O caso da válvula, outra
introspecção de julho
Não
sei vocês, mas para mim, toda vez que ouço falar em válvula, vem a minha mente
aquele tubo de vidro que acendia uma luzinha dentro e que era a alma das
televisões de antigamente.
Trata-se,
porém, de um artefato, uma peça, seja mecânica, seja eletrônica, cuja
finalidade é permitir ou controlar a passagem de um agente físico. A torneira
da nossa casa é um exemplo bem prático de válvula. Permite a passagem da água
(quando este agente físico existe, né), ou mesmo do ar, quando falta água e o
reloginho não para de marcar. Tá, mas faz de conta que água não falta. Não é só
isso. A válvula controla a quantidade que passa. Se totalmente aberta, o fluxo
é forte, abundante. Se ajustada no mínimo, só permite um fio de água, daquele
jeitinho mesmo de encher cuba de gelo sem provocar a maior molhadeira na
cozinha.
Está
sendo assim, a minha primeira semana de férias. Orçamento justíssimo. Indecisão
na escolha de um lugar mais em conta para veranear, motivada por detalhes não
totalmente explicáveis, afinal está tudo pela hora da morte mesmo. Enquanto
conto meus miliréis, me pego aqui nesta tarde calorenta que só ela, me
embalando na rede atada na varandinha de casa, reivindicando cada restiazinha
de vento que sopra lá do igarapé do Zé. Mergulhando bem lá no fundo das minhas
inquietações, dos meus abissais desencontros. Uma nuvem cinza se eleva lá pras
bandas da mata do Agronômico. Vai tomando forma, se avolumando, se dobrando,
meu Deus, é um monstro que vem me pegar. Me extirpar o fígado com armas
líquidas serrilhadas, amoladas. A nuvem desaba num pampeiro incontrolável. A
chuva cai ainda no meio daquele calor da tarde. Uma confusão se estabelece na
minha cabeça. Sou e chuva, casamento de espanhol. Uma coisa boa. Uma coisa boa.
O monstro foi apascentado. Sinto o fígado, sinto a vida, sinto as gotas grossas
tocarem o chão. Pulo da rede num repente. Jogo uma toalha na cabeça, corro pra
tirar a roupa do varal, e enquanto vou desatracando os pregadores e arrumando
uma trouxinha em todo o estirão do antebraço, vou recitando rezas antigas, do
tempo da minha avó, para que os anjos e santos me guardem porque eu estava com
o corpo quente e saí pro terreiro assim de uma vez e isso é risco de magoar o
pulmão da gente, constipar o peito, dar um enfraquecimento, tanta coisa, tanta
coisa na minha cabeça atrapalhada.
Mas
a chuva sempre é uma benção. Refresca a tarde e as ideias da gente.
O
que passava então pela válvula da televisão antiga? Sei que a gente ligava o
aparelho, no meio da tela aparecia um pontinho branco acompanhado de um zunido
(era o agente físico se deslocando pelos tubinhos de vidro?) até que a tela
enchia e formava a imagem e os divertimentos. Era luz. Eu via. A caixa da TV
tinha umas fretas e a gente via lá dentro, as válvulas todas acesas, deixando
passar a luz, a energia, na conta certa dos nossos divertimentos da tarde.
Quando
passou a chuva uma lâmina de água atapetou chão. O sol voltou e aquele tapete
ficou luzindo silencioso lá fora. Eu voltei para os embalos na rede, para as
minhas inquietações e para a minha programação de férias. Céu azul, azul, sem
nuvens e sem medos próximos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário