sábado, 29 de julho de 2023

crônica da semana - daniel

 Daniel

A moçada hoje em dia não faz ideia do que seria um Atlas Geográfico. Minha geração conheceu na escola, nas bibliotecas; quem tinha mais um quê de dindim, ostentava um na estante. E ali, entre os fascículos diversos, ficava meio sem jeito, já que os Atlas tinham formato bem maior que as publicações regulares. Eram apresentados no tamanho de um A3, por aí assim. Trazia nas páginas sempre bem coloridas e de diagramação confortável, informações diversas, mapa-múndi, fotos do Brasil e imagens do planeta. Alguns registros ficaram gravados no meu cocuruto.

Deu-se então que agora, nas férias, contornei o amplo pátio, que funciona também como estacionamento, atrás da igreja. Uma caminhada rápida, a observação da localização estratégica do santuário, em ponto de elevação destacado que recebe o vento ligeiro e frio que sobe do vale ao largo. A paisagem, a barragem, a atividade mineira na outra margem do vale e um poeiral ali no longe tiraram por um instante a atenção do meu itinerário, mas tornei e voltei o olhar para a parte frontal da igreja. Foi então que, embevecido, dei conta dos doze profetas dominando o adro do santuário em harmonia e beleza. Caminhei no vão entre eles, e ao pé da escadaria do primeiro plano, me vi de palmo em cima com Daniel. Aquele, o mesmo que entendia existir somente nas páginas dos famosos Atlas Geográficos. Aquela mini peregrinação, a ansiosidade em conhecer o conjunto de esculturas mais famoso de Antônio Francisco Lisboa, conhecido na arte como “Aleijadinho”, e mais ainda, o evidente estreitamento do tempo, que uniu as páginas dos Atlas Geográficos àquela manhã ensolarada e fria de minhas férias de julho, ativaram minhas lembranças da doce infância, diluíram minhas razões da hora, desnudaram meus acanhamentos e eu me entreguei à mais sincera emoção. Ensaiei um choro de encontro amigo, pranto leve e pueril. Meu repente se deu entre o encantamento e a saudade; entre o impacto da descoberta e o arrebatamento do reencontro. Estava ali, eu, confronte o Daniel de pedra sabão. Maravilhoso. Olhos amigos a me fitar cá embaixo, a me receber sem surpresa, como se houvesse uma combina entre nós. E havia uma justificativa profética para aquele olhar cúmplice. Já nos conhecíamos, é certo, das páginas A3 dos Atlas. Só faltava mesmo eu dar uma chegada em Congonhas para uma prosa mais de pertinho.

Eu tenho que refazer o caminho das escrituras para contextualizar os doze profetas que se espalham em leveza e graça pelo adro do santuário de Congonhas. E também para deduzir a predileção da divulgação do acervo, pela imagem de Daniel. Além dos Atlas, já o vi em revistas de avião e banners de turismo. Destaco que não foi alvo só da minha tietagem. A maioria dos visitantes, ao ingressar no pátio, logo o procurava para as fotos. Reparei benzinho nisso, um bom pedaço de tempo. Daniel é referência (do Atlas?).

Depois desci e fui visitar as espetaculares imagens em madeira, abrigadas nas capelinhas que se estendem até a parte mais baixa do morro. Em cada uma, a representação de cenas da Via Sacra. Deslumbrante!

Das tantas caminhadas que fiz pelas veredas-grandes-sertões de Minas, revelo que o encontro com Daniel, por tantas e boas, mexeu comigo. Outro tremelique quase do mesmo sentido e intensidade, que senti e merece um lustre foi quando me vi diante dos grupos Soul da Praça Sete, em Belo Horizonte. Sabia do Movimento pelos registros que integram o livro escrito por Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadellhe. E sou vicissi em acompanhar os grupos de BH. Fiquei tão entusiasmado que, óbvio, me meti entre eles e me esforcei nas coreografias. Houvesse hoje, seria uma boa ilustração, os meus voluntariosos passos Soul, postados nas páginas duplas do meio de um Atlas Geográfico.

 

sábado, 8 de julho de 2023

crônica da semana - Gaya

 Imortalidade

A coluna hoje é entregue e muito bem entregue ao jornalista, compositor, poeta, músico refinado (digo sempre: na magia melódica, tem o Strauss e ele), gente boa pacas e meu compadre Edir Gaya. No último final de semana, quando voltávamos de Barcarena, propus que ele escrevesse aqui contando as trajetórias que o levaram a imortalidade como membro da Academia Barcarenense de Letras. Como jornalista esmerado que é, falou e disse. Convosco, meu compadrezito:

“Vida, teu nome é sarcasmo. Num dia, o cara não tem onde cair morto, n’outro ele é imortal. O sarcasmo é quando as duas condições se confundem na mesma pessoa, como no meu caso, desde a semana passada, quando confrades e confreiras da Academia Barcarenense de Letras – a Abarcle – me admitiram em seus quadros como membro correspondente, honra que compartilho com os leitores desta coluna, cujo titular – o Raimundo Sodré, meu compadre e agora meu confrade – há 17 anos é o cronista por excelência dos beiradões e confins desta terra nominada Amazônia, da qual Barcarena se destaca por sua pujança histórica como berço da Cabanagem, por sua contemporaneidade estratégica como polo industrial e ponto de conexão com a Europa e os Estados Unidos e sua profunda identificação com a arte, sobretudo a literatura, a música, as artes plásticas e o teatro, e com a cultura do Baixo Tocantins e região.

O Sodré é escritor e operário. E minha proximidade com Barcarena se deve a ele, que há 28 anos trabalha no polo industrial, desde a antiga Alunorte (Hydro, hoje), nos processamentos que chegam aos lingotes de alumínio.

Minha filha, Manuela, tinha um mês, no Natal de 1995, quando fizemos eu e Valéria nossa primeira e atribuladíssima viagem à Vila dos Cabanos, minha comadre Edna grávida de Argelzinho, nós com duas crianças, uma delas de colo, bagagem, peru, num ônibus e num barcão abarrotados. Foi o afeto que sempre nos levou a Barcarena.

No decorrer do tempo, acompanhei o processo de organização sindical dos companheiros Químicos, estabeleci uma colaboração profissional efetiva com os metalúrgicos, em especial, no período em que trabalhei na assessoria de imprensa do Sindicato dos Bancários, sempre com apoio da incansável Vera Paoloni.

Como jornalista, escrevo o que vi. E vi os operários do polo industrial de Barcarena, sobretudo os Químicos, na vanguarda da denúncia e da pauta ambiental positiva, em destaque, na área da Vila dos Cabanos, com as iniciativas de passeios ecológicos no saudoso “Furo”, parque ambiental de acesso ao Caripi tragado pela especulação, e também no enfrentamento à contaminação ambiental naquela área.

No sábado, 1º, quando tomei posse na Abarcle, compartilhei essa distinção com a jornalista Márcia Ferreira, editora do intrépido O Cabano e uma agitadora cultural com muitos serviços prestados a Barcarena, entre os quais o mais recente é a página sobre turismo que este jornal tem publicado e que apresenta as peculiaridades, personagens e histórias do município. Na figura desta profissional competente que conheço há quase 30 anos cumprimento a confreiras e confrades que comigo tomaram posse.

Minha gratidão ao professor Hélio Santos, presidente da Abarcle, cujo trabalho na secretaria-geral da Federação das Academias de Letras do Pará tem sido notável e na figura da qual cumprimento acadêmicas e acadêmicos da Abarcle que me acolheram com generosidade e carinho. O compromisso dessa distinção honorífica é ser um meio para a promoção da arte e da cultura, sobretudo em sua expressão literária, sem as quais nada somos e a nada podemos aspirar. E quanto a isso a Abarcle e Barcarena podem sempre contar comigo.”