sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

crônica da semana

Diferente, muito diferente
Houve um tempo em que a volta às aulas vinha animada por uma música recheada por estes versos: “Casas Pernambucanas/Volta à escola bacana/Casas Pernambucanas/Primeiro lugar...” Este era o hit da portentosa casa comercial que imperava de canto a canto no quarteirão mais nobre da Avenida Portugal. Tinha lá de um tudo, mas nesta época, vingava mesmo pela oferta de fazendas azul-marinho para os uniformes escolares. E ainda os versos: “Variedade de tipos e cores/consultem seus professores/Tecidos pra fardamento escolar...É primeiro lugar”.
Quando o reclame das Casas Pernambucanas começava a passar na TV, a gente já estava se ajeitando, providenciando as coisas pra voltar das férias revelando a glória de ser promovido para a série tal ou sofrendo a dor de ter que repetir de ano.
Na volta às aulas, uns assim, assim, do baixo clero, se viravam como podiam. Era o meu caso e de uns quantos colegas ali da baixa da Pedreira. A mãe não tinha numerário para artigos de luxo. Sabia das ofertas das Casas Pernambucanas, mas o fardamento vinha mesmo era como herança do irmão mais velho que já se agoniava no apertado de uma calça de tergal, de uma blusa na tricoline boazinha e que cabia benzinho na gente, era só mudar o bolso do colégio. O custo era esse. Era importante ostentar o brasão da instituição porque exibia a série que a gente ia estudar. Ainda mais se a gente tivesse passado e começasse o ano em um grau mais acima. Era um orgulho só. E o bolso, necessário e ostensivo, era adquirido forçosamente do simpático monopólio da Femesc. Mas quando que naquele tempo havia a liberdade de mercado, já!
O caderno era outro motivo para arranjos e zelos. E era cuidado como qualquer um daqueles de arame bacana, de várias matérias. Sendo que com algumas ligeirinhas peculiaridades. Mamãe comprava uma resma de papel almaço com pauta, cortava um feixe robusto ao meio, costurava a borda, e com esmero, desenhava uma florzinha, um bichinho, uma qualquer coisa cândida, infantil, na primeira folha, tida e havida, dali em diante, como capa do caderno. E arrematava a arte em cortes estilizados com a tesoura de picotar. Depois, se nos aprouvesse, podíamos inventar modas, criar esquisitices, numerar as páginas com canetinhas Silva Pen. Aí, ia da gente.
Este era o material básico para iniciar o ano escolar: o fardamento e um caderno multidisciplinar. Se desse, a gente arranjava logo a cartilha Caminho Suave, a tabuada, o caderno de caligrafia, aquele caderno de desenho que tinha a  obra do Pedro Américo na capa, o lápis com umas bandeiras de países que a gente nem conhecia e a borracha branca enroscada nele, aquela mesma borracha que a gente roia todinha tão logo nos víamos diante da fessora, na sabatina. Mas o que não podia faltar mesmo era fraterno copo de plástico que ia linkado ao cós da calça e saía dali somente na hora abençoada do mingau. Para abrigar essa coisinhas, bastava um saco plástico da sandália Havaiana, porque vinha com um cordão embainhado e que, a uma leve pressão com os dedos em pinça, servia como fechadura e alça, ao mesmo tempo, e dava pra andar assim, pendurado até à escola.
Assim era a nossa volta às aulas, no tempo do reclame das Casas Pernambucanas. Um tempo romântico, de estudos saudáveis em escolas públicas. Um tempo em que, embora a volta às aulas fosse embalada por cantigas pregoeiras, ainda admitia a vontade de estudar. Um tempo muito diferente desse que vivemos hoje, em que a famigerada lista de material escolar de nossos filhos consome boa parte do salário, de nossas forças, de nosso ânimo. Um tempo muito, muito diferente...

4 comentários:

  1. oi sodré, eu adorava quando a minha mãe chegava das compras escolares. ela nunca deixava a gente ir junto, então eu torcia pra ela comprar coisas legais!!!! hoje é tudo muito caro e as crianças não tem nenhum cuidado.

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  2. Oi Sodré, eu lembro dessas propagandas,minha mãe deixava eu ir com ela (mas lógico sempre me controlando rsrrs), bons tempos...
    Adorei seu blog viu, achei lindo!! Vou divulga-lo.
    Dê uma voltinha pelo meu (sei que ainda tenho muito que aprender mas tô me esforçando rsrrs),pode deixar sugestões de livros ou só dizer um oi, e fala dele pra galera curte um bom livro.

    Virei sua fã, sempre vou aparecer aqui ^^ Abraços

    Parabéns viu!!

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  3. gostaria muito de ver esse comercial denovo. Como e onde, não sei.

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  4. Caro Sodré, encontrei seu blog ao digitar no google versos iniciais do jingle das Pernambucanas, que foi a única pista que encontrei do mesmo na net. Gostei muito do blog. O jingle em questão era cantado pelo recentemente falecido Miltinho, não?

    Eudes Baima - Fortaleza/CE

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