sábado, 6 de agosto de 2016

crônica da semana - longuineti

Um balde de longuinete
Os meninos aqui em casa, só porque manjam do inglês, ficam me tirando pra pagode. Introduzem uns dizeres na rotina do lar, eu faço menção de pegar corda e embarco. Só dá pra minha reputação. Dou cada fora. Um furo clássico foi o ‘cópiquêique’. A versão que usam aqui em casa é essa aí com ‘ó’ aberto e o ‘é’ fechado. Eu, bestão, me animei na tagarelice. Era só pintar uma oportunidade que me lançava todo pintoso na pronúncia doméstica. Até que trombei, incrédulo, com o recitado de vera do bolinho. Entre amigos, senti um risinho contido quando falei daquele jeitinho. As pessoas que estavam comigo, é claro, relevaram, reconheceram em mim a inocência de um aventureiro, esboçaram uma pilhéria, mas quedaram-se dissimulando, mudando o rumo da prosa. Logo entendi o desconcerto. E ainda resisti. Meio inconformado, indaguei afoito: “mas não é “cópiquêique”, não é assim que a gente fala?”. Não, a resposta me veio solidária, como quem diz: “te enganaram”. Ah, esses meninos!
Claro que não liguei. Temos esta sacada aqui em casa, de mutilar o anglicismo. Não por mal. Só onda mesmo. É uma maneira de admitirmos o estrangeirismo, não sem uma zanga leve. Corre solta entre nós, por exemplo, a livre e simpática articulação para a construção em advérbio de lugar: “Ai eme riri”. O som da letra aqui bate é forte. E daqui, nos largamos às reuniõezinhas de fim de tarde para nos fazermos folgazões e relaxados firulando com a língua dos outros.
Mas é só brincadeirinha mesmo, minha, dos meninos. Hoje, nos ombreando, até dominamos um quê’zinho do inglês. Os meninos que fizeram curso e tudo, bem mais que eu. Para mim, no entanto, o buraco já foi bem mais embaixo. Vivi uma era de não entender patavina e de reproduzir, de qualquer jeito alguns termos do cotidiano. A classificação daquela garrafinha de cerveja para mim, até um tempo atrás era eco que eu identificava como ‘longuinete’. E não tenho nem a conta das vezes que entrei em bares e pedi um balde, sem exibir o menor mal estar ou constrangimento. Foram baldes e baldes de longuinetes nesta minha fonética independente de regras ou espias de reprovação. Um mundo só meu. Perfeitamente atendido. Tranquilamente entendido. Com o adendo da gorjeta. Baldes e baldes.
Um dia desses é que fui descobrir que não é ‘neti’, é ‘nequi’. Um balde de ‘longuinequi’. Foi numa aula sobre o jeito dos rios, na Universidade. Aqueles desenhos em curvas bem acentuadas, que chegam a dar voltas, chamam-se meandros. Há situações em que o meandro se torce tanto que uma ponta que precede a curva do rio chega quase a tocar a ponta que a sucede. Este processo forma uma figura que parece um pescoço sendo apartado da cabeça e tem o sugestivo nome em inglês de neck cut-of.
Nesta aula de Geomorfologia, o espírito de Ferdinand de Saussure baixou em mim (o som) e eu tive uma revelação. A cervejinha tem um pescocinho longo. Long neck.
Matei a parada. O som da letra estrangula (cut-of ) meandros, e eu, agradecido a Saussure, sigo me aviando em selviservices ou sendo aviado em baldes e baldes cheinhos de longuinequis.


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