sexta-feira, 19 de julho de 2013

crônica da semana- cadeira de

Cadeira de balanço
Ela é aluna do curso de Geofísica na UFPA. Topei com ela, há coisa de um ano, no show do Beatles Forever. Estava junto com meus amigos da Geologia. Depois, sob a égide da poesia, fomos nos encontrando, nos tornando mais próximos, amalgamados pelas palavras. É dessas jovens estudantes que se batem com os cálculos da Física e perdem noites tentando decifrar os mistérios magnéticos da Terra. Mas é, também, sem resistência alguma, atraída pelas linhas de forças das rimas. Ainda bem, porque nos brinda com pérolas da sua lavra. Faz versos. Tem um blog (que já conta, inclusive, com mais de 5.000 acessos. Dá uma espiada lá http://prosasoltaversolivre.blogspot.com.br/) e traduz, na sua escrita, o olhar curioso em emblemas, símbolos, dizeres e sentimentos sobre as nossas angústias mais cotidianas ou sobre os nossos prazeres fugazes (ainda sobre o olhar, acrescento outro talento: quando tem uma máquina fotográfica, até dessas de celular mesmo, na mão, faz umas fotos perturbadoras). Como estou de férias aqui em Algodoal, pedi emprestado pr’ela um texto em prosa para aquilatar a coluna. Senhoras e senhores, Caroline Porto Brito:
“Ainda não havia entendido por que os homens perdem a sanidade por algumas mulheres. Alugam garçons em bares, contam sobre separações e abandonos. Tentam afogar lembranças (despudoradas e insensatas) da amada nos copos de cachaça...
Chegava da escola pontualmente à meia hora, e naquele dia, quando a vi trancar o portão da casa em frente, sabia: era vizinha nova. Desceu a rua no rumo da parada de ônibus, apressada. Trajando um vestidinho amarelo canário, uma sandália de dedo. Sua bolsa era tiracolo, e nos braços cadernos junto ao corpo. Não notou seu admirador, parado bobamente do outro lado da rua. Então, ali estava a causa. A explicação para a perdição destinada ao menino que ainda colecionava figurinhas (foram cinco minutos arrebatadores).
Caminhava rápido, como quem está atrasada para algo importante, e ainda assim, possuía uma leveza de bailarina. Os cabelos cacheados e propositadamente bagunçados enraizavam a herança pura de povo sofredor. O decote quadrado, tão contido quanto a expressão em seu rosto revelava apenas os seios firmes de menina-moça, o vestido meio rodado e de pano fino, moldava o corpo curvilíneo daquela que afloraria meu gostar. Hoje velho e nostálgico, homem viúvo vivendo na casa do filho, não encontro motivos para ela ter me namorado alguns meses depois... 
Não durou muito a reciprocidade do gostar. No ano que se seguiu teve que voltar para Bragança, morar com a mãe que caiu de cama muito adoentada. Seu suspiro de boneca de pano rasgada selou o dia da partida, nos fizemos em choradeiras, em promessas de amor eterno, que claro, não cumprimos. 

Não entendo por que a visito todos os dias em meus pensamentos, (me sinto até culpado, de fato, por não pensar na mulher- a outra- com quem dividi anos de minha vida) e a memória já enfraquecida não conserva mais imagens de cada segundo ao lado dela, a idade faz jus à fama. Sobraram-me alguns instantes, literalmente, são segundos que aparecem manchados, como fotos antigas que acabaram ficando amareladas e eivadas. O som da voz tornou-se agora estalidos de beijos quase esquecidos. Mas a primeira vez que a vi... Ah! isso não esqueço, foram cinco minutos de felicidade instantânea. Não foi paixão à primeira vista, não. Esse negócio não existe. Foi feitiço característico daquela que com certeza era descendente de Iara. E, despudoradamente, insensatamente, penso nela, todo dia, à tardinha, quando sento na minha cadeira de balanço.”

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