terça-feira, 19 de julho de 2016

crônica da semana - válvula

O caso da válvula, outra introspecção de julho
Não sei vocês, mas para mim, toda vez que ouço falar em válvula, vem a minha mente aquele tubo de vidro que acendia uma luzinha dentro e que era a alma das televisões de antigamente.
Trata-se, porém, de um artefato, uma peça, seja mecânica, seja eletrônica, cuja finalidade é permitir ou controlar a passagem de um agente físico. A torneira da nossa casa é um exemplo bem prático de válvula. Permite a passagem da água (quando este agente físico existe, né), ou mesmo do ar, quando falta água e o reloginho não para de marcar. Tá, mas faz de conta que água não falta. Não é só isso. A válvula controla a quantidade que passa. Se totalmente aberta, o fluxo é forte, abundante. Se ajustada no mínimo, só permite um fio de água, daquele jeitinho mesmo de encher cuba de gelo sem provocar a maior molhadeira na cozinha.
Está sendo assim, a minha primeira semana de férias. Orçamento justíssimo. Indecisão na escolha de um lugar mais em conta para veranear, motivada por detalhes não totalmente explicáveis, afinal está tudo pela hora da morte mesmo. Enquanto conto meus miliréis, me pego aqui nesta tarde calorenta que só ela, me embalando na rede atada na varandinha de casa, reivindicando cada restiazinha de vento que sopra lá do igarapé do Zé. Mergulhando bem lá no fundo das minhas inquietações, dos meus abissais desencontros. Uma nuvem cinza se eleva lá pras bandas da mata do Agronômico. Vai tomando forma, se avolumando, se dobrando, meu Deus, é um monstro que vem me pegar. Me extirpar o fígado com armas líquidas serrilhadas, amoladas. A nuvem desaba num pampeiro incontrolável. A chuva cai ainda no meio daquele calor da tarde. Uma confusão se estabelece na minha cabeça. Sou e chuva, casamento de espanhol. Uma coisa boa. Uma coisa boa. O monstro foi apascentado. Sinto o fígado, sinto a vida, sinto as gotas grossas tocarem o chão. Pulo da rede num repente. Jogo uma toalha na cabeça, corro pra tirar a roupa do varal, e enquanto vou desatracando os pregadores e arrumando uma trouxinha em todo o estirão do antebraço, vou recitando rezas antigas, do tempo da minha avó, para que os anjos e santos me guardem porque eu estava com o corpo quente e saí pro terreiro assim de uma vez e isso é risco de magoar o pulmão da gente, constipar o peito, dar um enfraquecimento, tanta coisa, tanta coisa na minha cabeça atrapalhada.
Mas a chuva sempre é uma benção. Refresca a tarde e as ideias da gente.
O que passava então pela válvula da televisão antiga? Sei que a gente ligava o aparelho, no meio da tela aparecia um pontinho branco acompanhado de um zunido (era o agente físico se deslocando pelos tubinhos de vidro?) até que a tela enchia e formava a imagem e os divertimentos. Era luz. Eu via. A caixa da TV tinha umas fretas e a gente via lá dentro, as válvulas todas acesas, deixando passar a luz, a energia, na conta certa dos nossos divertimentos da tarde.

Quando passou a chuva uma lâmina de água atapetou chão. O sol voltou e aquele tapete ficou luzindo silencioso lá fora. Eu voltei para os embalos na rede, para as minhas inquietações e para a minha programação de férias. Céu azul, azul, sem nuvens e sem medos próximos.

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