segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

crônica da semana

Diferente, muito diferente
Houve um tempo em que a volta às aulas vinha animada por uma música recheada por estes versos: “Casas Pernambucanas/Volta à escola bacana/Casas Pernambucanas/Primeiro lugar...” Este era o hit da portentosa casa comercial que imperava de canto a canto no quarteirão mais nobre da Avenida Portugal. Tinha lá de um tudo, mas nesta época, vingava mesmo pela oferta de fazendas azul-marinho para os uniformes escolares. E ainda os versos: “Variedade de tipos e cores/consultem seus professores/Tecidos pra fardamento escolar...É primeiro lugar”.
Quando o reclame das Casas Pernambucanas começava a passar na TV, a gente já estava se ajeitando, providenciando as coisas pra voltar das férias revelando a glória de ser promovido para a série tal ou sofrendo a dor de ter que repetir de ano.
Na volta às aulas, uns assim, assim, do baixo clero, se viravam como podiam. Era o meu caso e de uns quantos colegas ali da baixa da Pedreira. A mãe não tinha numerário para artigos de luxo. Sabia das ofertas das Casas Pernambucanas, mas o fardamento vinha mesmo era como herança do irmão mais velho que já se agoniava no apertado de uma calça de tergal, de uma blusa na tricoline boazinha e que cabia benzinho na gente, era só mudar o bolso do colégio. O custo era esse. Era importante ostentar o brasão da instituição porque exibia a série que a gente ia estudar. Ainda mais se a gente tivesse passado e começasse o ano em um grau mais acima. Era um orgulho só. E o bolso, necessário e ostensivo, era adquirido forçosamente do simpático monopólio da Femesc. Mas quando que naquele tempo havia a liberdade de mercado, já!
O caderno era outro motivo para arranjos e zelos. E era cuidado como qualquer um daqueles de arame bacana, de várias matérias. Sendo que com algumas ligeirinhas peculiaridades. Mamãe comprava uma resma de papel almaço com pauta, cortava um feixe robusto ao meio, costurava a borda, e com esmero, desenhava uma florzinha, um bichinho, uma qualquer coisa cândida, infantil, na primeira folha, tida e havida, dali em diante, como capa do caderno. E arrematava a arte em cortes estilizados com a tesoura de picotar. Depois, se nos aprouvesse, podíamos inventar modas, criar esquisitices, numerar as páginas com canetinhas Silva Pen. Aí, ia da gente.
Este era o material básico para iniciar o ano escolar: o fardamento e um caderno multidisciplinar. Se desse, a gente arranjava logo a cartilha Caminho Suave, a tabuada, o caderno de caligrafia, aquele caderno de desenho que tinha a  obra do Pedro Américo na capa, o lápis com umas bandeiras de países que a gente nem conhecia e a borracha branca enroscada nele, aquela mesma borracha que a gente roia todinha tão logo nos víamos diante da fessora, na sabatina. Mas o que não podia faltar mesmo era fraterno copo de plástico que ia linkado ao cós da calça e saía dali somente na hora abençoada do mingau. Para abrigar essa coisinhas, bastava um saco plástico da sandália Havaiana, porque vinha com um cordão embainhado e que, a uma leve pressão com os dedos em pinça, servia como fechadura e alça, ao mesmo tempo, e dava pra andar assim, pendurado até à escola.
Assim era a nossa volta às aulas, no tempo do reclame das Casas Pernambucanas. Um tempo romântico, de estudos saudáveis em escolas públicas. Um tempo em que, embora a volta às aulas fosse embalada por cantigas pregoeiras, ainda admitia a vontade de estudar. Um tempo muito diferente desse que vivemos hoje, em que a famigerada lista de material escolar de nossos filhos consome boa parte do salário, de nossas forças, de nosso ânimo. Um tempo muito, muito diferente...

Flutuando

Um verso antigravitacional. Uma odisséia no espaço: Marina

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

do blog Caleidoscópio de palavras

Tenho olhos de lâminas...
Corto a carne, para espiar a alma.
(Wanda Monteiro) 
http://www.caleidoscopiodpalavras.blogspot.com/
 
 

do blog Dos mares de água doce

minha aldeia é também tua,

meu porto tem lugar pro teu navio

minhas asas cobrem teus rios

meu mar chove brasa de amar por ti

Martespera por mim ?

Mar, te espera,

todo ele a banhar-se em ti.                         

(Briela Salgado).

http://www.dosmaresdeaguadoce.blogspot.com/

do blog surtosalados

Tá chovendo. Tá caindo.
um sorriso, um beijo, um caminho, a saudade.
Depois se esvai pela rua, molha cidades inteiras, 
abre estradas , derruba morros.
Desmorona esperanças...
E acaba em um rio solitário, agregando dor e solidão.
O rio fica lá, até secar...
Mas a chuva demora a cessar, e a dor também!

(Laila Costa)   
http://surtosalados.blogspot.com/                    

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ADEUS AO PRÍNCIPE DOS POETAS

 
O nosso querido poeta Alonso Rocha
Partiu fazendo de sua pena um caminho,
De rimas e versos luminosos feito tochas
Onde trovas recitavam os anjinhos.

O Príncipe deixou o reinado
Atendendo a um chamado do céu
- Venha Meu príncipe amado
É chegada à hora de poetar para Deus.

Rui do Carmo

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Volta às aulas (já?)


Antigamente as aulas só começavam lá pra março. Os breves estios de janeiro e fevereiro, tempo das chuvinhas sem termo, a gente consumia nas brincadeiras de terreiro e quintais como pira-mãe, pira-alta, pira s’esconde, pira-lata, bandeirinha, pó-rouge-ou-baton, peteca-paga-bolo, fura-fura e outras e tantas... Papagaio, não. Não tinha clima.
Se rolasse uma graninha, por um ou outro carreto que a gente fizesse lá na feira, a gente alugava uma bicicleta, só pra esmerilar. Se abalava sem freio pela planície brilhante do Areal e só parava quando a bichinha embicava, sem resistência,  nas águas geladinhas do igarapé do Zé, ali, na fronteira da Pedreira com as matas da aeronáutica (naqueles tempos a Dr. Freitas era o lugar mais longe que a gente podia ir, assim, de bandalha, enganando a mãe, dizendo que a gente ia só até ali, no Areal, bater uma bola. Depois do asfalto da Dr. Freitas, era o interior já, com os seus mistérios, com o Curupira, com a Mãe d’água. De lá, eu  é que não passava, apesar das tentações e de muita corda da molecada, porque me pelava de medo da Matinta e de toda essa espécie de coisas que assustam e assombram e porque, também, tinha uma horinha que eu dava ouvidos à minha mãe e obedecia. Besta mesmo eu não era de pegar uns tanspescos assim, por ter procurado arte).
Por outra, no domingo, a gente juntava a turma e ia charlar na frente do Paraíso, empoado e banhado no mais refinado extrato, antes de uma empolgante sessão vesperal (que a minha mãe chamava de matinê) de “O Dragão chinês contra os samurais voadores”. Éraste, era muito firme, gê-gê (jóia-jóia).
Quando a maré tava grande, a gente ia pra ‘escadinha’ mariscar. Catava umas (arg!!!!) minhocas pelo lodo do quintal e ganhava o rumo do Ver-o-Peso, nas tardes molhadas de Belém. Não lembro de ter pegado um peixe sequer, mas que eu me divertia a valer, diante do banzeiro, ah, isso é certo.
Às vezes, quando não tinha nada pra inventar, naquela tardes sonolentas a gente tirava uma de brincar de jogar pedra. O convite vinha, assim, meio preguiçoso, “umbora brincar de jogar peeedra!!!!!!!”. A resposta era na bucha: “buuuraaaa”. E ficávamos ali, alçando ao ar uns grãos vermelhinhos, que iam dar em lugar nenhum. Só pra ver o tempo passar mesmo.
Televisão, só quando o vizinho abria a janela, lá pra de noitinha, na hora de “Pecado Capital”. Quando terminava a novela, o vizinho se levantava, pedia licença e...
Tinha o blecaute, também, naquela época. Taí, nem o vizinho, nem a gente. O jeito era improvisar. Contar histórias, ouvir rádio.
Eu aproveitava e procurava dengo. Me aninhava no colo da mamãe e ficava com ela até tarde ouvindo o programa do Joel Pereira. Trouxe de lá o gosto pelo violão e por vozes inesquecíveis como as de Ângela Maria, Cauby, Chico Alves (o rei), Emilinha (minha eterna rainha), Dick Farney, Nelson, Miltinho, Anízio Silva (“alguém me disse que tu andas...”), Caymmi (“é doce morrer no mar”)...
As aulas dos meus meninos começaram agora, no dia 14 de janeiro (bem longe de março como, um dia, houve de ser). O trisca da chuva no telhado me tenta à reflexão: nada dessas coisas que aconteceram comigo, se reeditam para eles. Somente janeiro é um mês de chuvas inteiriçadas, nada mais. A TV é colorida, tem a Mayza Monjardim de olhos cor de piscina, a mini-petiz Maísa, o Naruto, a Sessão da Tarde (equivalente doméstico das sessões vespertinas do Paraíso), Malhação, os últimos capítulos de A Favorita, BBB...
Lá querem saber, o meus meninos, de caçar minhocas no quintal.
Já estão de volta às aulas (já?). E eu, acho que não vi o tempo passar.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Minha Nega Não Sabe Sambar

 A minha nega não sabe sambar
Mas sabe beijar

E sendo assim
Não há nenhum problema
A ginga é escandinava
Mas o beijo da nega
É de cinema.

A minha nega não sabe sambar
Mas sabe beijar

A nega tenta um jeitinho assim
Um passinho assim
E não sabe sambar

Mas tem um beijo que é uma doçura
Dá mais prazer que um belo samba
E me leva à loucura

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

crônica da semana

Jogo de bola
Meu menino faz quinze anos amanhã. E o presente que ele pediu de aniversário me surpreendeu. Argel de Assis sempre foi meio largado. Tem costumes frugais. Inclinações franciscanas. Nunca deu muita bola pra mimos. Em que pese, para qualquer oportunidade: aniversário, Natal, dia das crianças a única coisa que fazia questão de ganhar era uma bola. Dava uma bola pro menino, pronto. Tava feliz. Ô, pequenozinho econômico! Mas mesmo assim, conhecendo este perfil moderado do meu filho, o pedido que ele fez para comemorar os quinze anos foi uma surpresa: quer um jogo de futebol entre os meus amigos e a turma dele. Coisa do tipo Amigos do papai versus Amigos do Argel.
Gostei da idéia. Mas vou ser sincero. Tá difícil pra montar a minha onzena. Minha pariceirada até que se animou para a partida, mas não faz questão de jogar, conforma-se em ficar no banco (ou no balcão do bar mais próximo, tanto faz). Ocorre que os companheiros que estão mais próximos e com quem eu consegui contatar para abrilhantar a contenda comemorativa, por pura coincidência, destacam-se em outras artes que não aquelas ligadas ao esporte. São afinados com as atividades mais, digamos assim, intelectuais. Portanto, quedam-se obedientes ao ensinamento do cartunista Jaguar quando prega que “intelectual [não joga bola], intelectual bebe”. E também, por conta das lidas diárias, são sedentários, e não vão se arriscar a uma síncope em pleno carnaval, né. Tem gente da minha turma que a última vez que correu atrás de uma bola de futebol, foi no Natal de 1975. E a última vez que correu por um motivo nobre qualquer, foi em 2002. Por aí, a gente tira. Bom, em tudo por tudo, combinamos homenagear o Argelzinho com uma apresentação simbólica de ‘eternos 15 minutos’, na condição de que o adversário (olha o trato aí, heim, Victor Brenner!) facilite na marcação e nos deixe marcar pelo menos uns dez golzinhos.
O pequeno tá merecendo. Nos últimos anos, Argel vem se construindo, ganhando brilho próprio. Fortalecendo-se em atos e opiniões. Não é mais o bebezinho que me chegou aos braços naquela terça-feira gorda de 1996.
(Nasceu naquela terça de carnaval. Um feriado meio que informal, no Brasil. Quando chegou ao quarto, nos sacamos logo. Ele, com aqueles olhos cor de mel abertos, reconhecendo tudo. Assuntando. Papai, papai tá aqui. Foi mais ou menos assim, que nem naquela cena do Nemo, sabe. Me apresentei logo. Papai tá aqui, filho. Minha comadre Valéria Nascimento pegou meu menino com cuidado - os olhos melífluos do pequenino, curiosos, medindo, discernindo - e o trouxe pra mim. Acatei as orientações, as coordenadas, peguei o jeitinho e lancei os meus braços pra abrigá-lo... E ele veio direto para o meu coração).
Merece mais ainda, porque hoje, nos vemos pouco. Fico aqui por Barcarena provendo o nosso ‘de cumê’. E só tenho com ele, nos finais de semana. Mas mesmo que eu ficasse direto em Belém, ainda assim, nos restaria só o final de semana. Meu menino sai de casa às seis horas da manhã e só volta às dez da noite. Tem a escola, o basquete, o inglês, a aula de violão, o basquete de novo. É um menino muito ocupado. E às dez, ó, eu já tô nanando que tempo.
Por isso, quando chego no sábado, fico arengando, faço barulho. O pequeno ainda está dormindo. Cansado. Precisa se recompor. Mas faço que faço pra tirá-lo da cama. Preciso dos carinhos dele (talvez para me purgar da culpa pela distância). Papai. Papai tá aqui. O custo é ele acordar. Depois que acorda, nos divertimos a valer. Nos superamos para minimizar essas travas do cotidiano. Cada minuto que passamos juntos é uma maravilha, vale pela folhinha do ano inteirinha. (Só que neste sábado, vamos interagir pouco. Tenho que me preparar técnica, física e psicologicamente para o jogo de amanhã).

quinze anos do meu neguinho







quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sorrisos dos arrabaldes

Penso que a cidade se revela pra gente no simbolismo de ambientes especiais, cheios de história e vida.
Em Belém, tenho os meus cantinhos:
A Pedreira, do samba e do amor, tem uma cola comigo que não desaprega nunca. Moro na Pedreira desde que me entendo por gente. Antes dos espigões e dos medos diários, eu pintava os canecos pelos alagados dos quintais, catando camapu, s’escondendo dos moleques nas brincadeiras de “camonhaboy”, ou em descobertas edificantes junto à uma galerinha pra lá de desinibida nos happy-hours tecidos a ‘pó-rouge-batom’  ou a ‘ai, caí no poço’ (e por onde bate a água?...).
O progresso chegou. A macrodrenagem disciplinou irrequietos cursos d’água e revelou para o mundo o Acampamento, que não é um bairro, não é um aglomerado urbano ou um espaço conurbado. O Acampamento a mim, mais parece ser um enclave soberano e absoluto, enriquecido de solo colorido e pedregoso, ilustrado pelos contrastes de relevo que se confirmam nos barrancos à margem do Galo. Um condado irrigado pelos olhos d’água que teimam em brotar sob a pavimentação incipiente e delineado pela graciosa geografia que o integra, ao mesmo tempo, aos bairros da Pedreira, Telégrafo, Sacramenta e Umarizal. O Acampamento é um desafio-cidadão que guarda em si o charme e os mistérios do ‘interlan’ paraense.
Meu ‘suburbano coração’, já que está ali, pela ponte do Galo, apanha um ‘Nova-Marambaia-Telégrafo’, pega a Almirante, passa do marco da primeira légua, se adianta pelo Souza, camba direto para a estrada de Icoaraci e desembarca ali, adiante um pouquinho do Mangueirão. Uma região que me trouxe muitas emoções. Andei por ali bem antes do asfalto, das ocupações ao pegado das matas da Marinha, do grande estádio. Aquele trecho da Augusto Montenegro tinha uma mina de campos de futebol. Naquele estirão, o fabuloso Internacional da Mauriti alcançou as suas maiores glórias. Houve ocasião d’ a gente disputar uma partida aqui, no trevo do Pedro Teixeira e depois sair correndo pela estrada do Tapanã até outro campo, para o cumprimento de mais um compromisso de boleiro. E era no pique mesmo, porque naquele tempo, por aquelas bandas, não havia nada. Ônibus, asfalto, completo de suco com pastel, passe fácil. Nada, só as chácaras, e as pontas de mata. E era longe à beça. A gente, olha só, até se programava para passar as férias no Tenoné.
(Esta parte da cidade me intriga. Recordo a existência de um clube super animado. Depois da bola, a molecada sempre esticava para a piscina do Satélite. As lembranças são vagas e confusas. Às vezes penso tratar-se de outro clube, o da Mesbla, talvez. Sei, porém, que a gente sempre furava. Se metia por dentro do mato, disputava caminho com as formigas de fogo, relava um isso no arame farpado, mas, com pouco mais a gente já tava de flozô sumindo aqui, boiando acolá, na piscina dos grandes. Lembro também, que a música que reinava era o carimbó. O clube era uma alegria só, naquele remelexo molhado de salão. Essas imagens vêm à minha cabeça, confundem-se, somem, retornam. Às vezes sem o arame farpado, mas sempre com o ritmo e o calor do carimbó. Perece sonho. Nunca mais ouvi falar daquele lugar. Será que a piscina do Satélite existiu mesmo?).
A Escola Jarbas Passarinho, ainda está lá, atrás do Bosque. E por aí a gente tira. O lago, as canoinhas...
Dali, a gente atravessava a grande avenida, ia bater no Curió e emendava para as matas do Agronômico. Para passarinhar, para se perder entre os ‘canyons’ abissais por detrás da Bandeira Branca, para beijar, escondido, a morena e para contemplar os inocentes sorrisos dos arrabaldes.

Bukowski

"O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece".
Charles Bukowski

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

É-TÊ- ÉFE-PÊ-Á!

Resisto ainda, em chamá-la de Cefet. Para mim ainda é Escola Técnica, ou, na intimidade, simplesmente Escola.
Entrei na Escola Técnica Federal do Pará em 1979, e mesmo em tempos de severa repressão, ali, encontrei as traduções possíveis para a liberdade.
Na Escola não tinha essa de fila para entrar, de ficar enclausurado na sala esperando bater a campa, de ser obrigado a assistir às aulas. A Escola era um território livre.
Sem nenhuma forçação de barra compreendi, na Escola, aquela máxima de ‘ter liberdade com responsabilidade’.
Tinha prazer em ir para a Escola (o que não quer dizer que não tenha declinado de assistir a algumas aulas). Os apelos eram muitos: a bola no campo; a reunião clandestina do movimento estudantil, lá na ceasa; o violão e um papo cabeça nos escaninhos sombreados pelos buritizeiros; a unha com chope de uvita, no portão da Estrela; os jogos estudantis, onde assombrávamos com o nosso grito de guerra : É-TÊ-ÉFE-PÊ-Á!
E, sim, sim, as substanciosas aulas construídas pelo talento cênico de Cláudio Barradas; Pela elegante sintaxe de Alfredinho e pelo humor cartesiano do Cascaes; Pelo rigor científico do Campbel e pela harmonia química de Olinda; Pela postura escandinava da Waldize e pela sensibilidade sociológica de Ana Aragão.
Especiais foram os ensinamentos oferecidos pelos meus mestres Teodoro, Maia, Cristino, Vilaça e pelo saudoso professor Alfredo, pioneiros e verdadeiros heróis na árdua tarefa de implantação (e sobrevivência) do curso de Mineração.
A minha turma, desde o dia em que chegamos para a primeira aula de Desenho, varando um corredor de vaias, por causa das nossas réguas tês cheias de penduricalhos, até o último, quando fizemos um beneficente pedágio, na Almirante Barroso,  à cata de recursos para uma justa comemoração inspirada por doces lapadas de Coquinho, continuou a mesma. Esta longevidade foi determinante para que ali fossem construídas férteis amizades.
Da minha turma guardo uma eterna gratidão. Naqueles Tempos difíceis encontrei, na PT-15-7C, braços fortes que me ampararam até o final do curso.
(hoje saiu o resultado da prova de seleção e o meu filho Argel foi classificado para o curso de Mineração, no IFPA. Valeu filhinho, torço por ti.
É-TÊ-ÉFE-PÊ-Á!).                      


sábado, 12 de fevereiro de 2011

Crônica da semana

Deu na TV
Às vezes a gente tem que aguentar cada uma. Não sai da minha cabeça uma reportagem que vi na TV, dia desses, sobre uma escola na Pedreira. A escola apresentava aqueles velhos problemas de falta de água, de carteiras, de ventilador, de segurança....Carências para as quais, entra governo e sai governo, a gente não vê um termo. Por aqueles dias, pra completar a derrota, a escola estava sofrendo com os arrulhos e a nocividade de um bando de pombos.
A matéria foi anunciada e a repórter entrou no ar dizendo que na escola “Rodrigues Apinagés”, tal coisa assim, assim, acontecia... Dei um pulo lá em cima, mas esperei o desenrolar da história. Exibiram algumas cenas da escola, filmaram a algazarra dos pombos, a fachada da escola (meio de relance, mas nos dando a possibilidade de ver o nome da escola grafado na parede). Alguns depoimentos foram tomados, sobre o caso, de profissionais que trabalhavam ali e de alunos (que usavam uniformes escolares com as iniciais da escola bem visíveis na estampa: “RP”).
No fechamento da matéria, a pequena falou qualquer coisa sobre os pombos da escola “Rodrigues Apinagés” e depois a cena voltou pro estúdio. Aí me deu um chiliquito. Sabe aquela coisa que sobe na gente, de raiva, de indignação, de desolação? Quase eu tenho um passamento quando a apresentadora, ao comentar o fato repetiu o nome da escola, do mesmo jeitinho, da mesma forma errada, tal a repórter que fez a matéria no campo. Será, meu pai, que essas pequenas não perceberam? Não viram na fachada, na farda dos alunos, que não é Apinagés? É Pinagé! Rodrigues Pinagé! (E se fossem, de toda sorte, indiferentes aos sinais que lhes apontavam na cara o nome correto da escola, que se abalassem ao menos à internet, para checar a origem do nome daquele estabelecimento de ensino. Dois cliques no Google e olha só, pesquei rapidola no blog “Pelas Ruas de Belém”, do meu amigo Fernando Jares uma pequena biografia do Príncipe dos Poetas Paraenses:
“Rodrigues Pinagé nasceu em Natal, em 1895 e veio criança para Belém, onde faleceu em 1973 (...) Teve uma longa e proveitosa vida intelectual entre nós, sendo jornalista, poeta dos mais queridos, tanto que em 1964 foi eleito, pela Academia Paraense de Letras, o Príncipe dos Poetas Paraenses...”. E do nobre poeta, Fernando Jares nos mostra versos bem humorados, atrelados, em todos os sentidos, ao tempo, que eu recorto e repasso a vocês:
“Não ha genio/sensato que tolére,/Folhinha do Anno na parede!É mimoso o ornamento, mas... suggere/A Morte encadernada,/Bem vestidinha de papel impresso/Interessada em diminuir a ida.../Meu amor!... Quero a Folhinha atraz da porta,/Bem recatada.../Bem escondida... bem torta.../e... tem piedade de mim!... bem atrazada!”)
O pior, é que além do pouco zelo em apurar as notícias e da insensibilidade para perceber a energia de um poeta, a imprensa dobra-se ao bombardeio irrefreável de um jornalismo pirotécnico, espetacularizado.
Com o argumento de aproximar a notícia do povo, alguns neotelejornais domésticos abusam dos alaridos, arrulhos e espalhafatos. O preocupante é que com este apelo, os âncoras assumem postura de avaliadores supremos, como se vindos a mando dos céus. Numa falação de baixíssima densidade, erguem-se em discursos pastorais com o poder de julgar e condenar. Nada escapa aos seus veredictos. Nem a natureza. Outro dia, depois de uma chuvarada daquelas, a apresentadora se encheu de moral, reclamou do absurdo que é o clima de Belém e, indignada (ela que nem daqui é), exigiu o fim do ‘tal inverno amazônico’ (ora, inverno amazônico!).
Ah, como diria o Boris, isso é uma vergonha!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Verde Azul

Eu bato
O pé
Na porta
Do dia
E o céu
Me oferece um sorriso
Azul
O verde das árvores
É de viva alegria
O afago do vento
Me traz a paz dos céus
Pássaros em algazarra
Me chamam para
A aventura do dia
A vida se anuncia
Atraente
Bela
E eu
Tão só

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sonho de carnaval


Há tempos tô com vontade de desfilar meu charme numa das nossas Escolas de Samba. Este ano, tô a fim. Há um astral, mesmo que tímido ainda, pairando sobre o nosso carnaval de rua, mas reconheço ser um astral animador anunciando ‘a festa da carne’, e diante do clima,  já fiz uma jura: vou para a avenida do samba.

A Escola vai ser da Pedreira, é claro. Talvez duas, se o preparo físico de jogador de porrinha permitir. Vou tentar me arriscar também num bloco de empolgação. E se tiver um por aí bem ao estilo  revolucionário do velho Agüenta o Tombo, vou que vou com tudo (é um tombo pra cá/é um tombo pra lá...).

O problema é com que roupa eu vou.
Perdoem-me os diretores de harmonia, mas não tem cristão que me faça vestir aqueles balangandãs multicoloridos, aqueles acessórios, tão carinhosamente idealizados pelos nossos talentosos carnavalescos e que, verdadeiramente, enriquecem as fantasias. Não. Não tem quem faça.

Das alegorias de mão, me poupem: os deuses da folia reclamam as mãos soltas para louvá-los. Adereços e penachos que atentam contra a lei da gravidade, nem vem... Chapéu estilizado que ocupe uma das mãos com a missão menor de equilibrá-lo no cocuruto, eu dispenso: nada de coreografia “moça do leite condensado”.

Sobre os ombros, negatofe.
Nem resplendor de papel laminado, ou arco-íris de isopor, tampouco asinhas emplumadas que ficam entesando a gente na inglória missão de fixá-las. Não. Não quero nadica. Na avenida, meus queridos diretores, eu quero ser livre. Quero esvoaçar pagão sobre o asfalto e mostrar no pé a ginga de moleque pedreirense  e o samba que habita meu espírito.
Também nem tanto, né!

Não vou pleitear um lugar no nicho libérrimo que é a ala dos de sunga e brilho. Eu, heim! Com essa barriguinhazona e esses gravetos (vulgo canela fina), nananina. Não quero ser alvo de comentários populares do tipo “que coisa reeedícula”. Pelos mesmos motivos, declino de uma tanguinha na ala dos Tembé. De tanga? Ah, ah, ah, ah...Olha que as coisas vão sobrar...
Devemos nos entregar a liberdade momesca, mas devemos, também, manter o mínimo de lucidez para evitar a bizarrice. Devemos lembrar que haverá, lá na frente, uma rígida quarta-feira de cinzas a nos esperar com o caderno de contas na mão.

Deus Baco que me livre e guarde, em contrapartida, do alto dos carros alegóricos. Ali, sobre aquela plataforminha tremelicante segurando aquela varinha bêbada, e bêbado eu! Lá pras altura eu é que não vou me abalar. Lá em cima, não abriria nem os olhos, que dirá o samba no pé.
Mas taí: um chapéu Panamá, uma camisa listrada, uma calça de cetim... a sapatilha prateada, a barba por fazer, que tal? Ah, de passista, tipo malandro carioca de gestos leves e faceiros (um desafio para os meus sessenta e poucos quilos, admito), eu vou. Livre para alçar vôos sobre as luzes da avenida, para acariciar o povo animado da arquibancada da Aldeia Cabana, para reverenciar o meu povo da Pirajá, bem localizado, à beira da calçada. Obediente para pedir a bênção dos deuses, livre para desenhar no chão da Pedreira, o meu coração de sambista.

Legal, de passista é que eu vou. Livre para me entregar à poesia do carnaval. Com a confortável possibilidade de, foi-não-foi, fazer par com uma alucinante mulata, com o mistério, com o desejo, com a ilusão e com os sonhos de carnaval.
Ah, fazer par com a maravilhosa mulata...
Sim, eu vou de passista. Mesmo que seja em sonho, é de passista que eu vou.  

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crônica da semana

Roda de carimbó

O vigoroso rufar dos tambores espalha-se pelos quatro cantos da praça e traz o som do carimbó aos nossos corações. É como se uma essência encantada se volatizasse sonora dali daqueles tambores e procurasse os escaninhos da nossa alma... flutuasse leve e entrecortasse o bambuzal, os monumentos de pedra, penetrasse em nossas fúteis realidades, nas nossas inertes abstrações...e fosse bater lá na nossa indiferença dominical. Então, ali, aninhada em um genezinho de prazer que a gente herdou dos pretos-índios-caboclos da floresta, nos guiasse até embaixo daquela mangueira onde o batuque e a cantoria reinam.

Ê, carimbó! Ê, carimbó! Carimbó é volúpia. É tradição. É cultura. É luxúria. É erudição. É arte. É festa. É beleza. Por vezes é só um convite pra entrar na roda. E sempre é mistério.







(A sereia surge radiante, do fundo das águas espelhadas do igarapé, ouviu o chamado dos tambores. Exibe-se com um elegante vestido branco enfeitado de fitas amarelas e vermelhas. O sorriso é insinuante e provocador. É quase rio de água friinha: gostoso, acolhedor, mas profundo e perigoso. Um sorriso fácil e algo ameaçador. Um sorriso de mãe d’água que domina. Que fascina. E faz rarear a razão; Os olhos rompem espaços. Impõem-se à luz. Acendem-se sedutores e apaixonantes. Aspergem devastadora sensualidade. Emanam, como o sol, luz e calor. Sugerem a vida; Os cabelos confundem-se com as ramagens mais densas e belas. São porções de floresta a confirmar a altivez da rainha. Sobre os cabelos, uma flor vermelha. Certeza de fertilidade. De energia renovadora. “Sereia, sereia rainha. Ah, que moça bonita, ê!”)

Ê carimbó! O carimbó é uma dança. É uma música. É um movimento cultural. É um sentimento. Uma vocação. Uma diversão. Um transe. Uma ilustração. Uma tradução coreografada do chamego ribeirinho. Um tambor feito de tronco de árvore. Curimbó. Um patrimônio imaterial. E carimbolando a gente vai. Porque o carimbó é festa. É um convite pra entrar na roda formada embaixo da mangueira, na Praça da República. E é sempre mistério.

(A sereia eleva-se sobre a terra. Os pés descalços deslizam rés o chão submisso. Ela rodopia, volteia, ondula, verga-se, relaxa-se faceira, recompõe-se decidida. E de novo se eleva. A flor no cabelo exala um perfume que inebria os homens. Alguns, já subjugados, arvoram-se a cortejar a rainha. Flanam, exibem-se em passos ousados, salientes. Suplicam olhares, sorrisos. Ela os devora com os olhos, um a um. E os faz seus súditos. Os deixa indigentes, pedintes valdevinos, dependentes de amor, dança e música. “Sereia, sereia rainha. Ah, que moça bonita, ê!”).



 

E os tambores em ritmos lancinantes, aflitos, regendo a celebração. Solos de percussão. Corpos excitados. Os tambores falam, cantam, rezam. Alucinação e êxtase. Sereia, sereia. Contágio, interação. Vontade incontrolável. Batida discreta de pé no chão. Palminhas acanhadas. E a retórica dos tambores, definitivamente, indefensável. Carimbó. Carimbó! A gente não resiste e entra na roda. Ah, que moça bonita, ê! 


 


O carimbó é isso. Um domingo na Praça da República, rico de sensações. Uma variedade percussiva fantástica. Talentos. Vozes e danças cheias de charme e graça. Dizeres subliminares de rio, de mata, de crença, de sabedoria popular e fantasias coletivas. Simplicidade e riqueza emparelhando-se na sociologia das artes. Carimbó é um convite para entrar na roda e ser feliz, mesmo que naquele instantinho só. Mas é, sobretudo, mistério.
(E a sereia depois de nos mundiar a todos, desencantou e sumiu nas águas espelhadas de um igarapé lá pras bandas do Utinga).