Um balde de longuinete
Os meninos aqui em casa, só porque manjam do
inglês, ficam me tirando pra pagode. Introduzem uns dizeres na rotina do lar,
eu faço menção de pegar corda e embarco. Só dá pra minha reputação. Dou cada
fora. Um furo clássico foi o ‘cópiquêique’. A versão que usam aqui em casa é
essa aí com ‘ó’ aberto e o ‘é’ fechado. Eu, bestão, me animei na tagarelice.
Era só pintar uma oportunidade que me lançava todo pintoso na pronúncia
doméstica. Até que trombei, incrédulo, com o recitado de vera do bolinho. Entre
amigos, senti um risinho contido quando falei daquele jeitinho. As pessoas que
estavam comigo, é claro, relevaram, reconheceram em mim a inocência de um
aventureiro, esboçaram uma pilhéria, mas quedaram-se dissimulando, mudando o
rumo da prosa. Logo entendi o desconcerto. E ainda resisti. Meio inconformado,
indaguei afoito: “mas não é “cópiquêique”, não é assim que a gente fala?”. Não,
a resposta me veio solidária, como quem diz: “te enganaram”. Ah, esses meninos!
Claro que não liguei. Temos esta sacada aqui em
casa, de mutilar o anglicismo. Não por mal. Só onda mesmo. É uma maneira de
admitirmos o estrangeirismo, não sem uma zanga leve. Corre solta entre nós, por
exemplo, a livre e simpática articulação para a construção em advérbio de
lugar: “Ai eme riri”. O som da letra aqui bate é forte. E daqui, nos largamos às
reuniõezinhas de fim de tarde para nos fazermos folgazões e relaxados firulando
com a língua dos outros.
Mas é só brincadeirinha mesmo, minha, dos
meninos. Hoje, nos ombreando, até dominamos um quê’zinho do inglês. Os meninos
que fizeram curso e tudo, bem mais que eu. Para mim, no entanto, o buraco já
foi bem mais embaixo. Vivi uma era de não entender patavina e de reproduzir, de
qualquer jeito alguns termos do cotidiano. A classificação daquela garrafinha
de cerveja para mim, até um tempo atrás era eco que eu identificava como ‘longuinete’.
E não tenho nem a conta das vezes que entrei em bares e pedi um balde, sem
exibir o menor mal estar ou constrangimento. Foram baldes e baldes de
longuinetes nesta minha fonética independente de regras ou espias de
reprovação. Um mundo só meu. Perfeitamente atendido. Tranquilamente entendido.
Com o adendo da gorjeta. Baldes e baldes.
Um dia desses é que fui descobrir que não é
‘neti’, é ‘nequi’. Um balde de ‘longuinequi’. Foi numa aula sobre o jeito dos
rios, na Universidade. Aqueles desenhos em curvas bem acentuadas, que chegam a
dar voltas, chamam-se meandros. Há situações em que o meandro se torce tanto
que uma ponta que precede a curva do rio chega quase a tocar a ponta que a
sucede. Este processo forma uma figura que parece um pescoço sendo apartado da
cabeça e tem o sugestivo nome em inglês de neck cut-of.
Nesta aula de Geomorfologia, o espírito de Ferdinand
de Saussure baixou em mim (o som) e eu tive uma revelação. A cervejinha tem um
pescocinho longo. Long neck.
Matei a parada. O som da letra estrangula (cut-of
) meandros, e eu, agradecido a Saussure, sigo me aviando em selviservices ou
sendo aviado em baldes e baldes cheinhos de longuinequis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário