sábado, 13 de abril de 2013

crônica da semana - amanheceres


Bandeira branca, amor (ou amanheceres zens)


Eu bati o pé fora de casa e dei com aquela belezura. Coisinha pouca antes das seis, o céu estava uma pintura. Nuvens no mais delicado estilo pompom distribuíam-se harmoniosamente pelo céu, tingidas por um encarnado brilhante, dominador. Nos entremeios, feito estribilhos dissonantes, éteres prateados ou mesmo azuis clarinhos. O sol mesmo, não se via, estava emergindo ainda da noite, atrás das matas do Agronômico. O amanhecer era uma composição de inspirações estonteante. E numa pungente segunda-feira de trampo, olha só. Não há quem não se anime. Me veio naqueles instantes instáveis meio sono, meio vigília, meio medo, meio audácia; me veio um trisca na lembrança, de uma definição que o, então, professor Cláudio Barradas, lá na Escola Técnica, tinha para a arte “no sentido amplo”: tudo aquilo criado por Deus. E na mesma pisada, me bateu um outro conceito de arte, também ditado pelo, hoje padre, Barradas, “a arte no sentido restrito”: tudo aquilo que nos desperta a percepção. 
A mim me pareceu tudo junto: Deus percebido na natureza. 
Caminhava para a parada do ônibus no revés daquela maravilha de cenário, mas, foi-não-foi, volvia de través o olhar para apreciar aquela riqueza plástica impagável. E fui me adiantando também, em tentar explicar aquele fenômeno de luz e cores. Sei que nessa hora do dia, os raios de sol nos chegam quase que tangenciando a superfície da Terra. Uns restritos feixes de energia luminosa nos atingem diretamente. A maioria passa, digamos, raspando, passa rés o cocuruto das nuvens. Penso que não acontece, pelo menos com grande intensidade, de o raiar do sol varar os pompons de nuvens, de fora a fora. Soma-se a este contexto, o fato de as nuvens estarem a baixas temperaturas, adensadas. Ai, ai, tentando entender...Coisas longe da gente, da nossa capacidade analítica (mas também, patetice minha. Pra quê ficar querendo argumentos científicos, às maneiras criadores de Deus se Deste não tenho licenças ou misericórdias para tamanho atrevimento e daqueles não me sinto regalado pelos saberes mundanos). 
Mas parece que é por aí, porque tão logo eu desci do ônibus, na Primeiro de dezembro (para a mamãe, “Primeira” de dezembro), o sol foi se enxerindo no horizonte e todo aquele encantamento cromático foi se acomodando na monotonia de um cinza fosco submisso. 
Conformado, em apenas perceber as belezas do mundo, agarrei e fui trabalhar. Feliz. Com o espírito abonado, tranquilizado, zen, por ser testemunha de um espetáculo fascinante. De paz. Ah, os amanheceres! 
Este caminhar pela ‘Primeira’ de Dezembro, também é uma experiência cotidiana que me estimula nos amanheceres. Ele me leva até a Bandeira Branca. 
Tenho aquele trecho da cidade, que se dispõe nos limites do Marco da Primeira Légua, em saudáveis recordações. É dali que trago divertimentos e prazeres junto à minha turma do Jarbas Passarinho. A maioria dos meus amigos de escola morava pra’li. Tenho um sonho recorrente com aquela região como se ela fosse um sítio montanhoso, com vales profundos. E isso muito me intriga. Nestas minhas batidinhas matinais, quando passo por ali, e vejo um pequeno regato desenvolver-se por entre as casas, imagino até meu sonho ser verdade. Preciso me embrenhar por aquelas margens, em explorações mais criteriosas para certificar-me do relevo desenhado pelo meu inconsciente. 
O acordar instável numa segunda-feira é uma provação, mas passear em lembranças pela ‘Primeira’ de Dezembro com direito à retórica de um céu coloridinho, asseguro, é experimentar as artes de Deus abrandando o começar aflito do dia. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário