sexta-feira, 26 de julho de 2013

crônica da seman - espinha de peixe

A espinha de peixe e a saudade
“Férias, tempo de ir com a família passear. Quando menina, ia para o interior, visitar os parentes, e me maravilhava à beira dos igarapés.
Os moleques saltavam de árvores altíssimas, dando cambalhotas no ar e caindo de cabeça nas profundezas da água escura, embriagando os olhos dos visitantes com tamanha coragem. Os tios levavam o peixe e davam o jeito de assá-lo aonde não tinha churrasqueira ou coisa parecida. Catavam os galhos secos para fazer o foguinho. Tudo muito simples e improvisado, mas o que não faltava era divertimento e um quê de aventura no ar. O rango era enriquecido com farinha, da baguda, e o almoço era servido.
Aquilo era minha visão de paraíso. Outro dia, essas lembranças invadiram minha mente devido a um ‘banquete’ parecido que mamãe fez em casa, mas não foi tão perfeito. Quando criança ela catava a espinha, e deixava tudo bem assim, no miudinho pra não acontecer nenhum acidente, pra não ter nada engatado na goela. Agora, eu que não me avie às delícias que guardam espinhas traiçoeiras pra ver. Só que nem adianta. A atenção é pouca. Acabei com uma espinha atravessada, lá na garganta. Os olhos já estavam lacrimejando de agonia quando clamei por um copo d'água bem cheio, mas não teve jeito. A infeliz continuou onde estava, sem me deixar respirar, e eu não sabia para qual santo rezar.
O bom de vir do interior é que lá se aprendem certas "marmotas" que a gente aqui da cidade, não faz nem idéia que existam. A angústia já desfilava assustadoramente pelo meu rosto quando recebi um conselho meio inusitado "Come farinha. Bastante. Que ela vai descer". Mas como? E se ficar com mais comida acumulada na grugumim? “É agora que morro”, pensei, mas estando com corpinho estranhinho encalacrado na garganta e a aflição tomando conta do meu espírito, mandei um punhado da baguda pra dentro. O caso é que não deu certo, permaneci com aquela sensação irritante de "vou morrer agora" por algum tempo, até que os movimentos peristálticos domassem aquela pilantra e a levassem para o estômago.
Refletindo sobre o caso passado, não deixei de perceber uma acentuada semelhança nos eventos (depois é claro, de lembrar da minha querida infância vivida à beiro dos rios e igarapés). 
Tal qual a espinha perigosa, a saudade quando é da braba, para no mesmo lugar. E para essa, não tem movimento peristáltico que dê jeito, que alivie a agonia, que elimine a tortura. Não tem punhado de farinha que amaine o desespero. São as piores sensações para se ter ali, bem por onde a comida passa, bem por onde o ar entra nos pulmões, bem por onde o sangue é bombeado para o resto do corpo. A saudade toma para si todo esse espaço e ainda chega no cocuruto, é parasita quase indomável, a sacana. O efeito é como aquele de se embalar de cabeça pra baixo na rede, como dizia minha avó, "o sangue desce todo para a cabeça".
Não gosto dessa conversa de saudade boa, Saudade é engavetamento em vias principais. Atrapalha o tráfego e dá uma dor de cabeça danada. Atinge todo o ser. O antídoto não é dos mais rápidos, mas o único disponível desde que eu me entendo por gente é o tempo. E olha que é do tipo efervescente. Com o tempo fazendo efeito essa dor latente vai se esvaindo. A fonte seca sem pressa, contando gota-a-gota. O tempo age parece bicho da seda tecendo. As palpitações acalmam-se, os sistemas digestivo e respiratório voltam a funcionar normalmente. E a gente se liberta daquele sufocamento. O tempo, tudo apazigua e afaga.”
Ainda de férias e contando com o auxílio luxuoso de Carol Brito. Sábado volto com mais de mil.

Um comentário:

  1. "Não gosto dessa conversa de saudade boa, Saudade é engavetamento em vias principais". Toma-lhe-te filosofia. Essa é da boa... Sodré, agora dei de catar essas conchas com as mãos. Vai que um dia eu precise de uma dessas tuas, aí sapeco nos meus textos. Tornei-me prisioneiro dos refrões alheios...de rocha!!!

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