Idas e voltas
Plataformas
de estação, salões de aeroportos, trapiches de beiras tantas de rio são,
realmente, locais de desprendimento, de a gente não dar a mínima para o entorno
e, na hora da despedida, se desmanchar em lágrimas. Chama atenção este quadro
que a Astrid Fontenelle apresenta nessas últimas semanas no Fantástico. É
daquele jeitinho mesmo que acontece. A hora da partida abala e não admite
recatos.
Vivi
e testemunhei muitas cenas parecidas com as que Astrid mostra no quadro do
programa. Em Porto Velho, no início da década de oitenta, do século passado,
todo mês, experimentava umas horas na rodoviária à espera do ônibus que me
levava para a mina em que eu trabalhava. Ali, na plataforma daquela estação me
emocionei quantas vezes, meus Deus, ao ver famílias inteiras desembarcarem,
vindas de não sei donde, de olhos inchados, registrando a saudade das coisas e
gentes deixadas para trás. Quantas histórias se reconstruíram ali, na descida
do ônibus? Quantas memórias se dissipariam em doses diárias naquele
sofrimentozinho implacável de abandono e solidão até que a alma se aquietasse
na distância? Naquela época, a região tinha o maior fluxo migratório do Brasil.
Todos os caminhos levavam a Rondônia. O meu foi dar lá,
Eu
vivi os extremos. Em Rondônia foram quatro anos. No primeiro embarque para
Porto Velho, parecia que o mundo estava se acabando para mim. Ainda no
aeroporto, me reconheci como um garoto amamãezado que jamais havia saído
debaixo da saia de Luzia. Naquele instante, quando dei às costas e entrei na
sala de embarque, me apartando dos amigos, mamãezinha, Belém, a vida pobre e
conquistada a cada dia, me danei a chorar. Passei a viagem toda fungando. Nem
na hora dos lanches fartos da Vasp, que eram servidos a cada escala, e que
foram muitas por esta Amazônia à dentro, eu dava um tempo. Comia as comidinhas
de avião aos soluços, tremelicares de beiços, incertezas e apreensões. Depois,
a cada final de férias, no retorno para Porto Velho, o chororô se repetia. Após
o terceiro ano e já na reta final de minha jornada rondoniense é que me
entreguei aos consolos e fiz um embarque mais sereno, sem sobressaltos
sentimentais ou potencialização de dores e fungados. Razões havia para o
apascentamento da alma. Tinha me apegado aos dias de Porto Velho, colhia
amizades e paixões por aquele ocidente desbravado e grassava doçura nos nossos
encontros. Estava domada a solidão.
Mais
um ano e, por questões profissionais, partiria. Minha despedida de Rondônia foi
atropelada. Greve de aeroviários, vôos cancelados, flutuei em despedidas e incertezas
por uns 15 dias. Já estava com o numerário rareando quando as viagens voltaram
ao normal. Não houve tempo para os sentimentos. No dia do embarque, só não
estive sozinho no aeroporto porque apareceu uma amiga que morava na mina, filha
de um companheiro de trabalho. Foi a única a se despedir de mim à entrada da
sala de embarque.Tinha nome de ninfa. Nereida. Era gentil, generosa e tinha
esta propriedade mítica de ajudar andarilhos perdidos que nem eu. E ao mesmo
tempo, encartar corações. Deixei Porto Velho, após quatro anos, aos prantos. Troncho
de saudade daquela gente maravihosa, das cachoeiras do Madeira, da Mad Maria,
do friozinho de maio.
Agora
por esta época, muita gente viaja. É tempo de reaproximações com familiares,
terra natal, amigos. Por outro lado é também de separações. É a dimensão
ritmada, ondulatória do ir e voltar. A sensação de quem fica, a reflexão de
quem parte.
É
assim revisitando este ambiente da memória, que desejo a todos meus onze
leitores, minhas onze companhias semanais, um Natal pleno de bons encontros, e se
forem necessárias, despedidas doces; amor e amizade nas bagagens. Por outra, se
as lágrimas rolarem, que sejam de alegria e tragam um salzinho o justo para
temperar o sorriso.
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