sábado, 28 de fevereiro de 2015

crônica da semana - zeneldo

Zeneldo (aos nossos peões)
Daquilo tudo, eu já tinha uma idéia. Fazia parte da grade da Escola Técnica umas pincelas de como seria, na vera, a vida de Técnico em Mineração. O desterro, a lida diária com a peão’zada. A malária. Na real, eu estava bem encomendado aos reveses do ermo.
Meu trabalho, em grande parte do tempo, foi marcado pela atuação na pesquisa. Era trampo brabo. Na minha primeira experiência, aos 19 anos fui lançado em um acampamento com pelo menos 30 peões. Cheguei acompanhado do Geólogo, fui apresentado, atei minha rede, guardei minha boroca e me aprumei na situação. Os barracos eram de palha e não havia luz elétrica. Durante o jantar, me apresentei numa portinhola recortada na parede de pindoba amarela, e fui servido pelo Negão Assis. No outro dia o Geólogo se mandou e eu fiquei dando o meu jeito sozinho. Meu acampamento se chamava Bom Futuro.
Parte daquela equipe com a qual eu, meio sem jeito, começava a me relacionar, me acompanharia pelos 3 anos e meio que passei em Rondônia. Era o meu pessoal, peões do trecho, passados na casca do alho. Aprendi muito do trabalho e da vida com Assizão que naquele meu primeiro dia era cozinheiro, mas bateava, operava sonda, cortava picada, batia cepo. Fazia de um tudo. Rebarbado, bruto, mas foi um cara que sempre fiz questão de ter ao meu lado. Outros: Rogério me segredava as manhas para concentrar as areias. Tinha uma elegância no batear. Com ele aprendi todos os recursos da bateia, inclusive, fazer com a água, o fluxo de canhoto. Fantástico, o Rogério. Era de Humaitá, se admitia peão sem eira, vivia com um cigarro porronca, por vezes apagado, no canto da boca e se orgulhava de ter uma irmã ‘tilógrafa’; Zé Carlos era de poucas palavras. Operava sonda e ficava piriricas da vida se outro trabalho lhe fosse dado. Quando a sonda quebrava, eu o poupava (de ser cozinheiro, ou de abrir picada, como o Assizão, por exemplo ). Ficava na rede. Só levantava pra comer. Tinha outro porém. Mesmo que a sonda estivesse rodando, no carnaval, podia esquecer o Zé Carlos. Se enfurnava nos inferninos da BR 364 e só aparecia no barraco (também, só pra comer e dormir) na tarde de quarta-feira de cinzas. No entanto, o custo era ele tornar. Refeito, era um líder. Trabalhador incansável, centrado, metódico. Muita cassiterita achamos, muitas reservas medimos, a partir dos furos cuidadosamente executados por Zé Carlos. Até o último dia em Rondônia, não desapreguei dele.
Eu nutria um carinho especial pelo Zeneldo. Não tinha aptidões. Era linha de frente. Um monstro. Movia montanhas. Rude de alma límpida.Toda vez que me encontrava na vila, gastava parte do salário em cerveja comigo e Adão Jorge, técnico vindo de Ouro Preto. Mesmo que a gente protestasse, ele abria a carteira e mandava descer gelada e petiscos. Queria falar, conversar. Expor a alma.
Quando cheguei a Rondônia, sabia de algumas coisas, mas tinha comigo o ranço da cidade. Pensava ser superior. Me julgava acima da peão’zada. A eles não creditava outra coisa senão os músculos. Zeneldo, naquelas cervejadas que a gente tomava, me mostrou o quanto somos iguais. Estávamos ali no ermo pela comida, pela moradia, por um salarinho assim, ó. E padecíamos da mesma dor no coração.

Saí de Rondônia e ganhei o mundo. Por onde andei, levei a prosa sincera de Zeneldo comigo.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

crônica da semana - doc comprobatório

Doc comprobatório
Sou um tipo muito ligado a datas. Dou o maior valor aos dias marcantes. Faço um xis na folhinha do ano para destacá-los e deles, busco sempre razões, boas lembranças, aprendizados. Este 22 de fevereiro, então, que este ano cai no domingo próximo vindouro, ou seja, amanhã, para mim é pra lá de especial. Foi o carimbo do meu passaporte para a vida...
Saímos de Belém ainda escuro. Cinco horas e uns caroços. Um vôo tradicional da Vasp. E ganhamos o rumo do poente. Fizemos escalas em Altamira, Santarém e Manaus. Em todas as paradas demos um jeitinho de sair do avião e bater umas fotos de modos que registrássemos o lugar da escala, e sempre, a logomarca da Vasp (que alguns anos mais tarde, desapareceria de nossos céus). Foram imagens importantes. Marcaram a nossa trajetória. Eu tinha 19 anos. Era um bebê me arriscando a ganhar o trecho. Comigo, companheiros, dos quais não me apartei até hoje. Ciro Segtowich e Ronaldo Guimarães.
Precisava trabalhar. Por isso estava naquele avião. Quando entrei na Escola Técnica, eu só pensava em me formar, arrumar um emprego e ganhar 50 mil cruzeiros. Era este, aliás, o grande atrativo da Escola naquela época: a gente já saía empregado.
Colamos grau em Dezembro, passamos as festas de final de ano, o carnaval, mas na quarta-feira de cinzas, eu já estava no meu limite (não saíamos empregados?). Um estágio na UFPA havia furado e eu tinha uma promessa para o interior do Estado. Não podia esperar. Precisava trabalhar. Descendo a Escada do SIEE, encontrei o Ronaldo. A família dele toda estava em Porto Velho. Com pouco mais chegou o Ciro. Fizemos uma avaliação do cenário e tomamos a decisão. Vamos pra Rondônia. Lá havia ouro, muitas minerações, uma família a nos abrigar. Minha tia Fabiana e o padre Lourenço Bertolusso da Escola Salesiana me ajudaram com a passagem e uns cobres para garantir os primeiros dias.
Quando pararam os motores do avião, no aeroporto de Porto Velho e a escada desceu, a minha vida começou a se definir (e a dar uma guinada). A Berna, irmã do Ronaldo, foi nos buscar. Um sol espetacular brilhava sobre as águas do rio Madeira. Um calor abafado cheio de saudades consumia o meu ânimo, a minha crença. Fomos recebidos com muito carinho pela família Borges Guimarães. Cuidados nas precisões e acomodados em um quarto de janelas amplas, ventilado. Dormi a tarde toda.
Na horinha que acordei e percebi que meus pés pousaram em um solo que distava quase de 3.000 Km da Pedreira, pirei. Eu era amamãezado, igrejeiro, nunca havia saído de casa, estava com um dinheirinho para três dias no máximo, havia deixado meus melhores amigos em Belém. Muita pressão. A dor da saudade me abateu. Não resisti. Me danei a chorar. Fui consolado durante três anos e meio por aquela família maravilhosa.
Tirando meus chiliquitos, deu tudo certo. Uma semana depois da nossa chegada estava trabalhando.

Amanhã completo 32 anos de batalho ininterrupto como artífice das minas e dos processos (e não é que eu seja velhinho não. Lembrem que eu era um bebê, naquele vôo da Vasp). Tenho garantido minha sobrevivência, a educação dos meus meninos, o cumê nosso de cada dia, exercitando meu talento como Técnico de Mineração. Os trinta e dois anos contados amanhã resultam daquela decisão que tomamos na saída do SIEE. São anos produzidos por aquele embarque ainda com o dia escuro e, muito respeitosamente, pelo único documento comprobatório de alguma qualificação que tenho: Meu diploma expedido pela Escola Técnica Federal do Pará, lugar donde, numa quarta-feira de cinzas, desci as escadas e dei o primeiro passo no rumo do poente.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

crônica da semana - dinossauro

O menor dinossauro do mundo
Para nós, era um presente da hora. Indicado para a idade. Tinha função pedagógica. Cores que despertavam estímulos visuais, percepções de formas. Consistia na imitação de uma casa. As paredes eram em vermelho forte. Encarnado. O telhado, amarelão lustroso. Espalhafato de doer nos’oinhos. Dentro, peças de encaixar. Boleadas, em quina, chanfradas. Elementos de uma coleção de contatos certeiros. Uma casinha harmoniosa recheada de partes de um todo que se procurava. Cabia ao Argelzinho, juntá-las.
E foi assim provocando estes encontros que ele se encontrou com a infância obreira e fiel às impressões.
Aí, passou, passou. Ele teve, teve, brincou a valer, aceitando as regras da casinha. Até que a formalidade motora deu lugar à traquinagem, à liberdade criadora. O tempo voou. Ele entendeu, atendeu às conformidades do concreto, assimilou o aprendizado objetivo, reconheceu os sinais com esmero. E com a mesma atenção que os reconheceu, os colocou de lado e permitiu-se a abstração. Arrebatou a casinha de paredes vermelhas e telhado amarelo para o mundo das ilusões. Para a seara do ‘pra dizer’, para o universo do ‘faz de conta’.
Agregou às pecinhas de montar, elementos diferentes, descombinou tudo. Eu ficava só na bicora daquela insubordinação. Muito discretamente, prestava atenção àquela desenvoltura anárquica que Argelzinho engendrava usando a antiga casinha.
Sim, porque não era mais casinha. Agora era a caixa onde ele guardava todas as suas fantasias.
Chegava da escola, tomava banho, passava um talquinho, almoçava, ficava por ali um pedacinho, depois se recolhia ao quarto para um teretetê com um mundo só dele. Sentava no chão, abria a caixa (ao telhado amarelão era dada a função coadjuvante de ser apenas a tampa da caixa). De lá, retirava as antigas peças coloridas e os outros insólitos componentes. Petecas de várias cores, algumas, já bandadas; Letras do alfabeto moldadas em plástico endurecido; Um dinossauro anão, o menor dinossauro do mundo, menor até que uma lagartixa; Um feixe de lápis Faber Castel todo roído nas pontas; Tampinhas de refrigerantes diversos; Miniaturas de personagens dos desenhos animados mais famosos da época, acho que aqueles do Pokémon e alguns outros Cavaleiros do Zodíaco. Tinha mais coisas... um punhado de tento-vermelho, cartas de baralho, pedras de dominó, ilhoses, pregadores de roupa. Tampas de caneta. Vidrinhos de essências amazônicas, rolhas de vinho, bijuterias enegrecidas. Fivelas doiradas de bolsas. Tanto bregueço tinha guardado ali. E após descansar do almoço, na solidão do quarto, os tirava da caixa e dava vida a toda aquela tralha.
Às vezes eu ia devagarinho, e sem que ele percebesse, o surpreendia em uma aventura. E eram várias. Futebol entre os times do lápis de cor contra o time do A maiúsculo. Viagem interestelar com a turma do Ash e um punhado de tento-vermelho. Guerra valendo do exército do menor dinossauro do mundo contra as tampas de canetas. Todos falavam. Argelzinho narrava e dublava cada um. O que eu achava mais legal era a participação dos vidrinhos e do A maiúsculo. Eles eram sempre os artistas, os artilheiros. Imbatíveis.
Durante anos, o divertimento do meu menino foi a caixa das fantasias. No quarto, sozinho, inventando. Se reinventando. Eu espreitava, admirava aquele envolvimento, aquele mergulho no mundo das maravilhas.
Esta semana, Argelzinho vai fazer 19 anos. Tá um teba d’um preto. E eu aqui, ó, revivendo aquelas tardes anárquicas...felizes...as contendas do menor dinossauro do mundo... e o papaizinho só bicora, discretamente participando daquele encantamento.


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

crônica remix - o primogênito

O PRIMOGÊNITO

Estávamos a quinze dias, segundo as previsões do médico, para o nascimento do nosso primeiro filho. Terça de carnaval. Os passistas e as mulatas ainda desenhavam os seus passos elegantes pela avenida. O sol anunciava um belo dia de samba, suor e cerveja...na Bahia. E aquele líquido insistia em apresentar-se discretamente. Não vinha porém, acompanhado de tal dor. Não sabíamos naquele momento, que os primeiros minutos da Terça eram minutos vitais para o nosso bebê.
A mãe na sala de cirurgia, ou como se dizia antes, na pedra  Eu esperando, parado, pensando sobre o mundo, sobre a vida,. Sobre as questões éticas, morais. Sobre as primeiras impressões do bebê diante de um mundo inebriado pelo poder do capital, pelas estruturas seculares vis... pela tecnologia que lhe traz à luz. Lá em cima, cinco, seis médicos. Eu ainda acrescentaria um psicólogo e um sociólogo. O bebê precisa de assessoria nessas questões prementes da nossa realidade. O mundo aqui fora é muito sério e o bebê precisa saber da genética, da estética e das artes.
Estava divagando ainda, quando a enfermeira perguntou:  “Já trouxe as roupas do bebê”? acordei da minha viagem. As roupas, claro. O bebê precisa de roupas; mamadeira; carrinho; uma literatura para dormir, talvez uma coisa do Gabeira; ou aquele artigo “O homem total do nascimento à plenitude etária, numa visão socialista do sucesso pessoal”, de Andrei Sukov; as roupas.
Quando o bebê chega, tudo já está providenciado. Nesta fase o bebê só precisa de algumas peças de roupa para aquecê-lo e do leite materno para alimentá-lo. E só. Sou um coadjuvante nesta história mas faço a minha parte. Troco fraldas, lavo isso, levo aquilo, trago aquilo’outro. A minha vontade era estar para tratar outros assuntos com o bebê. Aquelas questões...a sociedade de consumo...o existencialismo sartreano, mas nem inicio a conversa e o bebê chora. Quer mamar.
O bebê faz xixi. O bebê chora. Enfermeira socorro! O bebê faz cocô( e viva a sociedade de consumo que criou a fralda descartável) . O bebê espirra. Enfermeira ,me acuda! Oh  meu Deus, porque eles não vêm com um manual de instrução?!
Mais tarde a cavalaria americana aparece salvando a tudo e a todos. São os parentes e amigos. Ajudam a mãe que não pode se mexer. Levantam, amparam...O efeito da anestesia (milionária por sinal. Pelo preço o efeito deveria passar só no ano de 2550) passa e a mãe sofre um tanto. Num momento de alívio a mãe relata a aventura e deixa escapar:
_ Foi uma barra, gente. O bebê tava  passando da hora de nascer, o médico foi bem prestativo e rápido. Mas como dói! Não quero passar uma situação dessa outra vez.
Todos deixam escapar: o pai depois de ficar sabendo por uma japonesinha espevitada, o preço cobrado pelo anestesista:

_Nem eu.
A  mãe da mãe que deixou tanta coisa por fazer, além do feijão no fogo, e que integra a comissão “levantar, amparar e levar a mãe ao banheiro”:
_Nem eu.
A melhor amiga que adiou compromissos importantíssimos, mas vale a pena porque sei lá, a gente se sente tão assim, e que é da mesma comissão:
- Nem eu.
A comadre que deixou a filha pequena em algum lugar conhecido da casa ( porque existem os desconhecidos) com não sei quem e que integra a comissão externa( compras de algodão, fraldas, chazinhos para o pai):
- Nem eu:
O compadre, que é pai de quatro, e discutia com o pai sobre a possibilidade de uma revolução do chadão, país do extremo asiático, e que não tem comissão definida:
- Nem eu:
A mãe do pai que não para de chorar de emoção desde que chegou, e que é da comissão de paparicos ao bebê.
- Nem eu:
No dia seguinte o inevitável: a alta.
- Vocês já podem ir.
- Como podem ir? Quem vai dar banho do bebê? E quando ele tossir ou espirrar? E quando não quiser dormir?
Sugeri ao médico que me emprestasse a enfermeira por uns oito anos, até que a gente aprendesse essas coisas. Em vão. Horas depois estávamos arrumados. Não satisfeito ainda, fui até a pediatria e dei um ultimato:
- Tudo bem, eu vou. Mas só saio daqui com o certificado de garantia.



sábado, 7 de fevereiro de 2015

crônica da semana-xixi

Sonho de carnaval parte II
Tempos atrás, ainda quando este caderno se chamava Cartaz, escrevi a crônica “Sonho de carnaval”, que agora, pelos dias de hoje, tirando a prova dos nove e a contraprova das eras, seria a dita parte I de uma sequência inata. Naquelas linhas que tracei, aninhado à saudosa tranquilidade interiorana da Vila dos Cabanos, que nos permitia dormir de janela aberta e com o botijão de gás acomodado seguro e íntegro no lado de fora da casa, adiantava que meus sonhos de carnaval seriam um desfile sob os holofotes da Aldeia Cabana e o bailado gingado com uma morena, malandramente paramentado com minha fantasia de passista: sapato branco purpurinado, camisa listrada e um chapéu Panamá de fitas vermelhas largas.
O que torna é que nem realizei minha vontade.
Hoje depois do caso passado, abandonei os delírios e meus desejos são mais modestos. A mim me basta um arrastão de sujo com uma fieira de banheiros públicos pelo caminho, porque olha, brincar carnaval de rua sem ter lugar para as devidas desobrigas não tem combate. É malinar na certa com a gente e com a cidade.
Aprecio o carnaval de rua. Desde o tempo do ‘Aguenta o Tombo’ eu me assanho em caminhadas quilométricas como folião dos mais animados. A mim me agrada a pândega, o gracejo despretensioso, o samba dançado com liberdade, o desapego a rixas ou competições dos desfiles oficiais. Na rua, o que vale é a diversão. Vale tudo que anime. Vale a soltura. Vale tirar sarro com o mascarado bofó. Vale voar. Só não vale a apatia. O negócio é que o povo bebe. Aí já viu. Algo deve ser providenciado.
Sei da história trágica do príncipe Tycho Brahe que morreu de complicações fisiológicas por prender o xixi. Ele foi parceiro de Kepler na formulação da harmonia cósmica. Ajudou o gênio alemão naquelas questões bobas, como dinheiro para se manter, por exemplo. E com a mesma gentileza, dividiu horas dos muitos anos que passaram juntos, observando o comportamento do planeta Marte.  O movimento do planeta vermelho, de tempos e tempos, aumentando e diminuindo de tamanho é que deu a dica para Kepler deduzir a trajetória elíptica dos planetas ao redor do Sol. A famosa Primeira Lei de Kepler.
Pois não é que o príncipe, detonado que era, feliz da vida por partilhar das conquistas de Kepler, fez uma senhora farra na ilha que governava. Convidou uma legião de nobres não menos fanfarrões, sentou-se à mesa em posição de destaque e se danou a comer e beber. Tão interessado e, literalmente, inebriado estava por aquele momento, que o príncipe Tycho se recusava a levantar para aliviar a bexiga. Morreu de dor de urina.
No carnaval de rua cabe uma fantasia de príncipe, um destempero fugaz, uma euforia de momento: vênias mundanas argumentadas por uma gelada aqui, outra ali. Deste prazer de rua, não tenho bronca nenhuma. Faz parte. Está no DNA do sapiens, a síntese da alegria, do conforto. O baticundum do tambor potencializa as nossas químicas naturais. E, príncipes das avenidas, nos permitimos travessuras. Entusiasmos. Fidelidade a cada instante de contentamento e gozo. Mas se pintar aquela dorzinha, convém se bater pelo provimento da demanda. A fisiologia da alegria pode dar em tristeza.
Aprecio o carnaval de rua. Já tive sonhos ousados para as noites de folia. Imaginei luzes coloridas, confetes, serpentinas aos montes. Uma morena deste tamanho de par comigo num bailado elegante ante a platéia da Aldeia Cabana. Hoje, menos, menos. A simplicidade das ruas já me satisfaz. Mas pera! Algo deve ser providenciado. Os príncipes, os pés das mangueiras seculares e as fachadas coloniais da Cidade Velha agradecem.