VAMOS
A LA PLAIA (PARTE II)
O dia chega com aquele friozinho de bater o queixo. Uma neblina alvinha
desce sobre a vegetação silenciosa, à beira da estrada. E lá se vem ele, o
ônibus do piquenique, varando a brisa matinal de Atalaia. Um olhar alerta,
atento às belezuras da natureza, desejoso das benesses do Atlântico, espreita.
Uma voz excitada, explode num antegozo:
_ Chegaaamuuus!
É rápido que se instala o caos dentro do ônibus. O despertar é imediato.
E cada um trata de dar um jeito de se aprontar para um dia de praia. Os mais
práticos improvisam um biombo, lá na cozinha, onde as damas podem vestir-se com
os seus duas-peças prafrentex. O tráfego no corredor do ônibus é intenso, e
quem estava sentado sobre as latas dos pastéis tem que levantar ou arredar um
tiquinho. Menino, então, é quem mais se mexe. Eita, coisa que rende, é menino!
Fuçam de uma ponta a outra e no meio do caminho, embrenham-se numa acirrada
luta pela posse da cadeirinha do cobrador.
Hum, hum! Já dá pra sentir o cheirinho do mar. O motorista manobra,
estuda o ambiente e consegue uma sombra pai d’ égua pra estacionar. O
organizador dá o bê-a-bá sobre o passeio e mais de uma vez, alerta para o
horário de retorno...E liberou geral!
Os meninos são os pri. Descem em desabalada e ganham a areia em direção
a água. “Segura na não de Fulana”, esgoela-se a mãe, arrastando-se pela fofura
do solo, numa luta desigual entre as havaianas e a areia abundante. “Menino,
pega na mão de Sicrana, se não...”, ameaça a outra, equilibrando-se com um
guarda sol, uma frasqueira e uma panela de arroz. Mas nem adianta gastar saliva
com a petizada. Elas já deram o primeiro mergulho e se danam a chapinhar na
água rasa, soltar perdigotos salgadinhos, virar carambela na areia e a correr atrás do tralhoto, o peixe que risca
a água “em pezinho, eraste!”.
É, mas o deus Netuno não está lá muito católico com os nossos
veranistas. “Tá enchendo?” “Olha, cuidado que, aqui, a maré enche pela
beirada”. “Tá enchendo?” Não, não tá enchendo. A maré tá na vazante e é melhor
aproveitar logo, enquanto a água tá bem ali. Daqui a pouco as ondas vão bater
recatadas e silenciosa lá longe, na baixamar.
Depois do mergulho, as pessoas vão peruar lá pras bandas do lago da
Coca-cola, posar no alto das dunas, para as fotos, e catar conchinhas de pedra,
nos lajeiros expostos. Os mais novos, lançam olhares pidões àquelas vizinhas
mocinhas, que na rua, não dão papo pra ninguém. E lá pelo meio-dia, quando vão
ao ‘mergulho pra almoçar’, a água já se escondeu lá atrás do estirãozão de areia
úmida.
Depois do almoço, aquela morrinha. O Cortezano esquenta as orelhas e
derruba uns quantos nas redes atadas aos pés de pau. Os meninos, ufa!
Pirilampam, agora, à sombra. E né que os rapazinhos são correspondidos nos
olhares e , de mãos dadas com as vizinhas metidas, arvoram-se num passeio até
lá no fim, e ... ah, não! Não é que vai chover! Os deuses não estão mesmo muito
aquele com nossos banhistas, e aquela nuvem pesadona desaba acabando com o
namoro dos pequenos e com a graça do passeio.
Sob a chuva torrencial (ah, os deuses!), o organizador comanda a
retirada. “Falta alguém, falta alguém?” E lá vem quem estava faltando, varando
sob o pampeiro . O rosto vermelho, parecendo um tomatão. A barba, os pelos do
peito e da barriga avantajada, tudo afarinhado,
algo como a sucursal de um pirex de farofa; um dedo de cortezano, diluído num
mundo de água da chuva, num copo de alumínio com os dizeres “ao querido papai”.
“vumbora, homem, te avia, que o ônibus tá saindo”.
Ao grupo, juntam-se uns caronas, “até ali, na curva da castanheira”. Vão
em pé. Os rapazinhos aninham-se no colo das vizinhas bronzeadas, que esquecerão
deles tão logo cheguem nesta dita curva da castanheira. Os mais espaçosos se
esticam nos bancos, desalojando companheiros de viagem, que têm que se atar
pelo corredor (“depois a gente troca”). O organizador dá um ‘suspiro de
alívio’, o motorista dá a partida deixando para trás os chuviscos cintilantes
sobre a maravilhosa Salinas. Os meninos, incansáveis, digladiam-se pelo direito
de sentar-se na cadeirinha do cobrador. E simbora
pra casa. Antes de chegar em Belém, uma paradinha no Apeú, pra tirar o sal.