segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Conto da Danny

Garoto do café

Estava voltando do trabalho em uma sexta-feira comum. O entardecer estava frio e resolvi parar em uma cafeteria que ficava no caminho de casa. O engraçado é que eu passo por ali todos os dias e nunca tinha reparado nesse lugar tão bonitinho e aconchegante. A música do ambiente era Belle & Sebastian o que me cativou mais ainda e fiquei feliz porque o cara do balcão, que acabara de acenar para mim, gostava desse tipo de música. Estava atolada de trabalhos extras dentro da minha bolsa Louis Vitton vintage comprada em um brechó de Londres. Tirei da bolsa o livro que estava lendo “Mensagem” do Fernando Pessoa, o moleskine, uma caneta e comecei a ler, parando apenas para fazer pequenas anotações. O balconista resolveu trabalhar e veio me perguntar o que eu desejava. “Um cappuccino com canela, por favor”, respondi, mas ele ficou estático ao lado da minha mesa como se estivesse hipnotizado. “Um cappuccino com canela, por favor” repeti. E como se saísse do transe, o rapaz se afastou e voltou para o balcão. Depois disso, todas as vezes que tirava os olhos do livro, olhava para o balcão a fim de descobrir o motivo da demora do meu pedido, cruzávamos os olhares, eu e o garoto. Fiquei incomodada. Não gosto que pessoas desconhecidas fiquem me olhando muito atentamente.
Um cara alto de cabelos grisalhos entrou na cafeteria. Acompanhada de um cigarro amigo, sentou-se à mesa ao lado da minha. O cheiro de tabaco exalava por todo o lugar. Ele me cumprimentou e eu sorri de modo murcho, voltando minha atenção para a leitura. Estava cheia de trabalho e sem a mínima paciência para homens (depois do último babaca). Comecei a achar que o balconista tinha ido colher o café na Nicarágua. Das duas, uma: ou o garoto estava querendo me prender sentada ali ou a cafeteira tinha quebrado. Fiquei com a primeira opção depois que olhei, novamente, para o balcão e percebi que a cafeteira do lugar reluzia de tão nova que era. Comecei a reparar nas mesas à minha volta e percebi que vários clientes que chegaram depois de mim já estavam tomando seus cafés, inclusive, o homem de cabelo grisalho.
O garoto do balcão veio em minha direção com meu pedido, finalmente. Percebi que aquele era o último pedido, uma vez que a cafeteria já ia fechar. Deixou o café juntamente com um lencinho de papel, totalmente desnecessário, em cima da mesa. Fiquei fitando-o até o momento que alcançou de novo o balcão. Tomei o primeiro gole e, como sempre, deixei um gotinha escapar e sujei a blusa (talvez aquele lencinho de papel não fosse tão desnecessário). Peguei o lenço, limpei o canto da boca e, o que pude, da blusa. Assustei-me quando percebi que havia algo escrito à caneta no papel úmido de café: “você parece meio tensa. Quer dar uma volta?”. Ri baixinho. O garoto do balcão se aproximou.
- Deseja mais alguma coisa? – perguntou. Olhei dele para o bilhete e do bilhete para ele. O garoto ficou sem graça.
- Tudo bem, já entendi o seu não. – e se virou.
Ei garoto! – gritei sorrindo e ele voltou-se surpreso – um café por favor, mas quero um do Fran’s, o daqui demora muito para chegar. Ele sorriu e me respondeu: “espere cinco minutos, é o tempo que fecho esse lugar”. Dez minutos depois, eu saía ao entardecer friorento conversando e rindo com o cara do balcão. Sei que ele é só mais um cara, que pode ser mais um babaca que mais cedo ou mais tarde, vai me fazer chorar. Mas por enquanto, ele se restringe a um café e, talvez, seja nesse café que eu afogue as mágoas do café anterior.
 
(Daniele Lima) 

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