sábado, 27 de abril de 2013

o rio do meu lugar- edson


Andando Belém
Os pés que passeiam uma crônica precisam conhecer as ruas da cidade, os becos, as sutis ou aberrantes gradações emotivas e topográficas que distinguem os bairros.

Os olhos que avistam uma crônica são experientes em cotidiano – ver a poesia não por trás do cotidiano, e sim dentro dele. A poesia que é para todos, poesia de toda hora, mas que tem o capricho de exigir entrega àqueles a quem se entrega.

Os ouvidos da crônica distinguem sotaques, expressões, captam graças nos burburinhos, peculiaridades, resgatam ou inventam palavras na levada das ruas, das feiras, bares.

A memória que visita – ou revisita - uma crônica deve ser mágica e lúcida como uma mãe. A memória, como uma criança, acordou antes de todos para o passeio. A memória chegou antes e não vai tão cedo – ela vai apurar o fato, peneirar, dar o brilho. Vai ficar só com a emoção, com a substância desapercebida pelo tempo em linha reta. Na crônica, a memória transfigura em memória até o que não acabou de acontecer.

E a linguagem – tragam-lhe um avental, tragam água, tragam fogo. Hora de cozinhar. É a linguagem que vai transformar em sabor os cheiros da cidade. Ela é que vai selecionar e misturar as ruas, os sotaques, as expressões pecualiares. É a palavra que vai responder pelo mais sagrado preceito da crônica: ser deliciosa. Poesia do cotidiano, desembrulhada e compartida num balcão do cotidiano. Cristais de sensação.

Temos, enfim, reunido, o cronista Raimundo Sodré – e ele nos faz um honroso convite: visitá-lo, visitar a casa que ele é, acessar sua portinha numa rua secreta de Belém, por onde passa, meio escondida, meio desconfiada, toda a cidade.

Atenda, leitor. E é preciso se mover. Essa poesia não virá simplesmente até você. Há que se ir da Pedreira ao Ver-o-Peso, há que parar nas barracas, há que pedir uma localização aos mais velhos, saber aonde a memória nos veio deparar. Vamos tomar um barquinho, dar um mergulho em sensações barrentas. Vamos desdobrar cartografias, pontilhar as linhas ligando os rios-mares, vamos costurar a água aos céus e trazer uns planetas pro sonho de ver a Terra. O universo cabe direitinho no quintal da casa Raimundo Sodré.

E cabe sem parcimônia: hora da comida. Quem prepara o rango merece tudo, por causa do amor. O amor excede, expande, amplia o que apenas enxergávamos. Temos sempre fome, Sodré, temos sempre sede de nossa cidade. E Belém está servida.

Edson Coelho

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