O
fura-dedo e a panemice da maleita
Eu
ainda fico só olhando as campanhas...
Há
um entendimento que avaliza a doação de sangue depois de um período de severo
tratamento da malária. Eu digo uma coisa: se uma possibilidade mínima de
contrair malária houver, é bom se cuidar, se prevenir. Não sei o impacto que o
sangue com a herança do Plamodium pode
causar numa pessoa. Já há muitos anos que tive a última. Será que não contamino
mais ninguém?
O
que sei bem é que o microbinho malina com a gente. As duas Vivax machucaram, me impuseram a panemice, a palidez. O temor da
injeção de Dipirona no bumbum, mas não o terror. Uma bateria dosada de
Primaquina logo me colocava de pé. Agora a Falciparum,
maninho, com essa, eu rabiei. A sezão te deixa azuruotinho. A gente treme que
nem vara verde, ferve perto de 40 graus, os ossos rangem doloridos e a cabeça
fica em tempo de espocar (mas mesmo assim eu ainda catava forças pra correr da
Dipirona no bumbum, que combalia tanto quanto a mais radical crise pirética).
Em
Rondônia, trabalhei na área rural de Ariquemes (porque Técnico em Mineração
nunca trabalha na cidade mesmo), cidade que, à época, era a capital mundial da
malária com a generosa distribuição de 3 malárias para cada habitante. Eu,
mesmo circulando ao largo, fechei minha cota. E foram as três encarreiradas,
uma atrás da outra.
Contraí
a malária porque os tratados ambientais, de saneamento, a organização daquele
espaço propiciavam condições. A luta era ferrenha, feroz. A doença grassava,
mas não era por causa do desleixo ou do desânimo ao bom combate. Ela possuía as
mais poderosas armas. A nossa arma era a Sucam. Talvez impotente, insuficiente,
mas incansável, inalienável, persistente.
No
caminho do trabalho, atravessava a cidade, alcançava a estrada de terra, sumia
no poeiral. Andava, andava. O motor do carro gemia. Entrava num travessão,
pegava uma vicinal, atalhava por um ramal. Andava, andava. A gente rodava muito
até chegar no nosso acampamento. E no mais longe dos caminhos, no mais travado
dos atoleiros ou no mais denso fumaceiro de poeira vermelha, lá nos confins, a
gente sempre encontrava um ‘guarda’ da Sucam. Na sua bicicleta, subindo e
descendo ladeira. Aparelhado. Bandeirinha amarela, aquele martelinho com ponta afiada
para furar lata, caderneta para cadastrar pacientes, um estojo de madeira
cheinho de lâminas bem encaixadinhas, cartelas de Primaquina, Cloroquina, e o
famigerado alfinetinho de furar dedo.
Ele,
o funcionário da Sucam, era o nosso herói. A gente podia estar no fundo da rede
lá no travessão onde o vento fazia a curva, e ele sempre alcançava o doente
fosse no caminho de ida, fosse no estirão de volta. Não diagnosticava. Furava o
dedo, colhia o sangue, catalogava a lâmina, deixava a primeira dosagem de medicamentos.
Passados uns dias, e naquela batidinha de quilômetros e quilômetros pedalando,
voltava com o resultado. Qualificava a malina e coordenava o tratamento.
Passados
tantos anos das minhas malárias, deixo aqui a minha homenagem aos ‘fura-dedo’
da Sucam. Acho que estou aqui hoje, também, por causa deles.
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