sábado, 6 de julho de 2013

crônica da semana- tio tadeu

No Pavulagem tá faltando ele
Quem poderia imaginar que naquele fogfog, naquele pulapula, naquele descai prum lado, desliza pro outro de coreografias do Arrastão junino do Pavulagem, por uns instantes, alguém chorou?
O que torna é que meu tio Tadeu era o irmão mais velho da mamãe. Era um auto-didata. Migrou para o Acre, jovem, na diáspora que meu avô fez sob a égide do IBGE. Animou-se com aquele ermo amazônico e de lá trouxe boas lembranças.
Enquanto minha mãe construía o clã dos Sodreres no seringal São Miguel, toda a família regressava a Belém. Meu tio Tadeu veio junto e durante muitos anos sofreria de saudade do Acre. Em Belém, realizou-se no ramo das relações públicas, gerenciou segmentos operacionais, representou empresas no comércio varejista e naquele segmento industrial incipiente na Belém dos anos 60. Não cursou universidade, mas tinha facilidade em aprender, destreza na comunicação, uma certa pose e a retórica séria e eficaz do bom vendedor. Era bonito, ou como se dizia, ‘bem apessoado’, se vestia com esmero, tinha um cuidado com a imagem. Entendia que se relacionar com pessoas exigia postura e severidade na apresentação.
E assim, deste mesmo jeitinho, centrado, reto, era como tio. A família o tinha como exemplo. Era referência pra tudo em quanto. Qualquer crisezinha corria-se para o Telégrafo para saber a opinião (ou a decisão do Tadeu). Era respeitado. E com muita justiça, afinal, chegando do Acre, fez a vida com seus próprios esforços, alcançou o status de profissional, tinha casa própria, era um vencedor. Valia sempre a pena, ouvi-lo.
E, acima de tudo, era o tio dos Sodreres acreaninhos que do Xapuri, também vieram dar aqui.
Esta é a lembrança mais agradável e familiar que tenho de Tadeu. Ele tinha uma lambreta e, embora tivesse já os quatro filhos, não esquecia os acreaninhos filhos da Luzia. Nos domingos descia para a Pedreira e nos pegava a todos para dar uma volta com ele. Nos ajeitávamos, à frente dele, meio que colados ao guidon e fazíamos um trajeto diverso entre a piçarra da Marquês e o asfalto da Lomas Valentina. Na pista era mais legal. Ele acelerava e a sensação de velocidade era estonteante (por isso que ele levava a gente ali na frente, para simular a condução, como se a nós coubesse o domínio da lambreta. E a gente ajudava com um vrummmm onomatopaico feliz de criança).
Cheguei a morar com o tio Tadeu um tempo. Foi a experiência mais próxima de ter um pai, que me aconteceu. Eu o via sair de manhã cedo, chegar só à noite. Percebia o ritual do final de semana: a feira de sábado, o jornal na poltrona, no domingo. Compartilhava com os meus primos das horas de silêncio e do criterioso contato com ele. Era um pai tradicional.
Mas que reconhecia o poder do tempo. Tirou de letra e aceitou a guitarra estridente dos meninos, quedou-se à corujice de ser avô, admitiu a beleza da vida fora dos conceitos, das obrigações e do trabalho. Por muitas vezes, vi meu tio rindo e fazendo rir, subjugando aquela seriedade que lhe distinguia.
Nos últimos anos, sempre o encontrava no Arrastão do Pavulagem. Meu tio Tadeu, como de costume, bem vestido, postura ereta, andar distinto. Mãos dadas com minha tia Ana. Um leve sorriso de aquiescência no rosto, como se dissesse “bonito isso, bonito isso”.
Neste último domingo, fiquei muito feliz por ter encontrado minha tia Ana por lá. Trocamos algumas palavras, comentamos sobre o Arrastão e ela se afastou me abençoando com um aceno. Quando ela foi embora, olhei para aquela pedra ao lado do anfiteatro onde eles sempre ficavam apreciando o show, mas meu tio Tadeu não estava lá. Aí, chorei.  

Um comentário:

  1. tambem chorei ao ler essas linhas, meu primo que ao me encontrar sempre lembra de suas canetinhas de pintar e me divirto muito beijos

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