sábado, 23 de dezembro de 2023

crônica da semana - idas e voltas

 Idas e voltas

Plataformas de estação, salões de aeroportos, trapiches de beiras tantas de rio são, realmente, locais de desprendimento, de a gente não dar a mínima para o entorno e, na hora da despedida, se desmanchar em lágrimas. Chama atenção este quadro que a Astrid Fontenelle apresenta nessas últimas semanas no Fantástico. É daquele jeitinho mesmo que acontece. A hora da partida abala e não admite recatos.

Vivi e testemunhei muitas cenas parecidas com as que Astrid mostra no quadro do programa. Em Porto Velho, no início da década de oitenta, do século passado, todo mês, experimentava umas horas na rodoviária à espera do ônibus que me levava para a mina em que eu trabalhava. Ali, na plataforma daquela estação me emocionei quantas vezes, meus Deus, ao ver famílias inteiras desembarcarem, vindas de não sei donde, de olhos inchados, registrando a saudade das coisas e gentes deixadas para trás. Quantas histórias se reconstruíram ali, na descida do ônibus? Quantas memórias se dissipariam em doses diárias naquele sofrimentozinho implacável de abandono e solidão até que a alma se aquietasse na distância? Naquela época, a região tinha o maior fluxo migratório do Brasil. Todos os caminhos levavam a Rondônia. O meu foi dar lá,

Eu vivi os extremos. Em Rondônia foram quatro anos. No primeiro embarque para Porto Velho, parecia que o mundo estava se acabando para mim. Ainda no aeroporto, me reconheci como um garoto amamãezado que jamais havia saído debaixo da saia de Luzia. Naquele instante, quando dei às costas e entrei na sala de embarque, me apartando dos amigos, mamãezinha, Belém, a vida pobre e conquistada a cada dia, me danei a chorar. Passei a viagem toda fungando. Nem na hora dos lanches fartos da Vasp, que eram servidos a cada escala, e que foram muitas por esta Amazônia à dentro, eu dava um tempo. Comia as comidinhas de avião aos soluços, tremelicares de beiços, incertezas e apreensões. Depois, a cada final de férias, no retorno para Porto Velho, o chororô se repetia. Após o terceiro ano e já na reta final de minha jornada rondoniense é que me entreguei aos consolos e fiz um embarque mais sereno, sem sobressaltos sentimentais ou potencialização de dores e fungados. Razões havia para o apascentamento da alma. Tinha me apegado aos dias de Porto Velho, colhia amizades e paixões por aquele ocidente desbravado e grassava doçura nos nossos encontros. Estava domada a solidão.

Mais um ano e, por questões profissionais, partiria. Minha despedida de Rondônia foi atropelada. Greve de aeroviários, vôos cancelados, flutuei em despedidas e incertezas por uns 15 dias. Já estava com o numerário rareando quando as viagens voltaram ao normal. Não houve tempo para os sentimentos. No dia do embarque, só não estive sozinho no aeroporto porque apareceu uma amiga que morava na mina, filha de um companheiro de trabalho. Foi a única a se despedir de mim à entrada da sala de embarque.Tinha nome de ninfa. Nereida. Era gentil, generosa e tinha esta propriedade mítica de ajudar andarilhos perdidos que nem eu. E ao mesmo tempo, encartar corações. Deixei Porto Velho, após quatro anos, aos prantos. Troncho de saudade daquela gente maravihosa, das cachoeiras do Madeira, da Mad Maria, do friozinho de maio.

Agora por esta época, muita gente viaja. É tempo de reaproximações com familiares, terra natal, amigos. Por outro lado é também de separações. É a dimensão ritmada, ondulatória do ir e voltar. A sensação de quem fica, a reflexão de quem parte.

É assim revisitando este ambiente da memória, que desejo a todos meus onze leitores, minhas onze companhias semanais, um Natal pleno de bons encontros, e se forem necessárias, despedidas doces; amor e amizade nas bagagens. Por outra, se as lágrimas rolarem, que sejam de alegria e tragam um salzinho o justo para temperar o sorriso.

 

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