sábado, 30 de abril de 2016

crônica da semana - tânia

O caminho é caminhar
Naquele início dos anos 80, eu era meio apatetado, alienado, desconectado da profundidade dos dias. A culpa nem era minha. A vida era assim mesmo, tocada a silêncios.
Não abstraía, não intuía, não questionava e nem elucubrava. Tinha as restrições no pensar e no falar comuns aos rebentos do regime de exceção.
Até que um dia entrei no movimento jovem da Escola Salesiana do Trabalho. A Escola mudou minha vida.
Foi um choque. O mundo, ou pelo menos aquele mundo de jovens cristãos mostrou-se para mim em outras e novas faces. Ingressei num ambiente que me proporcionou formular e conhecer conceitos; me aproximar de valores até então distantes; criar e renovar rumos na minha caminhada.
E o nome do movimento era exatamente ‘Caminhada’. Fazia parte do trabalho pastoral da Escola, com atenção especial aos jovens.
Aí tá, né.
O ‘movimento’ fazia reuniões semanais, onde eram discutidos temas variados sempre sob a ótica cristã. Mas no final do mês, o grupo fazia uma reunião especial conhecida como ‘Parada’. Pensava-se que a ‘Parada’, ao contrário do calendário rotineiro, era o momento de maior participação. Buscava-se atingir o máximo de ‘caminheiros’. Apostava-se na divulgação, na valorização dos assuntos pautados, na recreação. Normalmente, havia um convidado, um palestrante especialista, de fora, para desenvolver um tema mais quente.
E foi nessa ‘Parada’, que percebi que no meu mundo da Pedreira, Sacramenta, no meu subúrbio, existiam jovens bem diferentes. Se eu fosse simplificar a minha impressão naquele momento, diria que achava aqueles jovens ‘inteligentes’. E afirmo que a partir dali, vislumbrei a possibilidade de ser também ‘inteligente’ igual a eles. Bateu uma ambiçãozinha do bem.
A referência para que eu me entusiasmasse, o exemplo de inteligência, liderança, vivência, me foi dado pela Tânia. Ela, naquele dia, prata da casa, dispensou um convidado externo e assumiu o tema (quente) da ‘Parada’. Fiquei besta de ver a Tânia falar com tanta propriedade, com tanta segurança, dominando a técnica da comunicação, chamando a atenção, cativando os assistentes. Pensei cá comigo: “por que não sou assim, como a Tânia? Temos ali, ali a mesma idade, moramos na periferia, ela é pequenina que nem eu, deve estar no segundo grau também...”
Mirei em Tânia. E daquele dia em diante, persegui ter aquela articulação, aquela desenvoltura, aquela convicção...
O movimento ‘Caminhada’ era afinado na iniciativa da igreja católica à época, de formar lideranças. A metodologia era aquela empregada largamente nos ‘TLCs’ (Treinamento de lideranças Cristãs).
Com o tempo, fui conhecendo outros líderes, no movimento, tão valorosos quanto a Tânia. Eu mesmo, depois de um tempo, vivenciei meu TLC. Não sei se com tanta competência.

Sei que a minha vida de menino meio apatetado virou e disparou naquela ‘Parada’. E Tânia caminheira, hoje grande educadora, talvez não saiba disso, mas foi a primeira responsável pela minha caminhada até aqui e por alguma elucubração que ainda teimo em fazer sobre a profundidade dos dias.

3 comentários:

  1. Foi a partir daí que nos encontramos,tú na Pedreira e eu na Sacramenta. Fomos capazes de construir uma ponte, uma ponte que nos possibilitou o conhecimento de nós mesmos e daqueles que estavam próximos de nós. O nosso mundo se ampliou e com ele as possibilidades que nem imagínavamos que um dia seríamos capazes de realizá-las. Fizemos história naquele nosso pequeno grande mundo.

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  2. Sodré, meu amigo de tantos anos.
    Me emocionei com o que li, pela referência a minha pessoa. Realmente, não sabia que de alguma forma contribuir com o teu modo de ver e agir no decorrer daqueles momentos lindos que vivemos no movimento caminhada. Imagina, eu que sempre te admiro pela sua inteligência, humildade e habilidades extraordinárias para escrever, escrevendo sobre mim. Me sinto homenageada, principalmente por ter sido você a escrever.
    Obrigada, que Deus continue iluminando a tua vida e, de sua linda família.

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