sábado, 26 de novembro de 2011

Crônica da semana- o louco do

O louco do Xingu
Eu fiquei impressionado com a arrumação do atleta doidão que desceu uma cachoeira de 30 metros num caiaque. Pai d’égua! É o meu sonho fazer uma peraltice dessas (em contrapartida, quem deve ter torcido o nariz para a presepada do canoísta foi o meu amigo David Correia, um crítico contumaz dessas aventuras radicais. Até imagino o comentário que ele fez: “são uns desocupados”).
A verdade é que as cachoeiras, pela beleza que exibem, exercem um fascínio sobre uma pá de gente. Nas artes e na vida. Num dos rituais realizados pelos índios Gaurani, no filme “A Missão”, o diretor Roland Joffé  elabora uma alegoria fatalista rodando uma cena com um corpo despencando de uma caudalosa cachoeira. Usa também esta poderosa queda d’água como uma barreira geográfica na defesa das missões jesuítas. Deste mesmo argumento limitador, a literatura histórica também se nutre. Ao descrever os processos que resultaram na construção da ‘Ferrovia do Diabo’, o pesquisador Manoel Rodrigues Ferreira introduz a narrativa apresentando as cachoeiras dos rios Madeira e Mamoré. E vai além: faz um mapa registrando os acidentes da bacia amazônica, tanto de uma margem, quanto de outra.
É aí que entra o Xingu.
A razão do historiador traçar os contornos da bacia é que os rios, a partir de um certo ponto começam a subir o terreno, encachoeirar e a dificultar a navegabilidade. E este era o grande motivo para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, evitar a fúria das corredeiras.
O Xingu, não foge à regra. Nas proximidades da foz, é largo, canal único, navegável, corre sobre leito rebaixado e sofre a influência, mesmo que acanhada, da maré (na travessia de Belo Monte a gente percebe esta dinâmica do sobe-desce diário das águas). Agora, mais adiante, subindo um pouquinho e já adentrando à volta grande, o bicho pega. Neste ponto o Xingu sai de cotas próximas de 10m para elevações acima de 100, ou seja, dá um salto. É o início das cachoeiras, e barco, já era. Até Altamira, este trecho é denominado de Volta Grande (e é mesmo. O Xingu tem uma direção constante até Altamira, mas quando chega na cidade, o rio dá uma guinada drástica num arco de aproximadamente 180 graus que se desfaz lá em Belo Monte). O curioso neste trecho é que, mesmo realizando em grande escala, uma curva, o leito do rio, numa escala menor, se desenha em segmentos primorosamente retos e intensamente recortados em ângulos próximos de 90 graus. Em derivações certinhas, dotadas de grande energia, sobre o leito de rocha cristalina (este cenário para uns meninos que eu conheço, é mamão com mel. É o beabá da Geologia Estrutural).
Eu estive numa dessas cachoeiras, mas a patetice e as intempéries fotoquímicas me impedem de provar com fotos minha aventura. As lembranças estão só no cocuruto. Foi na localidade de Juruá, acima de Belo Monte. O Xingu ali é uma provação. Verte em 70m de canal toda água que corre acima numa largura de mais de um quilômetro. Por aí a gente tira a pancada. Essa é uma cachoeira braba. De dar medo. Acima dela, vêm as interligações retas. Na maior delas, outra cachoeira. Ali, as exposições de inscrições rupestres. Mas ora, se não fui lá. Desci na praia, fui me ajeitando e vi os hieróglifos misteriosos, as mensagens que nossos ancestrais deixaram. Não resisti. Fui me equilibrando embaixo da cortina de água alvoroçada, e me postei herói, sobre um lajeiro. Meu companheiro de aventura clicou com a minha Olimpus Tripp, um dos momentos mais eternos da minha vida. Não foi assim, coisa de louco do caiaque, né...A foto já era, mas acreditem em mim. Era um deslumbrante mundo de água, pedra e segredos.

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