domingo, 12 de junho de 2016

crônica da semana - fura-dedo

O fura-dedo e a panemice da maleita
Eu ainda fico só olhando as campanhas...
Há um entendimento que avaliza a doação de sangue depois de um período de severo tratamento da malária. Eu digo uma coisa: se uma possibilidade mínima de contrair malária houver, é bom se cuidar, se prevenir. Não sei o impacto que o sangue com a herança do Plamodium pode causar numa pessoa. Já há muitos anos que tive a última. Será que não contamino mais ninguém?
O que sei bem é que o microbinho malina com a gente. As duas Vivax machucaram, me impuseram a panemice, a palidez. O temor da injeção de Dipirona no bumbum, mas não o terror. Uma bateria dosada de Primaquina logo me colocava de pé. Agora a Falciparum, maninho, com essa, eu rabiei. A sezão te deixa azuruotinho. A gente treme que nem vara verde, ferve perto de 40 graus, os ossos rangem doloridos e a cabeça fica em tempo de espocar (mas mesmo assim eu ainda catava forças pra correr da Dipirona no bumbum, que combalia tanto quanto a mais radical crise pirética).
Em Rondônia, trabalhei na área rural de Ariquemes (porque Técnico em Mineração nunca trabalha na cidade mesmo), cidade que, à época, era a capital mundial da malária com a generosa distribuição de 3 malárias para cada habitante. Eu, mesmo circulando ao largo, fechei minha cota. E foram as três encarreiradas, uma atrás da outra.
Contraí a malária porque os tratados ambientais, de saneamento, a organização daquele espaço propiciavam condições. A luta era ferrenha, feroz. A doença grassava, mas não era por causa do desleixo ou do desânimo ao bom combate. Ela possuía as mais poderosas armas. A nossa arma era a Sucam. Talvez impotente, insuficiente, mas incansável, inalienável, persistente.
No caminho do trabalho, atravessava a cidade, alcançava a estrada de terra, sumia no poeiral. Andava, andava. O motor do carro gemia. Entrava num travessão, pegava uma vicinal, atalhava por um ramal. Andava, andava. A gente rodava muito até chegar no nosso acampamento. E no mais longe dos caminhos, no mais travado dos atoleiros ou no mais denso fumaceiro de poeira vermelha, lá nos confins, a gente sempre encontrava um ‘guarda’ da Sucam. Na sua bicicleta, subindo e descendo ladeira. Aparelhado. Bandeirinha amarela, aquele martelinho com ponta afiada para furar lata, caderneta para cadastrar pacientes, um estojo de madeira cheinho de lâminas bem encaixadinhas, cartelas de Primaquina, Cloroquina, e o famigerado alfinetinho de furar dedo.
Ele, o funcionário da Sucam, era o nosso herói. A gente podia estar no fundo da rede lá no travessão onde o vento fazia a curva, e ele sempre alcançava o doente fosse no caminho de ida, fosse no estirão de volta. Não diagnosticava. Furava o dedo, colhia o sangue, catalogava a lâmina, deixava a primeira dosagem de medicamentos. Passados uns dias, e naquela batidinha de quilômetros e quilômetros pedalando, voltava com o resultado. Qualificava a malina e coordenava o tratamento.
Passados tantos anos das minhas malárias, deixo aqui a minha homenagem aos ‘fura-dedo’ da Sucam. Acho que estou aqui hoje, também, por causa deles.


Nenhum comentário:

Postar um comentário