VAMOS A LA PRAIA (PARTE I)
Duvido que histórias como esta aconteçam agora. Hoje em dia o acesso às
praias é muito mais fácil. Há suporte confiável de alimentação e estadia a
preços até em conta nos balneários, mil e uma ofertas de transporte e trios
para divertir a galera. Mas naquele tempo, ah, naquele tempo, recorríamos ao
piquenique:
Não era qualquer pessoa que bancava o passeio. Tinha que ser animado e
obstinado para a promoção. Na nossa rua, havia sempre um desses dado ao negócio
da diversão, e bem antes da data do passeio ele já tinha o apurado, com a venda
dos cartões. O suficiente para fechar com a empresa de ônibus que fazia o
frete.
A maioria dos integrantes do passeio era ali da rua mesmo, mas havia
aqueles que vinham de longe, convidados pelo amigo do amigo e já chegavam com o
cartãozinho (já pago) em punho. Na verdade, quem garantia o apurado mesmo era
esse povo convidado. Recebiam o cartão do passeio e eram estimulados a
participar mediante o pagamento em breve tempo. O povo da rua ficava sempre
para a última hora ou em haver, com a grana.
Na véspera da viagem, a concentração era na casa do organizador. Ninguém
dormia, ansiosos por embarcar para os verdes mares do litoral. Salinas era o
destino preferido, seguido de perto por Marudá. Percorríamos tamanha distância
em busca do prazer de águas salgadas, mesmo porque, Mosqueiro, aqui pertinho e
com o atrativo de usufruirmos do charme do Getúlio Vargas, não nos oferecia
esta qualidade. A distância implicava na saída bem cedinho de Belém. Um bingo,
para passar o tempo, a um Cabral a rodada; os pastéis a fritar na banha quente
e a encher as latas enfileiradas (serão vendidos pelo organizador, ele tem o
monopólio das vendas, e a bem da verdade, pelo esforço, tem esse direito); as
pessoas chegando com sacolas e frasqueiras acondicionando o frango assado e a
farofa de miúdo. Os ‘fanchões’ apareciam orgulhosos, exibindo seus
‘inguinadores’ coloridos e o cerol infalível, puro aço-do-pico de cor lilás. A
molecada, espertíssima àquela hora da noite, fazendo firulas com suas
curiquetas tecidas em papel de pão e alçadas ao vento pela leveza da linha
Corrente Laranja. Uma tubadora aqui, um pandeiro ali, de par com uma lata de
óleo Paturi travestida de tamborim e uma lata de Skol, dali em diante,
requisitadíssima como ganzá, e o samba de Xavante animando o pessoal da
calçada.
E dá meia-noite, e arruma mais feijão para marcar o bingo, que chegou
mais gente. E tome pastel a abarrotar as latas. E passa da uma e “ai, ai, ai,
ai, ai, ai, ai, está chegando a hora”. E já estamos a mais de três e meia e
este ônibus que não chega! E lá o organizador se danava atrás de um telefone
público (que ali na Pedreira de dantes, só no Carisma, no Pisco e no bar Pedra
Noventa), ligar para a garagem. E a resposta vem alentadora: o ônibus está a
caminho. Últimas providências. O organizador vai às prestações de contas. Faz a
lista e confere os cartões. Quem falta pagar (que a gente já sabe quem é), jura
de pé junto que amanhã, como sem falta. Mas este tanto já faz parte do lucro do
organizador e ele libera na certeza que vizinho que tem com que me pague, não
me deve nada. E daqui em diante, tudo é festa, que o ônibus já chegou.
E na madrugada distante daquele julho, o ônibus ganhava a BR. As
crianças ainda iriam para baixo do banco a cada passada por um posto da Polícia
Rodoviária. Os pastéis sairiam logo em Castanhal, acompanhando um café simples.
No meio do caminho, uma ou outra parada para aqueles que estavam apertados e
precisavam ver o ‘Miguel’. No mais, um sono pra sonhar com o brilho infinito
das areias de Atalaia.
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