumas latinhas consumidas, os meninos vão se aquietar e a gente reitera compromissos: “Amo uma mulher clara/que a mim me ama sem pedir nada”. Os meninos perguntam por que o papai tá chorando, mãe? Nada, não. Chora de feliz, porque o aparelho de som voltou a funcionar e agora pode, de novo, ouvir as músicas da vida dele.

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