domingo, 21 de novembro de 2010

Crônica da semana


Liga, desliga, liga

Em outubro deste ano começou a vigorar o Estatuto da Igualdade Racial. Trata-se de uma ferramenta legal com o objetivo básico de corrigir os passivos sociais contraídas ao longo de nossa história com a exploração e a discriminação da população negra do país. Segundo o presidente Lula, “A dívida é enorme, mas não pode ser paga em dinheiro... A moeda para reparar as consequências históricas da escravidão é a solidariedade...Finalmente temos uma lei que contempla os negros”.
Acompanhei alguns debates na TV sobre este tema e fiquei atento aos sentimentos. Alguns ativistas do movimento negro festejaram. Outros frustaram-se. Esperavam mais. Viram no estatuto regras ainda acanhadas, sem pegada.
Gostei dos debates. É salutar a gente compreender as inquietações e as calmarias que regem os espíritos. Alguma coisa fica, mesmo sob acidez dos embates. Para mim, ficou uma realidade ainda dissimulada, cheia de obviedades instáveis. Coisas que nós, por achar que vivemos no paraíso da tolerância racial, nem ligamos. Largamos às comodidades diárias.
Mas se a gente for reparar direitinho... Domingos Jorge Velho continua a destruir Palmares por aí...
É só correr os olhos pelos estudos recentes: “É fácil concluir dessa pesquisa do professor da USP que a questão racial tem mais peso do que a financeira. Os negros podem usar exatamente os mesmos direitos de um branco e ainda assim o resultado não será igual. 27% dos negros que contratam, segundo a pesquisa, são absolvidos; no caso dos brancos, a taxa de absolvição chega a 60% (sobre o desfecho de processos judiciais).
As condições em que os negros exercem sua cidadania precisam ser reconhecidas por todos como anômalas. Cálculos do IBGE indicam que 44,2% da população brasileira, ou mais de 65 milhões de pessoas, são "pretos" ou "pardos" . No entanto, nas esferas de influência a presença negra é restrita, para não dizer nula.
Apesar de o Brasil ter 65 milhões de negros há muitas injustiças ... Os negros são a maioria dos analfabetos, dos menores salários, nas prisões, nas favelas e nos subempregos... e são minoria nas faculdades, entre os empresários, os heróis reconhecidos, os governantes, os bispos, generais, almirantes, brigadeiros e na mídia...” (Edison Barbieri, revista “Mundo e Missão”).

A gente nem liga pra isso. O nosso mundo é muito maquilado. Temos aquela coisa do deixa-pra-lá, o desprendimento característico do povo cordial. Todavia, uma vez que a gente abstrai a questão, no momento que a gente presta reparo com mais cuidado nas estatísticas do trivial, percebe que na aula de balé não tem nenhuma menina negra e até aquela que freqüentava o grupo até um dia desses, nunca mais veio. Constata que poucos meninos daquela escola particular famosésima porque aprova uma penca de gente em medicina, são negros, e aqueles que freqüentam a escola logo são apelidados de Obama. Admite que das 513 cadeiras do congresso nacional, apenas 22 foram ocupadas por negros neste último pleito... Procura um governante, um cardeal, um médico doutor cirurgião aquilatado, uma atriz boazuda da novela das oito, uma modelo da Mirinda, um magnífico reitor, e vê, como somos muitos no Brasil, e pouquinhos nos círculos do poder e da exposição. Aí, a gente liga pra coisa. Rola uma preocupação com a ansiada democracia racial.
Os apelos são muitos, muitos são os desvios. E corremos a todo instante, o risco de desligar os nossos comandos de construir um caminho de oportunidades iguais no Brasil. Talvez a razão do Estatuto da Igualdade Racial mesmo seja a de nos manter ligados.

2 comentários:

  1. Oi Seu Raymundo....não sei se o sr lembra de mim, eu escrevi uma poesia uma vez e lhe mostrei o Sr colocou em um jornalzinho ai de Barcarena, sou gaucha e eu era sua vizinha, agora passando de blog em blog lhe achei...sou grata até hoje por ter tido uma poesia minha divulgada ai =)
    tudo de bom p/ o Sr.

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  2. Lembro sim, Muriel. Publicamos um poema teu. Ainda escreves? Não abandone a poesia, viu. Lembranças a todos aí

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