Parece até que vai chover
Guardo
esta lembrança desde que tempo. Era uma rotina. Eu estudava na Aparecida e
minha mãe trabalhava no período da tarde em uma padaria na esquina do Museu.
Era o custo de passar um pouquinho de meio-dia para eu me envolver em
aperreios, em apreensões ante as nuvens se formando no céu. Recorria ao
pragmatismo da fé. Rezava a seguinte reza: ‘Senhor, fazei com que esta chuva
caia somente depois da mamãe pegar o ônibus e que dê tempo pra ela chegar ao
trabalho e também peço que me ajude para que ela arrie apenas depois da batida
da campa de entrada na minha escola. Espere, meu pai, que estejamos abrigados e
protegidos. Depois, depois pode descer o pampeiro’.
Confesso
que essa não era uma boa prática ou não representava uma relação global
assumida com o clima. Era sim uma aspiração extremamente individualista, ou no
mínimo, restrita a um mundo composta apenas por mim e minha mãe. Mas no fundo,
no fundo, mostra uma rotina de contato que teria por toda vida, com os humores
do tempo.
Mais
tarde, já na lida como Técnico em Mineração e Geologia me convenci de que deveria,
se não ter o domínio, ao menos reconhecer as variações climáticas pois que do
contrário, meu trabalho corria o risco de ir pras cucuias. Temos então, eu e os
padrões de chuva e estiagem, aqui nos limites amazônicos, uma certa parceria.
Por
isso, quando olho para os cenários meteorológicos que se revelaram este ano,
nem maldo. Quedo-me às incertezas comuns a este tema, revisito experiências de
anos passados, procuro interpretações globais para anomalias identificáveis
(como o El Niño) e fico na minha, só na mutuca, tentando entender. E tentando
projetar. Afinal a minha rotina ainda depende dos repentes do tempo, seja para
estratégias no campo profissional, seja para ir ali na esquina comprar pão. Só
que para agir, desenvolver tarefas ou engenhar planos, temos que nos liberar de
patrulhamentos e conservadorismos. Afinal, todo o conhecimento é válido. Cabe
nos dobrarmos à ciência, à vivência, aos saberes populares.
Para
ilustrar, conto um causo que aconteceu em Altamira comigo. Era o tempo dela e
com ela, tinha vez que nem adiantava sair com minha equipe. A chuva, pelo
comum, vinha pela parte da tarde, o que nos garantia pelo menos meio período de
trampo produtivo. Mas tudo podia acontecer, era este o meu entendimento. Ao
amanhecer, então, depois do café, olhava pro céu, avaliava a textura, a cor, a
densidade das nuvens, observava os passarinhos, o farfalhas das folhas ao
longe, na mata e decidia se a equipe saía ou não pro campo. Deu-se então, que
numa ocasião, avaliei que deveríamos ficar. Faríamos atualizações de escritório,
descrições e mapeamentos dos dias anteriores. Não iríamos ficar parados, esperando
o tempo passar. Quando comuniquei pelo rádio minha decisão para minha gerência,
tomei aquela bronca. Enfaticamente, fui orientado a reunir a equipe e me mandar
para as frentes de trabalho (que ficavam a pelos menos uma hora de caminhada).
Acionei a turma, arrumamos as tralhas e caímos no trecho. Não deu outra. Não
percorremos nem a metade do caminho, o pampeiro arriou com beira. Não deu tempo
de armar os abrigos. Tentamos voltar. Mas uma tromba d’água levou embora a
ponte que nos ligava ao acampamento. Ficamos largados. Nos virando embaixo de
árvores ou locas de pedra, encharcados, equipamentos e documentos inutilizados.
Quem arriscou, sofreu com as dificuldades no trajeto de volta. Tivemos dois
acidentes por escorregões e queda. O grosso da turma chegou ao acampamento, já
de noitinha, após a chuva dar uma trégua. Estiolados, cansados e com fome.
Em
mim ainda vinga a prudência e impressões catadas dos boletins da meteorologia
casados com a vivência. Minha avó saía pro terreiro observava os sinais e nos
alertava: parece até que vai chover.
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