sexta-feira, 26 de abril de 2013

crônica da semana -amar e IV


Amar e outros medos (parte IV)
Põe o disco do Fagner de 1984 pra tocar no três-em-um sem se importar com o atraso na rotação.Ajusta o botão do volume no limite. “Oh, my Love, my eyes can see”. E cai num canto do quarto chorando descontroladamente.
Pela décima milionésima vez na vida tinha se apaixonado. E novamente sofria. De novo afirmava aquele ser o amor que lhe dava luz, lhe permitia ver o sol, as árvores, o céu, como diz a música do Fagner. Dizia isso sem titubeios, acreditava no que dizia. Quando amava, se entregava totalmente. Não tinha medo de amar. De sofrer, por amor, tinha. A cena do quarto, ouvindo Fagner anos 80 era o seu maior temor, e mais uma vez aconteceu.
Este medo espreita, espia. Posta-se atrás da gente quando a gente faz aquela declaração legal e convida para um papo num lugar mais reservado, a sós. No início a gente nem liga, mas sei lá, é bom ter o disco “Eternas Ondas” do Fagner em casa, a postos para catalisar a dor. Afinal de contas, não é por medo que a gente vai deixar de viver grandes amores.
Medos superados, desprezados ou simplesmente desconsiderados, nos deparamos com eles nas mais diversas situações...
Quando eu me batia pelas selvas amazônicas nas lidas da Pesquisa Mineral, eu me deparava com cada provação. Trilhas e cenários de arrepiar. Uma recorrente é a entrada em mata fechada. Ocorria então d’a gente ter uma campanha em uma área tal. Íamos de carro até um certo trecho. Durante a viagem, olhando pela janela, admirando a densidade da mata ao meu lado, eu me perguntava amedrontado “quem é o doido que se abala a entrar aí, meu pai?”.
Aquelas perguntas filosóficas, eu as fazia quando estava no carro, mas quando a gente descia, descarregava as tralhas, e tirava o rumo, a resposta aparecia: “eu, euzinho aqui”.
O medo tinha que ficar na janela do carro. Dali pra frente, eu tinha que desconhecê-lo. Não deveria arranjar apelido pr’ele, nem códigos, nem símbolos. Não poderia fazer qualquer referência ao medo, senão, a gente não entrava no mato. Fiz isso tantas e ‘lilases’ vezes na vida, meu Deus!
Medo de ferrada de tucandeira era um medo exagerado que eu tinha, também, quando me dava largado aos ermos. Alarmavam-se sofrimentos indizíveis a quem era abocanhado por aquela formigona. A mais afinadíssima verdade. Uma noite, quando entrava no restaurante da mina para fazer um tradicionalíssimo som, com a minha turminha, assim que larguei a bota de lado e calcei o chinelo, dei com o pé em cima da bichona, e ela, na mesma ‘pisada’, respondeu com o seu implacável veneno. Subi ao céu, vi estrelas em fogo, experimentei o vácuo absoluto, mas quando regressei, caí ao chão me vendo de dor. O povo acudiu, inquiriu. Eu sabia que era no pé, estimava ter sido a picada no dedão, mas quite, não dava pra localizar nada. A dor era isotrópica. Espalhava-se com a mesma intensidade por toda a área do meu pé e ascendia ao meu espírito. Olha que me vi agoniado, chorava, chamava pela mamãe, me pegava com meu São Francisco. O alento chegou dadivoso, piedoso, numa dosagem apurada de um bendito  benzodiazepínico que me fez, oportunamente, apagar. Que invenção maravilhosa da humanidade, as substâncias sedativas! No outro dia a dor passou, mas o medo continuou.
A dor do amor, porém, não passa de um dia pro outro. Demora. Dizque se quedar-se para os rumos da paixão, esta dor só passa depois de 3 anos. E não tem benzodiazepínico que abrande esta desdita. Daí, haja o disco do Fagner rodar na vitrola relembrando “Oh, my Love, my eyes can see”, e o camarada quebrantado, mofino, destruído, ali na quina do quarto, se desfazendo em lágrimas.

Um comentário:

  1. Tô passando por uma fase meio assim, de colocar o disco (cedê, né?) lá pra doer, e lavar. Mas eu ouço Gonzaguinha... Vixe! É só tocar "primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça, me bota na boca um gosto amargo de fel..." e pronto, começa a lavagem. mas é bom, porque com o tempo acaba passando.

    Tem uma amiga minha (a Luana, uma bonitona) que também ouve Fagner. É, Fagner é foda.

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