segunda-feira, 29 de abril de 2013

prefácio - valéria


Prefácio

Em O rio do meu lugar correm histórias de Belém sob o ponto de vista do poeta e escritor Raimundo Sodré. Tudo é pessoal, infância, juventude, maturidade. O lance é que o cotidiano dele, tomando um rumo subjetivo, é plural, se mistura ao nosso, nos vemos a nós e a nossa gente nas cenas, vocabulário, personagens humorados. Personagens? Nada disso. Gente de verdade em descobertas, encontros e saias-justas reveladoras, deliciosamente, reveladoras do povo daqui.
Se você anda meio chateado com Belém, entristecido, eis um ótimo motivo para fazer as pazes com a capital. Às crônicas, leitor! A emoção em algumas linhas é tanta que as histórias vão ficar em você, vão até parecer suas, como a cidade, entrarão para sua memória afetiva.
Poucos escrevem como quem conversa, Sodré é um caso raro. Com a segurança natural dos que sabem e a graça dos que têm o sal da vida, reconstrói as trajetórias sinuosas de nossos rios, conta sonhos em velhos quintais e passeia de mãos dadas com a poesia, nos levando junto, de um lado a outro de Belém. Como nossas marés, ora nos enche de fantasia ora disseca os dissabores do dia a dia. Se prepare, a correnteza é forte!
Os textos têm alegria e surpresas. Numa das crônicas, como grande conhecedor que é da arquitetura das nossas águas, ele explica quem é quem na composição das baías, dá nome, sobrenome e o endereço completo de cada rio e aí quando tudo já parece uma aula de geografia e recursos hídricos, de repente, ele solta um: ‘’trouxeste short?’’, mais familiar e inusitado, impossível!
Difícil é deixar pra lá depois que se começa a ler. É como se houvesse um imã entre a experiência relatada pelo autor e a nossa narrativa pessoal. Mesmo que você não tenha sido moleque da Pedreira, como Sodré, não tenha pescado ‘bacu’, nem usado um sapato vulcabrás, você se verá na cena, de alguma forma. Você reconhecerá a trama, a identificação é imediata, é de corações e mentes.
Sodré tem uma memória poderosa. Suas lembranças são honestas, fiéis aos acontecimentos idos, eventos e situações reais de um dia a dia que, às vezes, já vai longe de hoje em dia. Habilidoso que é com as palavras, não importa se narra o presente ou o passado, seu texto é legítimo, atemporal, nos transporta para o fato, melhor, nos põe dentro do tal episódio, imagético que é. Faz cinema em cores no papel em preto e branco. ‘’Uma Pedra no caminho’’, por exemplo, é um precioso roteiro para cinéfilo. Do início ao fim.
O drama da descoberta do diamante no quintal de casa, emociona, mas também, paralisa pelo medo do amanhã, no entanto, é o próprio poeta que nos entusiasma, de novo, ao concluir : ‘’tudo se movimenta, tudo muda.... e vale o conhecimento da psicologia quando diz que dentro da gente, respira, subversivamente, uma criança’’.
Nosso cronista anda a pé, de ônibus, de balsa e embarcações, lutou pela meia-passagem, é romântico, engajado, um homem que ainda quer salvar o meio ambiente, o amor, o mundo. Com essa sólida formação humanista e libertária, esbanja beleza e simpatia e tudo isso está junto em ondas e ondas desse rio do meu lugar. Aqui, estão alguns textos de sua autoria. Eles nos fazem atravessar qualquer crise existencial, sem perder a fé na vida, nas pessoas. Sodré é desses que parece manter o sinal verde de sua mente sempre ligado, sempre aberto.
O bom humor é sua estratégia contra tudo que o entristece. Até nas horas mais sisudas, a gente se surpreende e ri. O cobrador poeta é imperdível. A visita de Arthur ao Tapanã ou Um tapinha não dói, ou ainda, Eu tô do lado é da Cicciolina é uma lição de civilidade nos dias atuais.
Quase geólogo, o cronista, o poeta, o escritor, o amante de Belém falam alto numa única pessoa. Não fique abirobado, como diz nosso artista. Conheça esse grande conhecedor da alma do povo do norte e tome um banho de Belém, de jambo e poesia.

Valéria Nascimento
Jornalista paraense

sábado, 27 de abril de 2013

o rio do meu lugar- edson


Andando Belém
Os pés que passeiam uma crônica precisam conhecer as ruas da cidade, os becos, as sutis ou aberrantes gradações emotivas e topográficas que distinguem os bairros.

Os olhos que avistam uma crônica são experientes em cotidiano – ver a poesia não por trás do cotidiano, e sim dentro dele. A poesia que é para todos, poesia de toda hora, mas que tem o capricho de exigir entrega àqueles a quem se entrega.

Os ouvidos da crônica distinguem sotaques, expressões, captam graças nos burburinhos, peculiaridades, resgatam ou inventam palavras na levada das ruas, das feiras, bares.

A memória que visita – ou revisita - uma crônica deve ser mágica e lúcida como uma mãe. A memória, como uma criança, acordou antes de todos para o passeio. A memória chegou antes e não vai tão cedo – ela vai apurar o fato, peneirar, dar o brilho. Vai ficar só com a emoção, com a substância desapercebida pelo tempo em linha reta. Na crônica, a memória transfigura em memória até o que não acabou de acontecer.

E a linguagem – tragam-lhe um avental, tragam água, tragam fogo. Hora de cozinhar. É a linguagem que vai transformar em sabor os cheiros da cidade. Ela é que vai selecionar e misturar as ruas, os sotaques, as expressões pecualiares. É a palavra que vai responder pelo mais sagrado preceito da crônica: ser deliciosa. Poesia do cotidiano, desembrulhada e compartida num balcão do cotidiano. Cristais de sensação.

Temos, enfim, reunido, o cronista Raimundo Sodré – e ele nos faz um honroso convite: visitá-lo, visitar a casa que ele é, acessar sua portinha numa rua secreta de Belém, por onde passa, meio escondida, meio desconfiada, toda a cidade.

Atenda, leitor. E é preciso se mover. Essa poesia não virá simplesmente até você. Há que se ir da Pedreira ao Ver-o-Peso, há que parar nas barracas, há que pedir uma localização aos mais velhos, saber aonde a memória nos veio deparar. Vamos tomar um barquinho, dar um mergulho em sensações barrentas. Vamos desdobrar cartografias, pontilhar as linhas ligando os rios-mares, vamos costurar a água aos céus e trazer uns planetas pro sonho de ver a Terra. O universo cabe direitinho no quintal da casa Raimundo Sodré.

E cabe sem parcimônia: hora da comida. Quem prepara o rango merece tudo, por causa do amor. O amor excede, expande, amplia o que apenas enxergávamos. Temos sempre fome, Sodré, temos sempre sede de nossa cidade. E Belém está servida.

Edson Coelho

sexta-feira, 26 de abril de 2013

crônica da semana -amar e IV


Amar e outros medos (parte IV)
Põe o disco do Fagner de 1984 pra tocar no três-em-um sem se importar com o atraso na rotação.Ajusta o botão do volume no limite. “Oh, my Love, my eyes can see”. E cai num canto do quarto chorando descontroladamente.
Pela décima milionésima vez na vida tinha se apaixonado. E novamente sofria. De novo afirmava aquele ser o amor que lhe dava luz, lhe permitia ver o sol, as árvores, o céu, como diz a música do Fagner. Dizia isso sem titubeios, acreditava no que dizia. Quando amava, se entregava totalmente. Não tinha medo de amar. De sofrer, por amor, tinha. A cena do quarto, ouvindo Fagner anos 80 era o seu maior temor, e mais uma vez aconteceu.
Este medo espreita, espia. Posta-se atrás da gente quando a gente faz aquela declaração legal e convida para um papo num lugar mais reservado, a sós. No início a gente nem liga, mas sei lá, é bom ter o disco “Eternas Ondas” do Fagner em casa, a postos para catalisar a dor. Afinal de contas, não é por medo que a gente vai deixar de viver grandes amores.
Medos superados, desprezados ou simplesmente desconsiderados, nos deparamos com eles nas mais diversas situações...
Quando eu me batia pelas selvas amazônicas nas lidas da Pesquisa Mineral, eu me deparava com cada provação. Trilhas e cenários de arrepiar. Uma recorrente é a entrada em mata fechada. Ocorria então d’a gente ter uma campanha em uma área tal. Íamos de carro até um certo trecho. Durante a viagem, olhando pela janela, admirando a densidade da mata ao meu lado, eu me perguntava amedrontado “quem é o doido que se abala a entrar aí, meu pai?”.
Aquelas perguntas filosóficas, eu as fazia quando estava no carro, mas quando a gente descia, descarregava as tralhas, e tirava o rumo, a resposta aparecia: “eu, euzinho aqui”.
O medo tinha que ficar na janela do carro. Dali pra frente, eu tinha que desconhecê-lo. Não deveria arranjar apelido pr’ele, nem códigos, nem símbolos. Não poderia fazer qualquer referência ao medo, senão, a gente não entrava no mato. Fiz isso tantas e ‘lilases’ vezes na vida, meu Deus!
Medo de ferrada de tucandeira era um medo exagerado que eu tinha, também, quando me dava largado aos ermos. Alarmavam-se sofrimentos indizíveis a quem era abocanhado por aquela formigona. A mais afinadíssima verdade. Uma noite, quando entrava no restaurante da mina para fazer um tradicionalíssimo som, com a minha turminha, assim que larguei a bota de lado e calcei o chinelo, dei com o pé em cima da bichona, e ela, na mesma ‘pisada’, respondeu com o seu implacável veneno. Subi ao céu, vi estrelas em fogo, experimentei o vácuo absoluto, mas quando regressei, caí ao chão me vendo de dor. O povo acudiu, inquiriu. Eu sabia que era no pé, estimava ter sido a picada no dedão, mas quite, não dava pra localizar nada. A dor era isotrópica. Espalhava-se com a mesma intensidade por toda a área do meu pé e ascendia ao meu espírito. Olha que me vi agoniado, chorava, chamava pela mamãe, me pegava com meu São Francisco. O alento chegou dadivoso, piedoso, numa dosagem apurada de um bendito  benzodiazepínico que me fez, oportunamente, apagar. Que invenção maravilhosa da humanidade, as substâncias sedativas! No outro dia a dor passou, mas o medo continuou.
A dor do amor, porém, não passa de um dia pro outro. Demora. Dizque se quedar-se para os rumos da paixão, esta dor só passa depois de 3 anos. E não tem benzodiazepínico que abrande esta desdita. Daí, haja o disco do Fagner rodar na vitrola relembrando “Oh, my Love, my eyes can see”, e o camarada quebrantado, mofino, destruído, ali na quina do quarto, se desfazendo em lágrimas.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Crônica remix- black


Black is beautiful
Na terça-feira, vamos comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra. A data relembra a morte de Zumbi na serra Dois Irmãos, em 1695.
Mas ao contrário de tristeza ou ressentimentos, a lembrança de Zumbi dos Palmares, recria uma energia transformadora, uma alegria libertária. Anima a consciência. A consciência negra.
Eu sou negão. Somos todos.
A ciência vem nos alertando (e nos provando) que a raça é subordinada ao DNA. E lá vamos nós para as savanas africanas colorir a pele.
O homem nasceu negro na África e, de lá, migrou para outras paragens. Depois a evolução proveu o revestimento, a Seleção Natural cuidou da maior ou menor dosagem de melanina. Transita fagueiro, pelo sangue do mais autêntico escandinavo, o primitivo gene trigueiro. Não tem errada, o cabelo pixaim deu o beabá do nosso subscrito genético.
Não há como negar. A ciência garante: a tez mais alva, os olhos transparentes, os cabelos longos e doirados são múltiplas expressões da negritude. Janis Joplin é prova disso.
Digo hoje, que a lembrança de Zumbi anima a consciência, porque o negro se impôs e a cada dia procura garantir espaço na sociedade brasileira. Porque o caminho aberto até Palmares, não foi rastreado somente pelo embrutecido Domingos Jorge Velho. Foi seguido ao longo dos anos, por personagens eficientes, objetivos, criteriosos. Irmãos que assumiram a responsabilidade de arrebentar as grades e sumir com os grilhões. Que chamaram para si a responsabilidade de rever a história.
Para cantar a liberdade em tom maior, houve, portanto, a necessidade de deslocar a data de 13 de maio (“liberdade pro negro não é caneta ou papel, nem é princesa Isabel...”) para uma data que mais se identificasse com as lutas do negro brasileiro. Foi então que o 20 de novembro entrou na agenda nacional.
Lembro de uma das primeiras manifestações ocorridas aqui em Belém para comemorar a data. O Movimento Negro estava se organizando, o Cedenpa em formação, arregimentando quadros preciosos para a luta. Foi uma super festa com música do Lazo e muito axé sob o comando do Bido que reinava impávido lá em cima do trio elétrico. E uma multidão ressurgindo, renascendo, como pessoas dignas, corajosas, valorosas. Lindas. Refletindo, repensando, alastrando o negro amor. Black is beautiful!
Que lembrança boa! Aquilo foi uma revolução.
Foi uma época de muita mobilização em favor dos valores, das essências, dos ritmos. Do reflorescimento da auto-estima do negro (do jeito que era no reino de Zumbi dos Palmares). Ribba, o virtuoso poeta do Hera da Terra arrasou no Festival de Música da UFPA com a bela canção ‘Senzala’ e, ali na metade da década de 80, deu a sua contribuição com uma temática ardente, atraente que reconstruía a poesia na perspectiva do negro.
E eu não disse que a lembrança do rei Zumbi anima a consciência. Também, na época, diante da história recontada, despertei para um mundo novo e fiz um poema...livre.
Este ano, estou atento aos movimentos. Debates, conferências, palestras vão marcar o dia 20 (será que vai rolar também, uma grande festa nos moldes daquelas dos anos 80. Será que vai ter trio elétrico?).
No teatro Waldemar Henrique, três cantoras negras vão reverenciar Zumbi dos Palmares num show que se anuncia como dos mais empolgantes (como nos velhos tempos, na sede do Cedenpa).
Ah, e se alguém que for ao Waldemar Henrique, sair do show duvidando que as cantoras sejam negras, eu garanto: vieram todas das savanas africanas. Atravessaram o Estreito de Bering e deram por aqui há coisa de 12 mil anos. São todas negras.
Negras como a Janis Joplin.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

crônica da semana - seu fulano


Fulano de Tal dos Anzóis Pereira
Dizer que ele morava na árvore, não tem sustentação. A relação com aquela mangueira não encontrava abrigo no animus que o domicílio reivindica. Não havia ali, nem o espírito, nem os teréns estimados de um lar. Diria que ele orbitava aquela árvore. Zanzava ao seu redor com um certo alheamento, penduricalhos úteis à sobrevivência e um apego dissimulado.
Era um habitante eventual da Marquês, o seu Fulano de Tal dos Anzóis Pereira. A mangueira ficava na frente da taberna do seu Paulo, que era taberneiro, mas tinha cara de coronel da linha dura. Aviava quartos de grãos, conservas e ovos ao meio-dia, medidas mínimas de óleo e vivia sem muitos atropelos, e sem embaraços, com duas mulheres das quais recebia disciplinadamente, amor e as vênias conjugais.
Vincos de espera e paciência marcavam aquele rosto. Volteava a vida à sombra da mangueira, seu Fulano. Acomodava-se em um dos bancos ali dispostos, pensava alto, e bebia água de uma torneira externa da taberna do seu Paulo. Havia também cicatrizes no coração, ele me dizia. Eu não entendia muito bem o que queria dizer com ‘cicatrizes no coração’, sei que tinha a lembrança impressa, de um golpe no meu joelho direito, um teba d’um talho que ganhei ainda em terras acreanas. Pra mim aquele desenho, sim, era uma cicatriz. Longe de ser um adorno, era uma recordação de dor. Como seria uma cicatriz no coração?
Minha mãe ralhava: “agora tu ficas de conversa com este seu Fulano de Tal dos Anzóis Pereira, que ninguém sabe de que buraco saiu. Tem muita graça! Passa, vai te assear, te entalca e te senta na porta da rua, ai de ti que atravesses”.
Do outro lado da rua, ele abarcava a árvore rainha da Marquês, mastigando um pedacinho de qualquer coisa ganhada, ou um naco de generosidade que lhe alentavam a fome.
Mas não tinha vencimento, era só a mamãe sentar na Vigorelli, e iniciar o cerzido fino das flores de plástico, que eu fugia pra lá pra sombra do seu Paulo, o taberneiro que tinha duas mulheres e a cara de mau.
Logo que puxava conversa com seu Fulano. Ele me contava das pescarias que fizera margeando o flanco norte do Amazonas; narrava com extremada fidelidade, como havia enfrentado uma onça nas matas de altitude e de ramagens ralas da Tumucumaque; descrevia tudo direitinho, com detalhes, a forma e o jeito que abateu uma sucuri, no furo do  Urucuricaia e depois ‘descoirou’ e vendeu baratinho a pele para um escandinavo bêbado que por ali passava pirangando peças exóticas. Me colocava num pé e noutro quando revelava que tinha, escondidos, em algum remanso do Guamá, uns cinquenta muiraquitãs, tingidos no mais puro verde do jade. Apontava pequenas nódoas no peito magro e que dizia serem elas, marcas deixadas pelo veneno das flechadas que levou enquanto regateava no alto Iriri. Falava sempre de uma guerra distante, em terras áridas e pedregosas, reclamava-se arrependido por ter matado gentes e sonhos. Tinha remorsos. Mas, rapidamente, se recompunha e se gabava de ser um exímio atirador. “derrubei uns quantos”, arrematava. Aí eu ficava com medo, corria pra taberna do seu Paulo e o deixava  falando só.
Certa vez perguntei sobre a ferida no coração. Seu Fulano de Tal dos Anzóis Pereira, volteou a mangueira, ruminou frustrações, soluçou abandonos, maldisse migalhas de saudades que ainda tinha de um certo alguém, desenhou, não sem um pouco de pesar, um rumo no chão úmido entre as raízes da árvore altaneira, e seguiu em busca de contentamentos outros silenciosos para a vida. Não mais voltou a orbitar a mangueira.
Hoje eu sei o que ele quis dizer com ‘cicatrizes no coração’.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

crônica remix - pois não é


Pois Não É!
- Aos poucos ele foi dando sinal de vida. Ligou para casa um dia, passei o telefone para os meninos. Outras ligações e admiti trocar umas palavras com ele. Marcou um encontro, queria me ver.
- E tu foste?
- Fui. Vivi com este homem por felizes 14 anos. Até o dia da briga, pensava que sabia tudo sobre ele. Agora tomo cuidado. O encontro foi longe daqui, lá na Condor, no Palácio dos Bares. Quando o vi, tremi dos pés a cabeça. Os pensamentos sacolejaram dentro de mim. Tive vontade de correr dali, ao mesmo tempo, desejei beijá-lo, dizer que se ele pedisse  perdão daquela briga, eu o perdoaria. Por outra, reinei em dar as costas e ir embora.
Nos cumprimentamos desconcertados e pedimos o prato: uma chapa de Filhote com vinho, chique, né?            
- Eu não ficava um minuto - indignou-se a amiga diante dos relatos da mulher.
- Eu  te entendo, eu te entendo, mas não é bem assim- tenta justificar-se - olha, ele foi o meu primeiro homem. Era moça, quando casei com ele, e tão bonitinha, tão jeitosinha, eu era. Chamava a atenção entre as garotas do terceiro ano no Paes de Carvalho, cheia de charme com a minha blusa passadinha, minha saia plissada e meu sapato boneca. Ele era mais velho, já trabalhava na corretora e tinha umas economias. Logo que casamos, conseguiu um escritório pra ele sozinho e levou os clientes do outro escritório com ele. Tinha um quê pra negócios. Sempre me deu as coisas. Me deu casa, carro, boas roupas, conta conjunta e liberdade para fazer o que eu quisesse. Nunca tive que fazer relatórios sobre de onde eu ia, ou deixava de ir. Confiava em mim e eu era apaixonadíssima. Amor. Me deu tanto amor.Tanto que quando engravidei, eu era um palito assim, ó.
Eu sempre procurei manter o nosso relacionamento sob controle, dentro dos limites do tolerável  até o dia em que encontrei os bilhetinhos. Naquele momento havia uma ameaça, e eu não queria dividi-lo com ninguém. Esta minha teima, deu no que deu. Deu naquela briga lamentável, dentro do quarto fechado e a saída dele de casa. Mas agora, agora, não sei se tá passando, se já passou. Não sei, meu Deus! O que eu sei, é que tenho dado chances a ele.
Depois do almoço no Palácio dos Bares, nos encontramos de novo para conversar. Agora ele já passa o final de semana  com a gente. Vamos ao shopping, à praça da República, já fomos até a um Re-Pa, no Mangueirão. E eu, só esperando uma folga na segunda ou terça, pra gente dar uma fugidinha, pra gente ficar a sós.
- Mas, mas assim, menina, falando desse jeito, tu vais acabar voltando pra ele.
- Pois não é!

sábado, 13 de abril de 2013

crônica da semana - amanheceres


Bandeira branca, amor (ou amanheceres zens)


Eu bati o pé fora de casa e dei com aquela belezura. Coisinha pouca antes das seis, o céu estava uma pintura. Nuvens no mais delicado estilo pompom distribuíam-se harmoniosamente pelo céu, tingidas por um encarnado brilhante, dominador. Nos entremeios, feito estribilhos dissonantes, éteres prateados ou mesmo azuis clarinhos. O sol mesmo, não se via, estava emergindo ainda da noite, atrás das matas do Agronômico. O amanhecer era uma composição de inspirações estonteante. E numa pungente segunda-feira de trampo, olha só. Não há quem não se anime. Me veio naqueles instantes instáveis meio sono, meio vigília, meio medo, meio audácia; me veio um trisca na lembrança, de uma definição que o, então, professor Cláudio Barradas, lá na Escola Técnica, tinha para a arte “no sentido amplo”: tudo aquilo criado por Deus. E na mesma pisada, me bateu um outro conceito de arte, também ditado pelo, hoje padre, Barradas, “a arte no sentido restrito”: tudo aquilo que nos desperta a percepção. 
A mim me pareceu tudo junto: Deus percebido na natureza. 
Caminhava para a parada do ônibus no revés daquela maravilha de cenário, mas, foi-não-foi, volvia de través o olhar para apreciar aquela riqueza plástica impagável. E fui me adiantando também, em tentar explicar aquele fenômeno de luz e cores. Sei que nessa hora do dia, os raios de sol nos chegam quase que tangenciando a superfície da Terra. Uns restritos feixes de energia luminosa nos atingem diretamente. A maioria passa, digamos, raspando, passa rés o cocuruto das nuvens. Penso que não acontece, pelo menos com grande intensidade, de o raiar do sol varar os pompons de nuvens, de fora a fora. Soma-se a este contexto, o fato de as nuvens estarem a baixas temperaturas, adensadas. Ai, ai, tentando entender...Coisas longe da gente, da nossa capacidade analítica (mas também, patetice minha. Pra quê ficar querendo argumentos científicos, às maneiras criadores de Deus se Deste não tenho licenças ou misericórdias para tamanho atrevimento e daqueles não me sinto regalado pelos saberes mundanos). 
Mas parece que é por aí, porque tão logo eu desci do ônibus, na Primeiro de dezembro (para a mamãe, “Primeira” de dezembro), o sol foi se enxerindo no horizonte e todo aquele encantamento cromático foi se acomodando na monotonia de um cinza fosco submisso. 
Conformado, em apenas perceber as belezas do mundo, agarrei e fui trabalhar. Feliz. Com o espírito abonado, tranquilizado, zen, por ser testemunha de um espetáculo fascinante. De paz. Ah, os amanheceres! 
Este caminhar pela ‘Primeira’ de Dezembro, também é uma experiência cotidiana que me estimula nos amanheceres. Ele me leva até a Bandeira Branca. 
Tenho aquele trecho da cidade, que se dispõe nos limites do Marco da Primeira Légua, em saudáveis recordações. É dali que trago divertimentos e prazeres junto à minha turma do Jarbas Passarinho. A maioria dos meus amigos de escola morava pra’li. Tenho um sonho recorrente com aquela região como se ela fosse um sítio montanhoso, com vales profundos. E isso muito me intriga. Nestas minhas batidinhas matinais, quando passo por ali, e vejo um pequeno regato desenvolver-se por entre as casas, imagino até meu sonho ser verdade. Preciso me embrenhar por aquelas margens, em explorações mais criteriosas para certificar-me do relevo desenhado pelo meu inconsciente. 
O acordar instável numa segunda-feira é uma provação, mas passear em lembranças pela ‘Primeira’ de Dezembro com direito à retórica de um céu coloridinho, asseguro, é experimentar as artes de Deus abrandando o começar aflito do dia. 


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Crônica remix - lilás


Lilás
A noite estava fria, a chuva havia estimulado o recolhimento e as preces. Aos pés da Virgem Santíssima eu rezava ajoelhada com um fervor desmedido (salve Rainha Mãe de Deus/És Senhora nossa mãe/Ó mãe clemente/ó mãe piedosa/Doce Virgem Maria). Pedia, desesperadamente, para que a santa o trouxesse de volta. Sentia saudades e meu peito amargava a solidão e a certeza mórbida de ainda amá-lo. Benzi-me, ergui-me e apeguei-me às lembranças.
O peso da idade já não me machucava tanto. Acendi uma vela para que a sala e o quarto, com a licença da porta entreaberta, ficassem igualmente iluminados. A outra, posicionei à entrada da casa como se a chama houvesse por  esperar alguém. Nessa época de chuva, a noite chegava mais cedo que o comum, avalizada pelos algodoados de nuvens plúmbeas e ameaçadoras: era o tempo apressando-se em escuridão.
Sob a dança vacilante do lume que escapava da vela, percorri um espaço que conhecia bem, um traçado decorado ao longo de tantos anos. E me dispus à frente de uma mobília velha. Tateei as mãos e fui agrupando os objetos de toucador que pude encontrar. Uma cápsula de baton oxidada, a caixinha de rouge que ganhei da minha filha no Natal passado, e uns frascos de extratos artesanais que eu mesma produzi.
Olhei-me no espelho e a penumbra fantasiou um rosto ante o meu. Um rosto ainda admirável de uma mulher madura que não precisa de nenhum cosmético para sorrir. Com um gesto decidido lancei aquela tímida coleção de cosméticos para longe e sorri para a minha louca paixão. Não mais o veria. Em fotografias, nos filmes descoloridos de minhas lágrimas, tampouco nos reflexos impiedosos do tempo. Não mais o quereria. Despejaria a minha angústia, agora, sobre a terra confidente.
Inadvertidamente, corri. Não posso justificar a urgência daquele ato, já que tudo era estático e inabalável naquele ermo. Mas algo me guiava para fora da casa com um quê de razão e pressa. Era uma réstia volátil de luz que suspirava em um horizonte lilás. (Teu nome/com gizes coloridos/escreverei/lilases vezes/na lousa desbotada/de minha memória...este é o meu castigo). A luz se fechou num poema e a vida ainda tentou me acudir no farfalhar aromático que o vento imprimia à roseira lá ao pé do alpendre. Aproximei-me e pus-me a remexer o solo junto à plantinha solidária. Não encontrei nada. Só folhas secas, vermes escarlates, argilas sombrias, gris ilusões, dor e umidade. A chuva passara, mas meu pranto...Não. Não posso esquecê-lo (teu nome...lilases vezes...na minha memória).
Deixei o fio de luz, os vermes encarnados, a rosa graciosa e o alpendre úmido para trás e reduzi-me ao sofrimento. Volvi ao espelho. Agora sem sorriso ou coragem. Só os cabelos prateados e reclamos débeis respondiam aos meus olhos. Injusto e infame este delator. Espelho, espelho meu. Dane-se. Apaguei a vela e fechei a porta do quarto.
Agasalhei os pés com meias grossas de bordados joviais; vesti-me com casacos bem cortados, ornados com ilhoses alegres e passadores anilhados; soltei os cabelos, sem charme, sem coquete, sem civilidade sobre o colo ressentido ; aproximei a cadeira da janela e busquei a luz de modos que, o que restou de clarão na sala, me proporcionasse uma leitura reparadora. Dane-se o espelho. Dane-se essa gente rude e fria sem nome...Danem-se a aurora e os arrebóis. Danem-se os trigais, os girassóis e tudo o que seja leve e colorido.
A ti, te consumi em todos os nomes impuros e sedutores que consegui ler naquela noite. E te li tantas e lilases vezes que, sem fôlego e exausta de tanto que te amei, morri feliz sob o fulgor indulgente de uma vela amiga.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

crônica gegel


                                            Vencedores
Tudo quando acaba, por mais que não seja tão bom, deixa um grande vazio e faz falta. A vida escolar é recheada de momentos marcantes. Já ganhei um prêmio por ser o melhor aluno da turma, chorei na sexta série por ter tirado nota baixa, já ganhei e perdi títulos nos sempre disputados jogos internos.
Na última etapa, hoje estou, olho para trás e  sinto aquela nostalgia; quero voltar. Saudade do tempo  em que era só fazer o dever de casa e já estava liberado para jogar bola e andar de bicicleta pelas ruas do bairro.
Agora os tempos mudaram, a responsabilidade aumentou, sei que para alcançar meu objetivo no fim do ano tenho que me dedicar aos estudos e abdicar de algumas atividades. A pressão sobre nós é grande. Às vezes, até mesmo sem querer, alguém fala algo relacionado ao tão sonhado e esperado churrasco no dia do listão da UFPa.
No convênio as pessoas mudam, tornam-se mais interessadas, mais conscientes.Os nervos ficam à flor da pele, choram. Festejam a evolução em algumas matérias, gritam. Outros não mudam. Como diz nosso amigo Paulo victor: “os pessoal amadurecero”
Quando entrei nessa turma, no primeiro ano, me identifiquei logo de primeira. Fiz e fortaleci amizades que vou levar para a vida toda. Alguns preferiram outro caminho, mas considero parte dessa turma ainda, fazem muita falta.
A caminhada final é árdua, talvez a mais difícil, mas não desistiremos, nossas desventuras não sepultarão nossos ideais. Conheço um pouco de cada um e tenho plena certeza que todos são capazes de passar no curso desejado. Acredito que seremos lembrados por muito tempo por nossas qualidades . E lembrando, somos vencedores!
(Argel de Assis)

sexta-feira, 5 de abril de 2013

crônica da semana -vovós


Vovós carabinas

Dez’orinhas da manhã saiu aquela vuca da Pirajá, pronta para um domingo de festa. Aniversário da tia. Uma reunião rápida, confere os meninos, os presentes... e é dada a largada. Tinham que pegar dois ônibus. Pedreira Lomas até um ponto da Almirante. Depois, um que entrasse no Tenoné. 
Ali da Pedreira, zarpava uma galera que entre crianças empoadas, mamães prestativas e agregados atentos, contava com umas 15 pessoas. Na liderança, as vovós. 
O bolo de gente chamava a atenção ali na esquina da Lomas. Lá vem ele. Ordem na subida. Inteiras, meias, faz as contas, acerta, paga. Todo mundo ajeitando um cantinho pra se sentar. As vovós não passaram na borboleta. Ficaram lá na frente nos lugares reservados. Pelo comum das manhãs de domingo, o ônibus estava vazio. Apenas algumas cadeiras ocupadas. Dois adolescentes enamorados, um casal com um bebê no colo, um vendedor de biscoitos ‘cocríssimos e levemente salgadinhos’. Um operário do cais de macacão laranja. Duas senhoras vestidas com roupas de estampas floradas bem no jeito da missa dominical. O resto era a galera da Pirajá. 
A viagem tava que era uma maravilha. Um ou outro passageiro que entrou no caminho, até estranhou a lotação atípica em pleno trajeto de retorno do centro, mas não que apoquentou. Arrumou-se no corredor e se deixou envolver pela algazarra sadia que se instalara no coletivo, aquelas coisas que rolam quando se junta o vulgo em folguedo. 
Todo mundo alegre e satisfeito, mas as vovós lá na frente, só na bicora do outro ônibus. E não é que ali pela Bandeira Branca um Tenoné emparelhou com o Lomas. Mais que depressa as vovós fizeram um diálogo na base da menção, com o motora do lado. Acertaram com gestos, o translado. Ele sinalizou que esperaria o povo se aviar. Tudo combinado, a vovó mais afoita virou-se abruptamente para o fundão e ordenou com voz límpida e severa : “Desce todo mundo”. Foi a conta. Desespero total. Um corre-corre, uma agoniação. Destrambelho generalizado. Todo mundo querendo descer do ônibus ao mesmo tempo. A notícia de assalto logo se espalhou entre os passageiros (e até entre os membros da família que, mesmo conhecendo estes ímpetos da vovó, inquietaram-se). Aquela ordem fora interpretada da maneira mais tresvariada possível, ora lá sabiam que ela estava articulando um transbordo para o outro ônibus! Aquele repente só poderia ser por causa de assalto, de incêndio, ou de um desalento outro comum ao transporte público mesmo. Das reações mais intempestivas, louve-se a das duas senhoras que vinham da missa, que ato contínuo, se deslocaram até às vovozinhas e, submissas, entregaram os pertences e ainda todo o acervo de Legionários que traziam lá da Igreja de Aparecida. Não tão inesperada foi a escalada do vendedor ambulante, que salteando cadeiras, pôs-se a pisotear aqueles que, não por vontades próprias, continuavam sentados. Pisando num, pisando noutro, o rapaz varou na calçada e sumiu ‘na tez esfumaçada da Almirante barroso’. Minha filha, Amaranta, foi uma das pri a abandonar o furdunço. Desgarrou-se da mãe e ganhou, em desabalada carreira, uma daquelas ruinhas de confronte ao Lauro Sodré. Até que se definissem eiras ou beiras, hios e chios, alhos, bugalhos, focinhos de porcos e tomadas, o caos imperou. 
O motorista do Lomas se desmanchando em risos, o do Tenoné, perplexo; os cocrísssimos levemente salgadinho abandonados pela calçada, minha filha desaparecida no rumo do Curió. No final, desvelado o mal entendido, reencontradas Amarantinha e a lucidez, a festa foi boa. E as vovozinhas, ah, as vovozinhas são de paz e se divertiram a valer. 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

crônica remix-cabo da boa esperança

A esquina da África
A realização da Copa do Mundo na África do Sul permite que informações opacas, raquíticas (sem nenhum trocadilho humanitário, diga-se), daquela região, cheguem para a gente com mais clareza e mais encorpadas (sem qualquer trocadilho humanitário, repito). As grandes redes de comunicação, enquanto seu lobo (a Coréia do Norte) não vem, fuçam de um tudo nas terras de Mandela. Tenho acompanhado. Deu um link, tô atento. Alguns fatos são emocionantes. Traduzem a natureza sublime daquele povo. Ratificam a ânsia indescritível que temos pela liberdade. Relatos nos trazem o heroísmo de Steve Biko e ajustam o nosso entendimento sobre as datas: outras coisas, que não a destruição das torres gêmeas nos Estados Unidos, aconteceram da mesma maneira, trágicas e injustas, no dia 11 de setembro (mas Biko, mártir na luta contra segregação racial, talvez, tenha sido também profético: “Um dia nós estaremos em condições de dar à África do Sul o maior dos presentes - uma face mais humana. Olha a Copa do Mundo aí vuvuzelando-se no sorriso dos africanos).
As notícias do lado de lá do Atlântico, nos trazem um mito, aqui pra perto da gente. Nelson “Madiba” Mandela. Uma presença ilustre no nosso arraiá de junho. Uma companhia querida. Exemplar. Quase divina (e os africanos o têm como tal). Um ser, sem dúvida nenhuma, iluminado. Pleno. Suculento (agora sim, falo do ponto de vista humanitário).
Os nossos enviados à África, falam de tudo, mas...Até agora não vi nada sobre o Cabo da Boa Esperança que, não sei não. Não sei se por esta minha vocação naturalista, acho que é uma paisagem histórica e humanisticamente, fundamental para aquela região.
O Cabo da Boa Esperança fica lá no canto da África. Exatamente na dobra para a Índia. É aquele mesmo citado em latim, nos versos hexâmetros dactílicos de Camões (e seja lá o que queira dizer isso, sei apenas que têm a ver com o humanismo de Os Lusíadas e sei também que ‘dactil’ refere-se a dedos, daí vem a extinta expressão -e profissão- “datilógrafa”, e nada mais do que isso sei). Do ponto de vista geográfico, Cabo é uma massa de terra que se estende sobre o mar e que tem uma influência sobre as correntes marítimas costeiras. É este expressivo traçado que está lá, no vinco meridional da África. E não é um ambiente muito amigável. Detonou, em várias oportunidades, os portugueses. Durante algum tempo, foi conhecido como o Cabo das Tormentas. É o ponto de encontro entre os oceanos Índico e Atlântico e quem assistiu ao filme “Procurando Nemo” sabe que existe uma coisa volumosamente viva nos oceanos chamada corrente marítima. Sabe que mais pra lá, pras bandas do oriente, passa a corrente australiana bagunçando o coreto do Pacífico sul. Sabe que estes chiliquitos revolvem, convulsionam os doces mares.
Ocorre na curva africana, também, uma zona melindrosa de contato entre as massas de ar tropicais e as massas polares que produzem extravagâncias climáticas. Há a diferença de densidade das águas oceânicas, de salinidade, de temperatura, de viscosidade, e outras cositas destemperadas mais que, se a internet não tivesse caído agorinha mesmo, eu as elencaria todas (e dizem as más línguas dos colegas cronistas medievais que por lá aparecem monstros abissais, também).
Em 1488, o navegador português Bartolomeu Dias, que não tinha a internet com estas fuxicagens tão desanimadoras, pôs fé no astrolábio, encarou uns ventos aloprados e varou para o outro lado da África. Abriu caminho ao caminho para as Índias. E el Rei , por questões óbvias, reclassificou o trajeto prontamente, passando a chamá-lo de Cabo da Boa Esperança (as especiarias, as especiarias!!!)
É um ponto do Globo, em todos os aspectos, fascinante. Um dia, se Deus me permitir, ainda vou lá encarar uns monstrinhos, umas vuvuzelas.