Prefácio
Em O rio do meu
lugar correm histórias de Belém sob o ponto de vista do poeta e escritor
Raimundo Sodré. Tudo é pessoal, infância, juventude, maturidade. O lance é que
o cotidiano dele, tomando um rumo subjetivo, é plural, se mistura ao nosso, nos
vemos a nós e a nossa gente nas cenas, vocabulário, personagens humorados.
Personagens? Nada disso. Gente de verdade em descobertas, encontros e
saias-justas reveladoras, deliciosamente, reveladoras do povo daqui.
Se você anda meio
chateado com Belém, entristecido, eis um ótimo motivo para fazer as pazes com a
capital. Às crônicas, leitor! A emoção em algumas linhas é tanta que as
histórias vão ficar em você, vão até parecer suas, como a cidade, entrarão para
sua memória afetiva.
Poucos escrevem como
quem conversa, Sodré é um caso raro. Com a segurança natural dos que sabem e a
graça dos que têm o sal da vida, reconstrói as trajetórias sinuosas de nossos
rios, conta sonhos em velhos quintais e passeia de mãos dadas com a poesia, nos
levando junto, de um lado a outro de Belém. Como nossas marés, ora nos enche de
fantasia ora disseca os dissabores do dia a dia. Se prepare, a correnteza é
forte!
Os textos têm
alegria e surpresas. Numa das crônicas, como grande conhecedor que é da
arquitetura das nossas águas, ele explica quem é quem na composição das baías,
dá nome, sobrenome e o endereço completo de cada rio e aí quando tudo já parece
uma aula de geografia e recursos hídricos, de repente, ele solta um:
‘’trouxeste short?’’, mais familiar e inusitado, impossível!
Difícil é deixar
pra lá depois que se começa a ler. É como se houvesse um imã entre a
experiência relatada pelo autor e a nossa narrativa pessoal. Mesmo que você não
tenha sido moleque da Pedreira, como Sodré, não tenha pescado ‘bacu’, nem usado
um sapato vulcabrás, você se verá na cena, de alguma forma. Você reconhecerá a
trama, a identificação é imediata, é de corações e mentes.
Sodré tem uma
memória poderosa. Suas lembranças são honestas, fiéis aos acontecimentos idos,
eventos e situações reais de um dia a dia que, às vezes, já vai longe de hoje
em dia. Habilidoso que é com as palavras, não importa se narra o presente ou o
passado, seu texto é legítimo, atemporal, nos transporta para o fato, melhor,
nos põe dentro do tal episódio, imagético que é. Faz cinema em cores no papel
em preto e branco. ‘’Uma Pedra no caminho’’, por exemplo, é um precioso roteiro
para cinéfilo. Do início ao fim.
O drama da
descoberta do diamante no quintal de casa, emociona, mas também, paralisa pelo
medo do amanhã, no entanto, é o próprio poeta que nos entusiasma, de novo, ao
concluir : ‘’tudo se movimenta, tudo muda.... e vale o conhecimento da
psicologia quando diz que dentro da gente, respira, subversivamente, uma
criança’’.
Nosso cronista
anda a pé, de ônibus, de balsa e embarcações, lutou pela meia-passagem, é
romântico, engajado, um homem que ainda quer salvar o meio ambiente, o amor, o
mundo. Com essa sólida formação humanista e libertária, esbanja beleza e
simpatia e tudo isso está junto em ondas e ondas desse rio do meu lugar. Aqui,
estão alguns textos de sua autoria. Eles nos fazem atravessar qualquer crise
existencial, sem perder a fé na vida, nas pessoas. Sodré é desses que parece
manter o sinal verde de sua mente sempre ligado, sempre aberto.
O bom humor é sua
estratégia contra tudo que o entristece. Até nas horas mais sisudas, a gente se
surpreende e ri. O cobrador poeta é imperdível. A visita de Arthur ao Tapanã ou
Um tapinha não dói, ou ainda, Eu tô do lado é da Cicciolina é uma lição de
civilidade nos dias atuais.
Quase geólogo, o
cronista, o poeta, o escritor, o amante de Belém falam alto numa única pessoa.
Não fique abirobado, como diz nosso artista. Conheça esse grande conhecedor da
alma do povo do norte e tome um banho de Belém, de jambo e poesia.
Valéria Nascimento
Jornalista paraense