terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Volta às aulas (já?)


Antigamente as aulas só começavam lá pra março. Os breves estios de janeiro e fevereiro, tempo das chuvinhas sem termo, a gente consumia nas brincadeiras de terreiro e quintais como pira-mãe, pira-alta, pira s’esconde, pira-lata, bandeirinha, pó-rouge-ou-baton, peteca-paga-bolo, fura-fura e outras e tantas... Papagaio, não. Não tinha clima.
Se rolasse uma graninha, por um ou outro carreto que a gente fizesse lá na feira, a gente alugava uma bicicleta, só pra esmerilar. Se abalava sem freio pela planície brilhante do Areal e só parava quando a bichinha embicava, sem resistência,  nas águas geladinhas do igarapé do Zé, ali, na fronteira da Pedreira com as matas da aeronáutica (naqueles tempos a Dr. Freitas era o lugar mais longe que a gente podia ir, assim, de bandalha, enganando a mãe, dizendo que a gente ia só até ali, no Areal, bater uma bola. Depois do asfalto da Dr. Freitas, era o interior já, com os seus mistérios, com o Curupira, com a Mãe d’água. De lá, eu  é que não passava, apesar das tentações e de muita corda da molecada, porque me pelava de medo da Matinta e de toda essa espécie de coisas que assustam e assombram e porque, também, tinha uma horinha que eu dava ouvidos à minha mãe e obedecia. Besta mesmo eu não era de pegar uns tanspescos assim, por ter procurado arte).
Por outra, no domingo, a gente juntava a turma e ia charlar na frente do Paraíso, empoado e banhado no mais refinado extrato, antes de uma empolgante sessão vesperal (que a minha mãe chamava de matinê) de “O Dragão chinês contra os samurais voadores”. Éraste, era muito firme, gê-gê (jóia-jóia).
Quando a maré tava grande, a gente ia pra ‘escadinha’ mariscar. Catava umas (arg!!!!) minhocas pelo lodo do quintal e ganhava o rumo do Ver-o-Peso, nas tardes molhadas de Belém. Não lembro de ter pegado um peixe sequer, mas que eu me divertia a valer, diante do banzeiro, ah, isso é certo.
Às vezes, quando não tinha nada pra inventar, naquela tardes sonolentas a gente tirava uma de brincar de jogar pedra. O convite vinha, assim, meio preguiçoso, “umbora brincar de jogar peeedra!!!!!!!”. A resposta era na bucha: “buuuraaaa”. E ficávamos ali, alçando ao ar uns grãos vermelhinhos, que iam dar em lugar nenhum. Só pra ver o tempo passar mesmo.
Televisão, só quando o vizinho abria a janela, lá pra de noitinha, na hora de “Pecado Capital”. Quando terminava a novela, o vizinho se levantava, pedia licença e...
Tinha o blecaute, também, naquela época. Taí, nem o vizinho, nem a gente. O jeito era improvisar. Contar histórias, ouvir rádio.
Eu aproveitava e procurava dengo. Me aninhava no colo da mamãe e ficava com ela até tarde ouvindo o programa do Joel Pereira. Trouxe de lá o gosto pelo violão e por vozes inesquecíveis como as de Ângela Maria, Cauby, Chico Alves (o rei), Emilinha (minha eterna rainha), Dick Farney, Nelson, Miltinho, Anízio Silva (“alguém me disse que tu andas...”), Caymmi (“é doce morrer no mar”)...
As aulas dos meus meninos começaram agora, no dia 14 de janeiro (bem longe de março como, um dia, houve de ser). O trisca da chuva no telhado me tenta à reflexão: nada dessas coisas que aconteceram comigo, se reeditam para eles. Somente janeiro é um mês de chuvas inteiriçadas, nada mais. A TV é colorida, tem a Mayza Monjardim de olhos cor de piscina, a mini-petiz Maísa, o Naruto, a Sessão da Tarde (equivalente doméstico das sessões vespertinas do Paraíso), Malhação, os últimos capítulos de A Favorita, BBB...
Lá querem saber, o meus meninos, de caçar minhocas no quintal.
Já estão de volta às aulas (já?). E eu, acho que não vi o tempo passar.

Um comentário:

  1. Bons tempos de brincadeira de moleque: correr na chuva, roubar fruta do quintal alheio, ouvir lendas urbanas...Parabéns novemente!!

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